A recente proposta do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que sugere a criação de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), reacendeu o debate sobre a eficiência e a organização das políticas de segurança no Brasil. Apresentada na forma de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a iniciativa busca responder aos desafios impostos pela crescente complexidade do crime organizado, que envolve milícias, facções e outras redes criminosas cada vez mais articuladas, ultrapassando a capacidade de resposta das estruturas locais. Apesar de, em um primeiro momento, parecer oferecer um caminho promissor para a coordenação e padronização das ações, uma análise crítica revela tanto seu potencial quanto suas fragilidades.
A segurança pública no Brasil tem sido marcada por uma fragmentação histórica, com diferentes instituições operando de forma desarticulada e, muitas vezes, com sobreposição de funções. Nesse contexto, um sistema unificado poderia, em tese, corrigir distorções e garantir maior eficiência na alocação de recursos e no compartilhamento de informações estratégicas. Contudo, o simples desenho de um modelo único não resolve as causas profundas que comprometem a eficácia das políticas de segurança.
A PEC enfrenta barreiras estruturais significativas. A precariedade material e humana das forças de segurança, o déficit de equipamentos e a falta de capacitação adequada limitam a capacidade operacional de muitos órgãos. Sem um plano de investimentos robusto, a centralização corre o risco de engessar ainda mais um sistema que já opera no limite.
Os governos estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás têm criticado duramente a proposta, apontando que ela representa uma ameaça direta à autonomia política e administrativa dos estados. Governadores desses estados temem que o SUSP centralize decisões estratégicas nas mãos do governo federal, retirando dos estados o controle sobre políticas de segurança pública, que hoje são adaptadas às suas realidades locais. Além disso, o projeto tem sido visto por alguns como uma tentativa de concentração de poder, possibilitando o uso político das forças de segurança.
Essa percepção é agravada pelo receio de que a centralização leve à criação de uma “polícia bolivariana”, ou seja, uma força de segurança alinhada ideologicamente ao governo central, capaz de ser utilizada para fins políticos. A experiência de regimes autoritários na América Latina, onde as polícias e forças de segurança foram instrumentalizadas para controle social e repressão a opositores, serve de alerta. Para muitos críticos, a proposta pode ser o embrião de um modelo que comprometa a imparcialidade das instituições de segurança pública no Brasil.
Um dos pontos mais sensíveis da proposta é seu impacto no federalismo brasileiro. A Constituição adota o princípio do federalismo cooperativo, mas a segurança pública, apesar de ser responsabilidade compartilhada, é tratada predominantemente como uma atribuição dos estados. A criação de um sistema único, com uma coordenação centralizada, pode gerar tensões políticas e administrativas, sobretudo se os estados e municípios perceberem uma interferência excessiva da União em questões locais.
A eficácia de qualquer modelo de integração passa pela construção de mecanismos claros de governança, transparência e fiscalização. A criação de um SUSP sem critérios objetivos para definir competências, responsabilidades e metas pode resultar em um sistema burocrático e pouco funcional. Pior ainda, pode reforçar as desigualdades regionais no acesso à segurança pública, uma vez que regiões mais vulneráveis tendem a ser negligenciadas em esquemas de governança centralizados.
A proposta de Lewandowski nasce em um contexto de crescente complexidade do crime organizado, mas enfrenta forte resistência de governos estaduais. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás, que tradicionalmente adotam políticas de segurança mais duras e alinhadas à Direita, desconfiam de uma proposta vinda de um governo de esquerda. Esse aspecto político-ideológico intensifica a polarização em torno da PEC, dificultando um debate técnico e equilibrado.
Para que a PEC avance, será necessário construir um modelo que respeite a autonomia federativa, ao mesmo tempo em que estabelece mecanismos claros para integração e coordenação das ações de segurança. Algumas medidas devem ser priorizadas:
- Investimentos estruturais: Antes de unificar, é necessário fortalecer as bases operacionais das instituições de segurança, com investimentos em tecnologia, capacitação e aumento do efetivo.
- Respeito à diversidade regional: Um modelo de segurança centralizado precisa ser flexível o suficiente para acomodar as diferenças locais, respeitando as especificidades de cada estado e município.
- Governança participativa: A construção do SUSP deve incluir a participação de representantes dos três níveis de governo, bem como da sociedade civil, para evitar o excesso de centralização e garantir maior transparência.
- Eficiência operacional sem interferência política: O SUSP deverá se concentrar na promoção da eficiência operacional das polícias, com o cuidado de impedir que o governo central tenha influência na definição das políticas estaduais de segurança pública.
Embora a proposta de um Sistema Único de Segurança Pública traga elementos positivos, como a possibilidade de maior coordenação e padronização, ela não pode ser tratada como uma solução mágica para os problemas crônicos da segurança no Brasil. É essencial reconhecer que um modelo funcional não depende apenas de mudanças administrativas, mas de um compromisso político de longo prazo com o fortalecimento das instituições e a redução das desigualdades estruturais.
A segurança pública brasileira precisa de integração, mas não de centralização excessiva. A PEC deve equilibrar a busca por eficiência com o respeito à autonomia federativa e à pluralidade das demandas regionais. Sem isso, o SUSP corre o risco de ser mais um projeto que, na prática, trará poucos resultados concretos.
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