*Eugênio Maria Gomes
Criamos nossos filhos para serem felizes. No entanto, é muito comum que ofereçamos ferramentas diferentes aos meninos e às meninas para que cavem o túnel que os levarão à felicidade. Meninos, futuros homens, são criados “mais à vontade”, enquanto as meninas, futuras mulheres, são quase sempre criadas com regras mais rígidas, devem estar sempre arrumadas, bonitas, devem aprender a cozinhar, ajudar a mamãe nas tarefas da casa e são ensinadas a serem prendadas. Em muitos casos, meninos são criados para terem sucesso profissional, enquanto boa parte das meninas são criadas para serem boas esposas, boas mães, boas donas de casa. É claro que isso não é mais uma regra geral, mas ainda acontece com muita frequência em vários pontos do país.
Com raras exceções, a menina que se torna uma profissional em condições de concorrer com o homem, é quase sempre resultado de um ato de rebeldia, afrontando alguns idiotas que, ainda, acham que lugar de mulher é em casa. E antes que você pense “lá vem ele com esse negócio de igualdade de gênero”, quero lhe dizer que a questão vai muito além do “menino veste azul” e “menina veste rosa”. Estamos falando de oportunidades, de valorização e de reconhecimento do ser humano, independentemente de seu gênero.
A questão, no Brasil, extrapola qualquer tentativa de justificar o óbvio, ou seja, a mulher brasileira é sim muito desrespeitada, muito desvalorizada e isso não faz o menor sentido. Não podemos continuar convivendo com o triste resultado de uma estatística que apresenta como maioria absoluta dos pobres do país as mulheres e, em sua maior parte, negras. Um país onde a mulher continua a receber um salário muito inferior ao do homem, mesmo desempenhando funções ou ocupando cargos iguais aos deles. Mulheres que, mesmo após a criação de uma lei específica de proteção a elas, continuam sendo maltratadas, agredidas, violentadas, vilipendiadas e mortas, por alguns “machões”.
Talvez o fato de eu ter quatro filhas, facilite este meu posicionamento, mas, todo homem é gerado no ventre de uma mulher e a maioria deles cresceu sob o olhar vigilante, o colo aconchegante e o amor incondicional de uma mulher, o que por si só já é motivo de sobra para querer que elas sejam amadas, respeitadas, valorizadas e felizes.
Propiciar meios para que a mulher seja feliz na vida, que encontre o seu lugar no mundo e seja reconhecida por isso, significa que elas devem ser educadas para que possam decidir os caminhos profissionais que seguirão, as atividades que vão exercer, os comportamentos que vão adotar, sempre com dignidade, responsabilidade e honestidade.
Minhas filhas, desde pequenas, sempre andaram bonitas, cheirosas e bem arrumadas. Todas sempre ajudaram nas atividades domésticas, mas sempre me viram também ajudando, dividindo as tarefas, para saberem que, em casa, não existe o “papel do homem” e o “papel da mulher”. Existem atividades necessárias que devem ser igualmente compartilhadas por todos que moram na casa, sem qualquer distinção de gênero. Todas foram educadas para o trabalho, para a importância da aquisição de conhecimento e para a independência. Sempre lhes disse que elas não deveriam, jamais, se submeterem ao julgo masculino por conta de dependência financeira ou qualquer outro tipo de “poder” que alguns homens costumam exercer. Também foram criadas para a vida em família, para o respeito ao outro, para serem mães ou não, para se casarem ou não, mas principalmente, foram criadas para só fazerem aquilo que as deixassem felizes e para lutarem sempre pelos seus direitos. Elas sempre tiveram em mim um guerreiro pronto para uma batalha, ao lado delas, seja em que fronte fosse.
Temos, ainda, um longo caminho a percorrer, pois não basta apenas criarmos nossas meninas mais preparadas para o mundo, mas, também, é preciso criarmos nossos meninos para que enxerguem nelas seres humanos iguais a eles, com os mesmos direitos e deveres. Talvez, nesse quesito, muitos de nós, incluindo muitas mulheres, estejamos cometendo erros, alguns imperceptíveis, mas que transmitem mensagens muito significativas, tanto para nossas meninas, quanto para nossos meninos. Não podemos esquecer, que de início, tudo se aprende em casa, na forma como discriminamos, de maneira quase natural, nossos meninos e nossas meninas, em função do gênero.
Meninas vestem rosa, mas podem, se quiserem, vestir azul, verde, amarelo, laranja, ou qualquer outra cor existente. Meninas devem ajudar nas tarefas da casa, assim como os meninos, pois todos habitam o mesmo espaço. Todos devem receber a mesma educação, devem ser preparados para serem boas pessoas, bons cidadãos. Respeitados e reconhecidos em sua integral identidade humana, em sua infinita diversidade existencial e em sua plenitude espiritual!
Se quisermos que as mulheres da nossa vida – mães, esposas, filhas, sobrinhas, amigas, cunhadas etc. -, sejam verdadeiramente felizes, teremos de passar pelo entendimento de que o empoderamento da mulher é assunto para todos nós.
- Eugênio Maria Gomes é escritor e funcionário da Funec.