PC disseca esquema de organização criminosa que atuava na prefeitura de Caratinga
CARATINGA – O termo “siga o dinheiro” é uma expressão popular usada para sugerir que, para entender ou desvendar um problema, investigação ou situação, é necessário rastrear os fluxos financeiros envolvidos. O caso mais notório é o escândalo de Watergate, que ocorreu nos Estados Unidos na década de 1970. Ele foi popularizado por um dos jornalistas do Washington Post, Bob Woodward, durante a investigação sobre o roubo de documentos do Comitê Nacional Democrata na sede do Watergate Hotel. E a Polícia Civil “seguiu o dinheiro” e assim pôde dissecar esquema de organização criminosa que atuava na prefeitura e Caratinga. Após minuciosa investigação, a PC, por meio da 2ª Delegacia Regional de Caratinga, deflagrou nesta segunda-feira (24) a operação denominada “Forasteiros”.
A OPERAÇÃO
O nome da operação faz referência à nomeações de integrantes de uma organização criminosa estranhas ao município de Caratinga que assumiram cargos de primeiro escalão na prefeitura de Caratinga com único objetivo de praticar crimes.
Foram cumpridos 17 mandados de busca e apreensão e cinco mandados de prisão temporária nos municípios de Caratinga, Ubaporanga, Ipatinga, Santana do Paraíso, Belo Horizonte, Mateus Leme, Betim e Juatuba.
A operação contou com a participação de 77 policiais civis das delegacias de Caratinga, Inhapim, Ipanema, Ipatinga e Belo Horizonte (DHPP e DEOESP).
O objetivo da operação foi desarticular uma organização criminosa que se instalou na Prefeitura de Caratinga e por meio de fraudes licitatórias, desviavam dinheiro do erário para beneficiar os integrantes da organização.
ENTENDA O CASO
A investigação apontou que o líder da organização criminosa teve livre acesso a setores estratégicos da administração municipal, direcionando contratações para beneficiar grupos específicos.
O líder da organização foi nomeado inicialmente para integrar a equipe de transição do governo municipal e no início do governo como assessor executivo do município, tendo indicado os demais integrantes da organização criminosa para ocupar cargos do primeiro escalão na estrutura administrativa do Município de Caratinga.
O líder da organização já havia trabalhado com os demais integrantes da organização criminosa no Município de Maricá, os quais foram nomeados como secretários de diversas pastas do município de Caratinga para dar continuidade às atividades criminosas.
A título de exemplo, umas das integrantes da organização recebia em Maricá/RJ o valor de R$ 16.492,38, mas aceitou trabalhar no município de Caratinga para receber menos da metade do valor, isto é, R$ 7.991,10.
Com os integrantes da organização criminosa nomeados para cargos comissionados do município de Caratinga, rapidamente eles deram início às atividades ilícitas.
Os dois primeiros grandes contratos fraudulentos assinados pela Prefeitura são:
-Contrato com a OSCIP Universo Ação e Desenvolvimento: R$ 17.969.710,00 (dezessete milhões novecentos e sessenta e nove mil setecentos e dez reais)
-Contrato emergencial com a Cootranspar Cooperativa de Transporte Paraíso: R$ 20.547.180,00 (vinte milhões quinhentos e quarenta e sete mil cento e oitenta reais)
Ambos os contratos teriam sido direcionados para pessoas jurídicas previamente escolhidas com o objetivo de desviar recursos públicos.
Irregularidades no Concurso de Projetos nº 001/2025
O processo licitatório 001/2025, que resultou na contratação da OSCIP Universo Ação e Desenvolvimento, foi estruturado de forma fraudulenta.
O processo deveria ter sido realizado por pregão ou concorrência pública, mas foi conduzido como concurso de projetos, inadequado para esse tipo de contratação, visando facilitar a fraude.
Das três OSCIPs que participaram do certame — Eixo Social de Inovações e Parcerias, Universo Ação e Desenvolvimento e Companhia Alma Dell’Art — as duas primeiras eram controladas pelo mesmo grupo familiar, eliminando qualquer caráter competitivo da licitação, tendo sido a terceira inabilitada no certame por não ter apresentado a documentação exigida.
Os relatórios do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) indicaram movimentações financeiras atípicas entre as pessoas jurídicas envolvidas e seus gestores.
Alguns pontos críticos incluem:
A presidente da Universo Ação e Desenvolvimento, empresa vencedora, recebeu R$ 425.991,98 da OSCIP concorrente, Eixo Social de Inovações e Parcerias.
Integrantes da organização criminosa Eixo Social de Inovações e Parcerias, movimentaram R$ 759.308,68 oriundos das OSCIPs citadas.
A presidente da Universo Ação e Desenvolvimento, declarou como endereço comercial a sede da concorrente Eixo Social de Inovações e Parcerias, evidenciando que as duas associações pertencem ao mesmo grupo.
Os gestores das OSCIPs Eixo Social de Inovações e Parcerias e Universo Ação e Desenvolvimento, possuem grau de parentesco, demonstrando que na verdade as OSCIPs pertencem ao mesmo grupo familiar.
A presidente da Eixo Social de Inovações e Parcerias é casada com o representante da Universo Ação e Desenvolvimento no Concurso de Projetos 001/2025, sendo ele filho da diretora da Eixo Social de Inovações e Parcerias) e do Conselheiro Fiscal da Eixo Social deInovações e Parcerias), concorreu no certame.
As mesmas OSCIPs possuem contratos nos municípios de Ouro Preto e Santa Luzia, o que demonstra a ampla atuação da organização criminosa em diversos municípios.
Ou seja, restou apontado a prática criminosa, fraudando o caráter competitivo previsto na lei de licitações por meio das transferências de vultuosos valores entre as OSCIPs Eixo Social de Inovações e Parcerias, Universo Ação e Desenvolvimento, por serem comandadas pelo mesmo núcleo familiar.
Contratação Fraudulenta da Cootranspar Cooperativa de Transporte Paraíso
Outro ponto crítico da investigação foi a contratação emergencial da cooperativa Cootranspar para o serviço de transporte escolar. O contrato, que inicialmente previa um valor global de R$ 1.712.265,00, foi posteriormente corrigido para R$ 20.547.180,00.
O contrato foi antecedido da dispensa emergencial nº 01/2025, na qual o município de Caratinga, por meio de uma secretária municipal, integrante da organização criminosa, declarou, fraudulentamente, situação emergencial que impossibilitou a realização de certame.
A Polícia Civil identificou que o líder da organização criminosa, nomeado como assessor do executivo, embora não fosse oficialmente cooperado ou administrador da Cootranspar, empresa contratada, possuía uma procuração lhe concedendo poderes amplos sobre a cooperativa, incluindo movimentação financeira.
Essa procuração foi lavrada durante o período eleitoral, indicando um acordo prévio para garantir o contrato após a posse do novo grupo político.
A cooperativa Cootransmundi, administrada pelo líder da organização criminosa, e envolvida em fraudes anteriores, serviu de modelo para a fraude na Cootranspar, repetindo o esquema criminoso.
No dia 17/10/2024, poucos dias após o resultado das eleições de 2024, o investigado, por meio da procuração, abriu uma conta bancária da Cootranspar em agência bancária no município de Caratinga/MG, como ato preparatório para o recebimento após a contratação.
“Em razão dos graves crimes praticados, foi deflagrada a operação “Forasteiros”, demonstrando o compromisso da Polícia Civil no combate ao crime organizado, que acaba por gerar grande prejuízo aos munícipes. Com as prisões e arrecadação de elementos informativos resultantes dos mandados de busca e apreensão, a Polícia Civil aprofundará a investigação, a qual continua visando extirpar completamente a organização criminosa instalada no município de Caratinga”, informou a PC.
DEFESA DOS INVESTIGADOS PRESOS EM CARATINGA
A reportagem entrou em contato com os advogados dos investigados Alverina Mariana, secretária de Educação; e do ex-assessor do governo, Flávio Araújo Pacheco da Silveira.
Adriano Elias Rodrigues, advogado da secretária Vera, disse através de contato por telefone celular que está aguardando ter acesso ao processo por inteiro, além do teor da documentação apreendida na operação Forasteiros. O advogado informou que sua cliente segue no presídio de Timóteo e aguarda a audiência de custódia que tem o prazo de 24h da prisão para acontecer, para assim tentar a liberdade de Vera, que ele afirma não fazer parte da organização criminosa.
Já o advogado de Flávio, Ranulfo Moreira Cunha Filho, não atendeu a ligação da reportagem.
- Parte do dinheiro apreendido com os investigados
- Equipe da PC que dissecou o esquema
- Equipe da PC que cumpriu mandados em Caratinga