Sim, a BR 116 é de fazer vergonha na maior parte de seu percurso, Brasil afora. Mas, especialmente por onde cruza o perímetro urbano da cidade de Caratinga, em Minas Gerais, é de fazer chorar. Aliás, ela tem feito muita gente chorar pela perda de pessoas queridas, vitimadas pela sua absoluta falta de condições mínimas de segurança para os que ousam atravessá-la, motorizados ou não.
Alguns “defensores” de seu status quo (e não é que ainda existe alguém que defenda a danada!) costumam dizer coisas do tipo:
1 – “Ora, existe um viaduto no perímetro urbano. Basta que as pessoas o utilizem para atravessar a BR…”.
É verdade, existe o tal viaduto. Acontece que ele se encontra em um ponto que dista, até, 2 km, nos dois sentidos, de boa parte da população que precisa atravessar a rodovia. Sem falar que, para utilizá-lo, o motorista tem de enfrentar o pesado trânsito do centro da cidade, congestionado que está na maior parte do tempo.
2 – “As pessoas precisam ser educadas quanto à travessia da BR. Os acidentes ocorrem por falta de cuidado dos motoristas e dos pedestres que a atravessam”.
Ora, é muito fácil colocar a responsabilidade apenas em quem se arrisca a atravessá-la. Principalmente os idosos, portadores de deficiência e crianças. Entendo… É mais ou menos assim: quem mandou ficar velho e ter dificuldade para andar? Quem mandou sair de casa sem o acompanhamento de um adulto? Quem mandou não ter um veículo para se locomover? Impressionante como é confortável transferir a culpa para a parte mais frágil desse embate!
3 – “Passarela pra que? As pessoas não usam passarelas. Todo mundo sabe que onde elas existem, o pedestre passa por baixo dela”.
Tá. Mas, as pessoas têm o direito de escolher uma via mais segura ao atravessá-la. Não faz sentido elas não terem qualquer outra opção a não ser se arriscarem nessa travessia macabra dessa nossa vergonhosa BR. A infraestrutura precisa ser colocada onde precisa estar. Somos pagadores de impostos. PAGADORES DE IMPOSTOS! E a presidente está querendo aumentá-los ainda mais. O dinheiro que paga o salário dela e de todos os funcionários públicos é nosso. Isso mesmo, não existe dinheiro público, existe dinheiro retirado do meu, do seu, do nosso salário. Cada centavo de imposto que pagamos nos faz abrir mão de alguma coisa. O que é público é o servidor, o dinheiro não!
Tenho acompanhado o grito quase solitário do João do Táxi, do Psicólogo Caio César – coordenador do curso de Segurança no Trânsito da Unec – e de outros poucos incomodados com essa vergonha que é o perímetro urbano da nossa BR. Mas, tenho ouvido muito, muitos gritos de dor, de dezenas de famílias que perderam seus filhos, seus entes queridos em trágicos acidentes nesta BR.
A cada vez que tento atravessá-la, de carro, sem ser pelo viaduto (e não me venha falar sobre este viaduto, porque não dá para sair do Posto São Rafael, do Bairro Limoeiro, da Rua da Piedade ou do Bairro Zacarias para procurar viaduto não!) me sinto menos cidadão. Aliás, este governo inovou tanto em fazer coisa errada que inovou também no conceito de cidadania. Sim, é verdade que as pessoas ganharam mais dinheiro, tiveram acesso a bens de consumo que não tinham antes. Porém, isto não é cidadania, isto é aumento do poder de compra. Cidadania acontece quando todos, indiscriminadamente, têm acesso à saúde, à educação, à moradia, ao transporte… Dignos!
Cidadania acontece quando eu posso – se quiser – atravessar uma rodovia, de carro ou a pé, em condições de segurança!
A morte de tantas pessoas no perímetro urbano de Caratinga, pela falta de semáforos, de trincheiras, elevados, rotatórias ou de simples passarelas, há de pesar na minha, na sua, na nossa consciência. Não podemos continuar nessa omissão toda, com a bunda na cadeira, vendo a vida passar e, às vezes, não chegar ao outro lado, sem fazermos nada.
Será que teremos de parar a BR da mesma forma que fizeram tantas cidades cortadas por ela (e só assim conseguiram condições mínimas de segurança!) para recebermos o mínimo de respeito?
Uma rodovia, uma estrada, uma rua, um viaduto, uma passarela. O que todos têm em comum? Todos foram construídos para UNIR dois pontos. Mas o que acontece com a nossa BR? Ela não está unindo dois pontos, apenas. Ela está desunindo famílias!A falta de bom senso e de razoabilidade em relação à segurança está desunindo famílias, que perdem seus filhos, seus pais, quase que cotidianamente.
A estrada foi feita para unir, a estrada não pode separar…
*Eugênio Maria Gomes é escritor, professor e pró-reitor de Administração do Centro Universitário de Caratinga. Membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni. Grande Secretário de Educação e Cultura do Grande Oriente do Brasil – Minas Gerais