* Gabriella Coelho Motta Pizzani
Segundo o dicionário Aurélio (2016), o termo deficiência significa imperfeição, falta, lacuna. Diante da abrangência desse conceito podemos considerar que todos nós, seres humanos, somos dotados de algum tipo de deficiência, seja física, intelectual, ou até mesmo emocional. Existem aqueles que não podem ouvir, outros enxergar, assim como tem pessoas que não são capazes de andar de bicicleta ou nadar. Algumas deficiências mais prejudiciais, outras menos, sendo que essa avaliação vai depender do ponto de vista de quem analisa e seus respectivos pré-conceitos.
Existe uma resistência muito grande da comunidade surda em ser chamada de deficientes auditivos, e isso se justifica por dois motivos. Primeiro porque os surdos, apesar de reconhecerem que são privados da audição, lutam há anos, e de forma incessante, para serem reconhecidos socialmente como indivíduos capazes intelectualmente, haja vista que a surdez está erroneamente associada a deficiências intelectuais por comprometer o desenvolvimento natural de uma linguagem oral. Mas o que precisamos considerar é que, apesar da limitação em desenvolver uma língua oral, os surdos possuem uma língua natural, de modalidade espaço-visual, tão complexa e capaz de expressar conceitos abstratos quanto às línguas orais espalhadas por todo o mundo. Enfim, ao serem chamados de deficientes auditivos, fica ressaltado à sociedade àquilo que eles têm de inferior em relação aos demais, contribuindo para reforçar o mito social acerca da incapacidade dos indivíduos surdos.
O segundo motivo da resistência da comunidade surda em relação ao termo deficiente auditivo está na visão sócio-antropológica acerca da surdez. Essa visão é oriunda da maioria dos surdos que nascem surdos e, portanto, nunca tiveram uma experiência com a audição. Sendo assim, ao ver e analisar uma pessoa ouvinte não consegue identificar deficiências, faltas, em relação aos mesmos, pois a audição é um sentido invisível, portanto, imperceptível ao surdo. O mesmo percebe apenas diferenças linguísticas e culturais, não se considerando deficiente, mas, sim, diferente, já que a surdez para este é apenas uma característica que o define enquanto pertencente a um grupo social, como ser negro, alto, indígena, entre outros.
Pensando bem, geralmente não somos conhecidos pela sociedade por aquilo que nos falta, pelo contrário, socialmente as pessoas nos apresentam por nossas características boas, nossas habilidades, costumes, profissões, grupos sociais aos quais pertencemos etc. E, mediante essa cultura social que nos permeia, os surdos querem ser identificados socialmente por suas capacidades intelectuais e habilidades, que não são diferentes das dos ouvintes, por sua língua, a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) que hoje é regulamentada em nosso país e por sua força política, que pode ser experimentada através das inúmeras conquistas legais presentes nas mais diversas esferas sociais: Na educação, através da disciplina LIBRAS, presente nos cursos de nível superior, assim como por meio da criação dos cursos de Letras/LIBRAS e da presença do intérprete de LIBRAS em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino; na área da saúde, através da orientação às famílias acerca da importância da LIBRAS e das peculiaridades da surdez; nas empresas concessionárias de serviços públicos com a capacitação de pessoas para atendimento do surdo em sua língua natural, a LIBRAS.
Ser deficiente para a comunidade surda é um retrocesso. Seria como supervalorizar um pequeno detalhe que os diferencia dos demais, mas que, ao mesmo tempo os iguala a uma pequena minoria que, através da identificação linguística e cultural, se unem e se fortalecem em prol de objetivos comuns que os fazem ter orgulho de serem diferentes, ou seja, SURDOS!
*Gabriella Coelho Motta Pizzani é tradutora e intérprete de LIBRAS/Português e professora da disciplina LIBRAS em todos os cursos de graduação oferecidos pelo UNEC- Centro Universitário de Caratinga.
-Mais informações sobre autor: http://lattes.cnpq.br/0969249139229201