Semana do Consumidor?

21“E o grande drama é que o consumista nunca é feliz, pois desvaloriza o que tem para sofrer com o que ainda não tem”, Içami Tiba

Na segunda-feira (14) minha caixa de e-mail estava recheada de mensagens me avisando das promoções da Semana do Consumidor. Eu sequer sabia que existia o dia do consumidor, muito menos uma semana inteira dedicada a essa prática de manipulação. Mas o marketing sabe tão bem quanto eu que as pessoas andam por aí cheias de demandas reprimidas loucas para sucumbir aos seus desejos internalizados fazendo delas presas fáceis.  Assim, o dia 15 de março, que na verdade é o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, se tornou mais uma promoção de vendas atrás de suas vítimas.

Mas porque consumimos tanto? Ao longo do nosso crescimento vamos sofrendo vários impedimentos ou facilidades para realizarmos nossas vontades e ambas essas opções, quando não equilibradas, fazem de nós os ávidos consumidores que somos. Temos sempre um pai, uma mãe, avós ou até irmãos mais velhos ao nosso lado nos dizendo ‘não’. Não toque isso. Não coloca isso na boca. Não mexa aí. Nunca falha, sempre existe alguém. E quando dizemos que queremos as coisas na rua? Não, você come em casa; não tenho dinheiro para isso; no seu aniversário eu te dou e assim por diante. Temos ainda o outro tipo de criação com a soberania do ‘sim’. Com a realização desenfreada de todas as nossas vontades. Ela também tem impacto em nossa necessidade de consumo na vida adulta através da contínua realização dos nossos desejos e frustrações.

Crescemos planejando comprar essas coisas quando nos tornarmos adultos. Não vemos a hora de ter o nosso próprio dinheiro para comprar o que quisermos. Muitos criam a partir daí suas primeiras ambições a respeito da busca pelo dinheiro e também a busca pelo poder. O poder de decidir o que fazer com o seu dinheiro e com a sua própria vida.

Vamos associando sentimentos e pensamentos ruins a respeito desses impedimentos que são sentidos com dor e frustração. E cada ser humano tem um limite próprio acerca da sua capacidade de aceitar e absorver a frustração. Quando atingimos esse limite a vontade é de se jogar no chão, espernear e chorar até sermos atendidos em nossas vontades. Vemos na maioria dos bares crianças crescidas esperneando suas frustrações nas bebidas. Vemos nos restaurantes e principalmente nos rodízios várias crianças crescidas satisfazendo sua liberdade dos limites. E vemos ainda nas lojas e shoppings crianças com cartões de crédito empurrando suas frustrações para dentro de sacolas de compras embaladas com a pseudo justificativa da necessidade.

Acontece que nem sempre somos ensinados a pensar nos efeitos dos nossos pedidos e no lugar de uma explicação recebemos apenas o já citado ‘não’. Não somos ensinados a entender uma negativa, somos cobrados a entender sozinhos. Não obtemos uma justificativa para não termos o que estamos pedindo ou então recebemos justificativas que não estão alinhadas com a nossa capacidade de compreensão. A criança não compreende as coisas com a clareza que nós compreendemos. O fato de termos dito a elas e ainda que elas tenham repetido o que dissemos, não quer dizer que elas tenham entendido o significado do que foi dito e as consequências disso. E com essa falha na comunicação seguimos colecionando nossas frustações e traçando nossos planos futuros. Planos esses que irão deixar de ser conscientes para tornarem inconscientes ao crescermos. As lembranças desses episódios irão se esconder de nós no futuro. Mas o desejo gerado pela aquisição não se perderá tão fácil pelo caminho sendo preciso algumas vezes que passemos pelo acompanhamento psicológico para conseguirmos nos livrar desse hábito viciado do consumo.

Queremos a felicidade, mas estamos procurando obtê-la nas realizações erradas. Associamos a felicidade à pose desses itens de desejo ou mesmo ao ato de realização das nossas vontades. Sentindo-nos vitoriosos e também vingados ao alcançar nosso objetivo. Se a questão encerrasse na primeira vez que compramos uma coisa pensando em algo que nos foi privado anteriormente estaria tudo bem, mas não, no dia seguinte ou horas depois e as vezes até minutos depois lá estamos nós iguais a zumbis, verdadeiros mortos vivos realizando nossos desejos roboticamente. Até quem sabe um dia nossos desejos inconscientes se deem por satisfeitos nos alforriando dessa prisão infantil ou quem sabe migrem para outros objetivos, dessa vez amadurecidos e equilibrados coerentes com a idade em que eles estão sendo criados.

É preciso olhar para dentro e refletir para reconhecer as nossas reais necessidades e diferencia-las de desejos internalizados. O custo de realizar o que queremos a todo instante é que vamos lentamente perdendo a capacidade de reconhecer o que de fato precisamos. Considere a possibilidade de que você esteja consumindo coisas que não precisa para satisfazer alguma necessidade que não precisa ser atendida. Simplesmente pare!

 

 

 

 

Luciana Azevedo Damasceno – Neuropisicóloga e Terapeuta Cognitivo-Comportamental formada pela PUC Rio. Elogios, dúvidas e sugestões: [email protected]

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