*Walter Zavatário
Quase todos os filósofos gregos consideravam o amor como um princípio que governa a união dos elementos naturais e como princípio de relação entre os seres humanos. Sócrates dizia que o amor era a única coisa que podia entender e falar, com conhecimento de causa; e Platão afirma que o amor é um desejo do ser amado, desejo de posse do objeto, da pessoa, da idéia que se ama. Platão comparava o amor a uma caçada, também referindo-se ao ato de conhecer, e distinguia três tipos de amor: o amor terreno, do corpo; o amor da alma, celestial, que leva ao conhecimento e o produz; e outro que é a mistura dos dois. Em Platão, o amor é o desejo por algo que não se possui. Plutarco dizia que “o amor é a aspiração daquilo que carece de forma (ou só a tem minimamente) às formas puras e, em última instância, à Forma Pura do Bem”. Plotino trata do amor da alma à inteligência; Porfírio afirma que o amor se resume nos quatro princípios de Deus: a fé, a verdade, o amor, e a esperança. No pensamento neoplatônico, o conceito de amor tem um significado fundamentalmente metafísico ou metafísico-religioso.
O Apóstolo Paulo assim se expressou: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine”. Jerônimo, na Vulgata Latina, usou o termo “caritas” para traduzir a palavra “amor”, porque sabia muito bem da inconveniência do termo latino “amore”, que não traduz bem o sentido profundo da palavra. Daí aparecer a palavra “caridade”, em algumas versões em português. O termo grego “agape” não era usado antes do Novo Testamento, mas os cristãos se apossaram dele, para significar “amor”.Tratava-se de uma palavra nova, para uma idéia nova. Enquanto que o melhor conceito de amor no Antigo Testamento era o amor pelo melhor ser que se conhece, os cristãos começaram a pensar no amor como aquela qualidade demonstrada na cruz. É amor pelos totalmente indignos, amor que procede de um Deus que é amor. Amor oferecido a outros, sem que se pense se eles são dignos de recebê-lo ou não. Provém antes da natureza daquele que ama, que de qualquer mérito do ser amado e a atitude para com ele é de amor, do “agape” que o leva a dar-se. E assim vem a praticar o amor que nada busca para si, mas somente o bem da pessoa amada. Aliás, Paulo aborda uma possibilidade hipotética, quando diz: “ainda que” e “se”. Isto quer dizer que língua nenhuma, da terra ou do céu, é comparável à prática do amor. É muito fácil ficar fascinado por um discurso eloquente, ficar hipnotizado pela magia das palavras e passar por alto aquilo que realmente importa.
O homem que se deixa levar pelo falar, antes que pelo fazer, vem a ser nada mais que um mero som. Paulo escolhe o som do gongo ou do címbalo para a sua ilustração, o que era bem conhecido em Corinto, pelo seu frequente uso feito pelos devotos de Dionísio ou Cibele. Os gongos e os címbalos eram dependurados nos templos e usados nas procissões. Falava-se, na época de Platão, dos oradores superficiais – “os gongos”. Assim, a melhor linguagem do céu e da terra, sem amor, é apenas barulho. Sem amor é oco e vazio.
Michel Quoist nos diz que “amar, em essência, é dar-se a alguém e aos outros. Se você se dá aos outros, eles o enriquecerão, pois o amor faz crescer até o infinito aquele que ama, e quem aceita desprender-se de si mesmo, descobre todos os outros e se une à humanidade inteira”. Assim, é importante atentarmos para o fato de que o falso amor, o egoísmo, o amor próprio, sempre trazem consigo a decepção, a frustração, pois eles são fracasso, envelhecimento e morte. Mas, o verdadeiro amor provoca sempre alegria, porque é crescimento, realização e dom de vida.
Portanto, amar é viver, é perdoar, é encobrir com os véus da bondade e da tolerância tudo quanto nos entristeça ou contrarie. E nós amamos, porque Deus nos amou primeiro. É como disse o Apóstolo Pedro:“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso, o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece, não trata com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta!” Em seguida, o Apóstolo Paulo diz que mesmo tendo misericórdia e dedicação, ou seja, distribuindo os bens e queimando o próprio corpo, mas se não tiver amor, nada disso se aproveitará. Queimar-se representa a pior coisa que pode acontecer ao corpo, mas se falta o amor, tudo será em vão. E completa: “Se não tiver amor, nada serei”.
Depois desses aspectos negativos, o Apóstolo volta-se para o positivo, dizendo que os mais altos dons, sem o amor, não valem absolutamente nada. Passa, então, a descrever as virtudes do verdadeiro amor: tem paciência com as pessoas (paciente); reage com bondade aos que o maltratam (benigno); não se aborrece com o sucesso dos outros (não inveja, não arde em ciúmes); não é cheio de vento, enfatuado (não se ufana); não tem sentimento de orgulho (não se ensoberbece); evita os inconvenientes; não procura os seus próprios interesses. O amor é a antítese do egoísmo (não se conduz inconvenientemente); não é melindroso, não é predisposto a ofender-se (não se exaspera); o amor está sempre pronto para pensar o melhor. O amor não leva em conta o mal. O amor não abriga qualquer sentimento de ofensa (não pensa mal); o amor não se alegra com a injustiça, com o mal.
Somente o amor encobre o ódio e aquela falsa concepção que, muitas vezes, fazemos dos outros. Somente o amor lança fora o fogo ardente do ciúme e da inveja que queima e consome a beleza do caráter, e que tem destruído muitos relacionamentos, ao longo da história da humanidade. E, para apagar essas chamas devoradoras que existem dentro de nós, e que destroem a pureza do coração, precisamos nos abastecer e nos encher desse amor puro e verdadeiro que emana de Deus. Pois, amar é viver, é perdoar, é encobrir com os véus da bondade e da tolerância tudo quanto nos entristeça ou contrarie, promovendo-se, assim, a verdadeira paz mundial.
Ai de mim, se não tiver amor
Nada de mim se aproveitará,
Se na vida eu não tiver amor.
Tudo, certamente, passará
E a vida perderá seu valor.
Toda a felicidade e o calor
Do meu coração terão partido.
Ai de mim, se não tiver amor!
Minha vida não terá sentido.
Nenhuma riqueza do mundo
Poderá o meu amor comprar.
Porque Deus, no seu amor profundo,
Criou-me assim e me fez te amar.
Zavatário,Walter, “O Amor em Quatro Tempos”, p. 69, FUNEC Editora, 2008)
*Mestre em Educação e Linguagem; Professor de Língua Inglesa e Literaturas Inglesa e Norte-Americana, no Centro Universitário de Caratinga-MG (UNEC). Escritor, autor de 5 livros de poesias e 1 infanto-juvenil; Membro Correspondente da Academia de Letras de Taguatinga -ALT, D.F., onde ocupa a cadeira Nº 28, patronada por Érico Veríssimo.
Mais informações sobre autor: Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1972871147875319