Após um período de isolamento social, algumas pessoas podem ter dificuldades em se adaptar ao ‘novo normal’. Psicóloga Isabella Gomes explica como fazer essa readaptação
CARATINGA – A pandemia do coronavírus mexeu com o comportamento das pessoas. Muitas ignoraram a covid-19, outras tantas ficaram receosas e se isolaram. Mas aos poucos a vida vai voltando ao normal, ao ‘novo normal’. Porém, para determinadas pessoas existe o medo de se readaptar ao ‘normal’. A chamada ‘Síndrome da Reentrada’.
Essa situação é estudada em todo o mundo. Na Espanha é chamada de “Síndrome de la Cabaña” (Síndrome da Cabana). Os franceses preferem a “Syndrome de l’Escargot” (Síndrome do Caracol). No Brasil é classificada como ‘Síndrome da Reentrada’, conceito criado no início nos anos 1960, embora estudado anteriormente, nó início do século passado. Dois psicólogos americanos, John e Jeanne Gullahorn, observaram que, após longos períodos de viagem, aqueles que voltavam para casa passavam por altos e baixos emocionais, se reajustando ao que antes era familiar.
Para falar sobre essa síndrome, o DIÁRIO entrevistou a psicóloga Isabella Gomes. Ela explica que, “não é uma doença ou transtorno mental. No entanto, por não ser um distúrbio psicológico reconhecido, não significa que os sentimentos não sejam reais e que não devemos ficar atentos”.
Sabemos que o isolamento social e a própria pandemia podem nos afetar emocionalmente. Com a flexibilização das atividades econômicas, as pessoas têm falado muito sobre o termo Síndrome da Reentrada. Poderia nos explicar o que seria essa Síndrome?
A Síndrome da Reentrada também é muito conhecida como Síndrome da Cabana e diz respeito a um termo mais antigo e que estamos ressignificando nesse momento de pandemia. Essa síndrome teve seus primeiros relatos nos Estados Unidos por volta de 1900, referindo-se a caçadores que em períodos de inverno rigoroso ficavam isolados em suas cabanas. E, no retorno à vida social, eles sentiam dificuldade em estabelecer uma reconexão com as pessoas. De fato, é algo que estamos observando em algumas pessoas que apresentam sentimentos de angústia e receio diante da ideia de sair às ruas e retomar contatos, após vários dias ou meses de distanciamento social devido ao coronavírus. Elas não se sentem mais seguras fora do seu lar, porém muitas precisam voltar à rotina ou necessitam sair por algum motivo e mesmo protegidas, podem sentir dificuldade nesse enfrentamento.
Quais sintomas indicam que a pessoa está com a Síndrome da Reentrada?
A Síndrome da Reentrada ou Cabana, não é uma doença ou transtorno mental. No entanto, por não ser um distúrbio psicológico reconhecido, não significa que os sentimentos não sejam reais e que não devemos ficar atentos. Nesse momento, o medo e a ansiedade são respostas absolutamente normais a uma situação de completa incerteza. Diz respeito a uma reação natural do corpo, baseada em mudanças bruscas de comportamento que obriga a pessoa a sair de sua zona de conforto e se adequar à uma nova realidade. A situação se torna ainda mais delicada quando nos deparamos com a ausência de medidas governamentais que garantam uma segurança maior e também a inexistência de uma vacina contra o novo vírus.
O medo diante de uma ameaça é adaptativo e de certa forma pode nos protege. É esse medo de se contaminar e/ou contaminar pessoas queridas, que faz com que você higienize suas mãos, que use máscara, que mantenha o distanciamento físico das outras pessoas evitando aglomerações e outras medidas. Mas, quando esse medo deixa de ser um medo que remete à ideia de cuidar com responsabilidade e passa a ser um medo referente a uma fuga, uma esquiva, um distanciamento exagerado, uma paralisação, pode ser um problema.
As pessoas lidam com a quantidade de mudanças, de riscos, de perdas… de maneiras diferentes. Por isso, é importante ressaltar que cada pessoa vai responder de maneira individual à imposição do “novo normal”. Algumas pessoas que vivem essa angústia e estão em isolamento mais intenso, podem apresentar, por exemplo, problemas de sono, alterações de apetite, diminuição da concentração, agitação, além de sintomas físicos, como taquicardia, sudorese, falta de ar e tonturas. Assim, podem até desenvolver características de outros quadros, como transtorno de ansiedade, transtorno do pânico, um quadro depressivo.
Alguns estudos apontam que pessoas que apresentam níveis de depressão e ansiedade mais elevados apresentam mais chances de sentir dificuldade em voltar às atividades na medida em que iniciem a flexibilização do distanciamento. Esse comportamento tem sido mais frequente entre jovens adultos que vivem em áreas urbanas, pessoas que vivem sozinhas, além de pessoas que já conviviam com algum problema de saúde mental.
Quando precisamos buscar ajuda?
Precisamos de ajuda quando percebermos que, mesmo fazendo vários movimentos e tentativas de retorno às atividades, nos depararmos com uma ansiedade exagerada, com sintomas físicos, que não desaparecem e duram muito tempo. Ou até quando esses sentimentos chegam a nos impedir de sair para comprar algo bastante necessário ou de sair para trabalhar… ou ainda, se algumas pessoas pedem demissão por não querer ir para o emprego, ou se rompem todos os laços sociais, podem ser sinais que estamos diante de algo mais grave. É a isso que devemos ficar atentos, quando “passa do ponto” e nos impede de manter relacionamentos e formas de atividades produtivas, é nesse sentido que realmente temos uma situação que precisa de algum cuidado e acolhimento. Talvez seja o momento de realmente procurar uma ajuda profissional.
Alguns comportamentos chamaram a atenção nessa pandemia. Dentre eles os casos de isolamento, onde pessoas simplesmente se afastaram de tudo e de todos. Agora, como será para sair dessa ‘zona de conforto’? Quais as dicas para pessoa ‘voltar’ à vida que tinha antes da pandemia?
Nesse contexto de pandemia, o distanciamento social ainda é a principal orientação contra o coronavírus, mas já estamos em processos consolidados de retomada das atividades. A questão é que com as medidas de isolamento, o nosso cérebro se acostumou a uma certa rotina e aprendeu que ficar em casa é a melhor possibilidade de proteção e segurança em relação ao novo vírus. Diante disso, as pessoas tem demonstrado outra forma de lidar com a angústia de retomar suas atividades, com discursos como “Ah… vou ficar quietinho em casa mesmo. Aqui tenho certeza que tudo está organizado e bem limpo, desinfetado, higienizei tudo”.
Sair dessa zona de conforto, realmente não é fácil. Esse é um momento em que todos estamos aprendendo a lidar com algo tão novo, incerto e fora do que pensamos que poderia acontecer. Uma dica muito importante é entender que não estamos no controle dessa situação e aceitar que podemos fazer a nossa parte ao usar equipamentos de proteção individual, ao nos higienizar, ao manter uma distância adequada. É importante também lembrar que é normal apresentar medo e ansiedade, então:
– Respeite seu tempo. Faça as coisas no seu tempo, seja gentil consigo e priorize sua saúde mental.
– Comece devagar, mas comece. Tente raciocinar o que vai se importante retomar, o que é prioridade.
– Não desista. Comece aos poucos. O primeiro passo pode ser dar uma volta rápida no quarteirão de carro ou colocar o lixo para fora.
– Para lidar com tantas restrições e sentimentos em meio ao cotidiano da pandemia é importante estabelecer uma rotina para que possamos manter hábitos saudáveis e também de autocuidado.
– Busque ajuda profissional se você sentir que isso está afetando sua vida de forma negativa.
Enfim, o distanciamento não precisa ser social e sim um distanciamento físico. Podemos manter contato com as pessoas, através de redes sociais, telefonemas, chamadas de vídeo, ou através dos contatos que vamos estabelecer ao retomar nossas atividades, mas sem deixar de seguir as orientações de proteção fornecidas pelos órgãos de saúde. Vai ser no dia a dia que a gente vai construir essa resposta. É essencial entender que tudo isso vai passar e que precisamos nos adaptar todos os dias ao novo.