Assinatura da Lei Áurea marcou a abolição da escravatura, mas, traz debate sobre garantias de proteção e políticas públicas para a população negra
CARATINGA– 13 de maio de 1888. A assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel marcou a data da abolição da escravatura. Para lideranças dos movimentos sindical e negro esta data precisa ser repensada, pois, nenhuma medida para garantir uma sobrevivência digna para os negros foi adotada neste documento. “Libertados e jogados nas ruas com a roupa do corpo e nada mais. Isso contribuiu com a perpetuação do racismo”, afirmam.
Com objetivo de fazer uma reflexão em torno dessa data, o DIÁRIO conversou com Walber Souza, que é professor; Diego Silva, que faz parte do grupo afro São Benedito e o padre José de Fátima.
Walber traz considerações históricas sobre a data. “Em 1500 nós começamos, hoje estamos em 2022. Portanto, oficialmente de Brasil temos 522 anos. Todo mundo sabe o que é lei no Brasil, uma coisa é lei, outra coisa é aplicabilidade da lei, ela ser aceita e seguida por todo mundo. Tem uma diferença, um abismo tremendo. Então no dia 13 de Maio de 1888 foi assinada uma lei que abolia a escravidão no Brasil. Mas, digamos que a partir do dia 14 todo mundo estava livre. Um país que tem 522 anos oficiais, 388 anos praticamente foram de um país escravocrata. Alguém poderia falar que no início não foi assim, mas, a partir de 1.530 foi. Um processo de escravização tremendo, forçado, desumano, que deixou as suas sequelas”.
O professor acrescenta que o conceito de “liberdade” idealizado a partir da assinatura da Lei Áurea precisa ser revisto. “Todo mundo fala que a nossa querida princesa Isabel, bondosa, em ato heroico, assinou a abolição. E a partir dali todo mundo está livre. Mas, livre pra onde? Livre pra que? Livre de que? Vou usar metáfora, igual ao passarinho que fica anos e anos preso na gaiola. Quando a peninha dele já tá branquinha, a musculatura já tá toda definhada, o cara caridoso abre a portinha da gaiola e fala: ‘Meu filho, a partir de hoje você é livre’. Será que isso é liberdade ou desculpe a expressão, uma baita de uma sacanagem? Não que não deveria ter o processo, o que se discute é a forma que isso aconteceu”.
Também há que se falar que mesmo nos dias de hoje, pessoas ainda são encontradas em situações análogas à escravidão. “E além de tudo qual o resultado dessas pessoas que fizeram isso? Onde estão essas pessoas que escravizaram e continuam escravizando? Porque você vai lá na fazenda, na casa da pessoa, tudo mais e vê que tem alguém lá com tratamento igual ou até pior, porque antigamente não tinha essa consciência que temos hoje ou deveríamos ter. O nosso Brasil ainda permeia a injustiça, a impunidade. Isso que entristece e vai mantendo esse quadro, que talvez mude o formato, mas, nas entrelinhas é o mesmo”.
Outro ponto se trata da lentidão na elaboração de políticas públicas voltadas para a qualidade de vida dos negros. O racismo ainda se faz presente nas relações econômicas e sociais no país, como frisa Diego Silva. “Na verdade, saímos da senzala e fomos para a favela, sem direito algum. Lá chegamos, tivemos que construir nossos barracos, nossas casas e até hoje a maioria dos negros ainda está na favela. E não temos políticas públicas efetivas, feitas por quem sente na pele e vive essa realidade”.
Diego também acrescenta que as falas racistas estão a cada dia mais presentes na sociedade. “No momento da raiva a pessoa deixa transparecer as suas falas, de que o outro não sabe limpar, que é macaco, usa muito essas questões pejorativas para o negro. Como que o negro não sabe limpar se ele limpou o Brasil? São palavras que não deveriam existir”.
Diego Silva ainda fez questão de citar porque o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra é mais celebrado. “Zumbi dos Palmares deu a vida para salvar seu povo. Isabel apenas assinou uma lei”.
RESSIGNIFICAR A DATA
Padre José de Fátima também faz uma reflexão sobre o 13 de maio. “A data já alguns anos não tem sido uma lembrança comemorativa para a população negra. O motivo disso é a maneira como a abolição da escravatura se deu no Brasil, o que favoreceu diretamente que a desigualdade racial seja até hoje um forte mercador de realidade da sociedade brasileira. Por isso, ressignificar o nosso dia 13 de maio é enxergar a abolição como conquista, resultado de uma luta que por meio da iniciativa de pessoas como Joaquim Nabuco e José do Patrocínio e Luiz Gama e André Rebouças e outros homens negros e mulheres, que vieram trazer esse incentivo à nossa população”.
Para padre José de Fátima é preciso entender que a luta continua e seguir em busca dos direitos. “É longo o caminho da aceitação social dos afrodescendentes, mas, tenho certeza de que as conquistas de até agora nos dão força e coragem para lutar e vencer. Nós, negros, precisamos unir a cada dia mais, a cada instante e assumir nossa identidade de negros na sociedade, na comunidade e na igreja”.
Ontem foi celebrada missa na Capela Nossa Senhora D’Ajuda- em Inhapim.