No Dia do Filósofo, professor Cláudio Geraldo fala sobre o tema
CARATINGA- Neste domingo (16) é celebrado o Dia do Filósofo. O responsável pela criação da palavra “Filosofia” é Pitágoras de Samos (571 a.C. – 496 a.C); sendo de origem grega: Filos, que significa amor e amizade, e Sofia, que expressa conhecimento ou sabedoria.
Para tratar do tema, em relação ao ambiente escolar, como a sociedade em geral, o DIÁRIO entrevista Cláudio Geraldo da Silva, que é bacharel e licenciado em Filosofia, professor de filosofia efetivo no Estado de Minas Gerais e atualmente diretor da Escola Estadual Alberto Azevedo, de Inhapim.
O que hoje mais lhe interessa na filosofia? O que lhe motivou a estudar essa matéria?
Eu costumo dizer que a filosofia me escolheu. Foi uma aproximação acidental, digamos assim, por consequência de outras escolhas. Eu cheguei no primeiro dia de aula do curso de filosofia sem nunca ter estudado filosofia na escola. Tinha acabado de concluir o ensino médio num colégio federal vinculado à UFV que ofertava ensino técnico concomitante ao ensino médio. Além disso, até 2008 o ensino de filosofia na educação básica não era obrigatório. Como me formei no ensino médio em 2005, a disciplina não fazia parte da grade do colégio. Apesar disso, lá havia um professor de história e geografia, com formação em filosofia, então essas disciplinas, embora eu não entendesse na época direito, eram trabalhadas com um viés mais teórico e reflexivo, não se atendo somente aos fatos históricos e ou fenômenos geográficos, mas também às causas e consequências por trás de tudo o que estudávamos em história e geografia. Eu me amarrava naquela forma de estudar e, já naquela época, era impaciente com tudo que é tido como pronto e acabado, que é dogmático. Acho que em razão disso, no meu primeiro contato com a filosofia propriamente dita houve uma identificação. Aí, a cada aula surgia uma nova descoberta. Um novo encantamento. Inclusive, um dos aspectos iniciais de qualquer aproximação com a filosofia é o encantamento. Ela nasce do encantamento do homem com o mundo. Nasce do olhar diferenciado sobre coisas comuns que de repente passam a ser vistas sob novas perspectivas que rompem com as formas tradicionais de ver e compreender e criam ações de estranhamento, questionamento e conceituação. É uma quebra no fluir normal da vida que nos faz recriar o seu fluxo. Em filosofia, chamamos esse processo de dialética. Ela é a mola propulsora de todo pensar e agir. Isso passou a ser o que mais me encanta na filosofia por não a restringir a um grupo pequeno de estudiosos, leitores e pensadores, mas a faz ampla, presente em toda pessoa que em um momento ou outro procura saber o porquê das coisas de uma forma lógica e racional.
Hoje os alunos estão cercados pelas diversas mídias. Como deveria ser o papel didático e pedagógico do professor de filosofia em sala de aula?
Ensinar filosofia não é tarefa fácil. Talvez até pudesse me tentar ao exagero de dizer que ensinar filosofia é uma tarefa impossível. O pensar, o refletir, o questionar a si e ao mundo não é algo que se aprende por orientação. Isto está muito mais ligado à própria consciência, ao ser em si, do que ao campo da pedagogia, propriamente dita. Didaticamente, o que o professor pode fazer é, além de apresentar com base na literatura e na tradição as teses já sustentadas sobre determinados assuntos por filósofos consagrados, criar estratégias que ajudem os estudantes na percepção dos diversos métodos possíveis ao filosofar. A variedade de mídias disponíveis hoje em dia, contudo, é um elemento que soma à reflexão filosófica. Se por um lado elas são fontes de notícias falsas, por outro lado, ao apresentarem diversas teses sobre os mesmos assuntos, acabam por criar no estudante, nas pessoas em geral, a possibilidade da dúvida, do questionamento. Aí voltamos lá na questão da dialética. Tudo o que está disposto ao redor do estudante deve servir de campo para o pensar filosófico. Pensar este que deve ser autônomo, construído a partir de si e do seu mundo. O professor, neste sentido, se torna apenas um colaborador, um fomentador que ajuda no questionamento, mas não consigo a missão de ensinar a filosofar.
Mais especificamente, qual é o lugar da disciplina filosofia nas escolas que servem exclusivamente aos interesses do mercado, com fins de aprovação no vestibular?
A presença da filosofia no ambiente escolar se tornou algo bem paradoxal. Ao mesmo tempo em que o estudante pensa pragmaticamente em um mercado competitivo e produtivo, com vistas ao ganho econômico, ele percebe que a forma de acesso a esse mercado se dá, principalmente, através do Enem. E é bem interessante quando se analisa a prova de ciências humanas e suas tecnologias no Enem. Ela está carregada de intertextualidades, de elementos reflexivos e de conceitos construídos historicamente pela filosofia. Várias questões, inclusive, requerem conhecimento da tradição e literatura filosófica. Aí o estudante entende que o conhecimento da filosofia a partir do trabalho do professor na sala de aula não é inútil ao seu futuro econômico, mas faz parte de seu caminho. Ele ainda vai se assustar quando chegar no ensino superior e descobrir que a filosofia também está lá. Aos poucos, quando se faz um trabalho sério na sala de aula, vai se criando a consciência de que o conhecimento e a atitude que derivam da filosofia não são economicamente inúteis, principalmente quanto à influência da filosofia na organização do pensamento lógico, estendido às dimensões de tempo e espaço essenciais à qualquer profissão. Uma mente pensante é parte integrante de qualquer profissional de sucesso, seja no campo intelectual das ideias abstratas, seja no campo concreto da produção econômica.
Qual a importância da atuação do filósofo hoje no Brasil?
O papel do filósofo é sempre de observação, reflexão e questionamento. Em qualquer sociedade, o campo concreto da filosofia é a sua realidade histórica. Tudo o que se pensa e produz filosoficamente, salvas as exceções que chegam quase a devaneios, se faz a partir daquilo que se vive. Costumo dizer que nos tempos de paz e prosperidade, o filósofo se volta para o passado e tenta entender quais foram as motivações das ações acertadas que levaram a sociedade aquele estágio de bem-estar, sem, contudo, deixar de conhecer os primeiros sinais de que este tempo esteja acabando. Nos tempos mais difíceis, como os que vivemos agora, com baixa valorização da educação e da ciência, com pouco investimento em demandas sociais e com perspectiva mínima de que haja melhora em espaço curto de tempo, o papel do filósofo se torna urgente. Não é apenas uma atitude de reflexão, mas de crítica e denúncia. A história moderna mostra que tem sido assim. Quanto mais oprimida a sociedade, maior a atividade filosófica em vista da libertação do pensamento e das ações para motivar uma mudança de postura e abrir caminhos para a conquista de outros tempos. O Brasil que temos é fruto de um comodismo crítico. De uma aceitação passiva de elementos massivos, construídos a partir de argumentos que, embora fracos, foram introjetados na mentalidade de parte da população. Romper com essa falsa consciência a partir de uma atitude madura, crítica, reflexiva e construtiva é uma das tarefas que só uma nova mentalidade pode nos trazer. A filosofia está aí pra isso, estranhar esse novo “normal” e romper com ele. É, de novo, a dialética.
Quais os filósofos que mais admira e por que?
A primeira obra filosófica que li na vida foi a Apologia de Sócrates, um texto clássico escrito por Platão que narra a autodefesa de Sócrates, seu mestre, diante do Tribunal de Atenas. Segundo o texto, Sócrates, que inaugura uma nova forma de filosofar, ainda na antiguidade, foi levado a julgamento acusado de três crimes: ateísmo, subversão e corrupção da juventude. É um texto intrigante, lindo de ler. Mostra a astúcia e a perspicácia próprias do filósofo. Um sujeito que pensa sobre tudo, mostra ao mundo suas contradições e provoca um desejo de romper com paradigmas improdutivos. Sócrates é o modelo de filósofo pra toda a filosofia ocidental. Dele derivam os dois grandes clássicos gregos, Platão e Aristóteles. A gente até faz piada, dizendo que filósofos são Sócrates Platão e Aristóteles. Os outros todos são comentadores de filosofia. Não é bem uma verdade, temos outros sistemas filosóficos complexos e autorais ao longo da história. Mas ninguém que tenha se separado do que Sócrates foi (ou possa ter sido, considerando que o que temos a seu respeito deriva de seus discípulos). Depois de Sócrates, ganharam minha predileção outros nomes em certos momentos históricos. A inteligência de Tomás de Aquino na Idade Média, a irreverência e a coragem dos Iluministas na modernidade e atenção aos momentos históricos e sociais diversos dos pensadores contemporâneos. Destes, destaco o pensamento de Adorno e Horkheimer, alemães da Escola de Frankfurt, criadores da teoria crítica e do conceito de Indústria Cultural. Acredito que é um retrato dos anos finais do século XX que ainda esteja representando bem o nosso tempo. Um estudo criterioso sobre a produção em massa, próprio da indústria, que adentrou os campos da cultura e massificou gostos e valores, criando indivíduos padrões, sem identidade, sem preferências próprias e sem autonomia no pensar, agir e, nem mesmo sequer, no divertir-se.
Atualmente as pessoas estão precisando filosofar mais?
As pessoas precisam filosofar em todo tempo. Como eu disse antes, não só em todo o tempo, mas o tempo todo, com urgência nos tempos difíceis. Quem filosofa sofre menos. Digo isto porque a consciência de quem se é depende do pensar filosófico. Conhecer a si mesmo é a primeira necessidade para saber como se colocar no mundo, seja ele como for. Nestes tempos difíceis, isso tem uma certa urgência.
O que podemos aprender com a filosofia ao passar por esse período de isolamento social?
A primeira coisa que a filosofia vai nos trazer é a ideia de que não estamos em isolamento social. Isto nem sequer é necessário em pleno século XXI. Estamos (pelo menos deveríamos estar) em uma espécie de isolamento físico, uma vez que temos à nossa disposição todos os recursos necessários para, mesmo estando cada um em suas casas, com o mínimo possível de contato físico, mantermos vivos os laços sociais que possuímos. Temos visto isso em diversos campos. Nem mesmo o futebol deixou de existir. As escolas se reinventaram. As igrejas fizeram o mesmo. As famílias passaram a se reunir por plataformas de vídeo e as pessoas continuam trabalhando normalmente, diretamente de seus espaços pessoais. Os pensadores de nosso tempo já estão dizendo que agora iniciamos de fato o século XXI. Esta será, provavelmente, a marca deste século. O teletrabalho é uma realidade que, pelo que tudo indica, chegou definitivamente para ficar. Já há dispositivos legais sobre essa modalidade de trabalho que foram criados nestes últimos meses e não se restringem a enquanto durar a pandemia. A reflexão sobre essa normalidade ainda vai se alastrar ao longo do século. Mas a autorreflexão sobre o lugar que cada um passa a exercer de agora em diante precisa ser bem fundamentada, na busca das melhores razões e motivações para o que estamos vivendo. Se, na forma tradicional de viver que trazíamos até pouco tempo a atitude filosófica, como elemento de conhecimento, era importante, de agora em diante ela se torna essencial, como descoberta, como aprendizado e principalmente como construção.