- Eugênio Maria Gomes
Uma das maiores crueldades que o ser humano pode praticar é o ato de julgar seu semelhante. A todo instante criticamos nossos companheiros de jornada por seu temperamento, seu modo de agir, de falar, de vestir-se. Censuramos sua cor da pele, sua etnia, sua classe social, sua religião ou sua fé, ou até a ausência delas. Condenamos sua orientação sexual, suas opções de vida, seus relacionamentos, seu modo diferente de ser. Insistimos em exigir e de forçar o outro a comportar-se segundo padrões que nos parecem corretos, adequados, aceitáveis, “normais”.
Esquecemos que, cada um dos bilhões de seres humanos viventes, tem toda uma história de vida, uma herança genética, um legado cultural, um passado que na maioria das vezes nos é desconhecido. Desconsideramos que cada um de nós lida de forma diferente com suas limitações, com suas virtudes e defeitos, com as dores do mundo, com o sofrimento natural que nos é imposto pela condição humana, pela solidão estrutural a que estamos condenados em decorrência da nossa profunda individualidade existencial.
Não é porque agimos, pensamos ou sentimos de determinada maneira que temos autoridade para impor aos demais um comportamento semelhante ao nosso. A única forma de convivermos em harmonia com os demais é aceitarmos as diferenças, tolerarmos a diversidade e celebrarmos o fato de que embora diferentes, todos somos iguais em essência, posto que estamos permanentemente unidos em nossa condição humana.
Vivemos em um momento de recrudescimento da intolerância, um momento de triste renascimento do ódio e da violência diante daquilo que nos parece diferente e, consequentemente, avaliamos ser errado. E, sendo então errado, deve ser recriminado, combatido e, algumas vezes, eliminado.
Entre os jovens, aumenta significativamente o número de suicídios e de automutilação. Atos de desespero de uma mente ainda em formação, incapaz de defender-se do Bullying praticado por seus colegas, em virtude do jeito que usa o cabelo, ou de sua aparência, seu modo de agir, da forma de seu corpo.
Entre parte daqueles que se autodenominam religiosos, renascem a intolerância e o ódio diante dos que professam sua Fé de forma diversa. Certos de que se encontram autorizados por Deus a impor sua crença e seus códigos de conduta, como verdades absolutas e sacramentadas pela falsa noção de povo eleito, desrespeitam a diversidade cultural e a diversidade de relações com o Divino e o Sagrado. No Rio de Janeiro, observa-se esse fenômeno pela invasão e destruição de templos de matriz afro-brasileira por integrantes do tráfico e das milícias, no seio das comunidades mais empobrecidas. Esses atos de violência estão dizimando as religiões de origem africana.
Entre os povos, ressurgem os atos de xenofobia. Constroem-se muros, erguem-se barricadas, limitam a possibilidade de imigração. Acusam-se os estrangeiros, muitos deles refugiados que fogem da fome e das guerras, de serem portadores de doenças, de terem maus vícios, de roubarem empregos. Apenas porque são diferentes…
A discriminação, a intolerância e o ódio pelo diferente estão na raiz do quadro de miséria que assola a maior parte da humanidade. Dois terços dos seres humanos ainda se encontram em condições subumanas de vida.
Mas é no campo individual que esses atos de profundo desamor causam prejuízos ainda mais profundos. Aquele que julga e que condena o outro está condenando a si mesmo a um permanente e profundo estado de sofrimento psíquico. Isto ocorre, porque o ato de julgar e de recriminar o outro é uma maneira pueril do julgador de tentar proteger-se a si mesmo, de salvaguardar sua estrutura psicológica da ameaça ilusória que o modo de ser do outro representa para ele. É uma insana tentativa de furtar-se à autopunição, punindo o outro. É uma forma de expiar o próprio pecado! De escapar da condenação, condenando o outro.
Uma das maiores fontes de sofrimento psicológico é justamente esse rigor excessivo, que nos é imposto por uma moralidade autoritária, e que nos compele a adotar comportamentos que não correspondem a nossa essência, e que nos obriga a “sermos o que não somos”, e então, incapazes de lidar com esse sofrimento, extravasamos nosso rancor e destilamos nossos recalques naqueles que ousam ser o que são, que se atrevem a questionar padrões, que têm a audácia de inovar, que têm o atrevimento de se comportar e de optar por modos de vida alternativos, enfim, que têm a coragem de existirem, do jeito e da forma que a criação os moldou.
Assim, todos nós temos que ter a humildade e a serenidade de nos voltarmos para dentro de nós mesmos, reconhecermos nossas imperfeições, olharmos para nossos vícios, nossos pecados, nossas fraquezas. Paramos de ser complacentes diante de nossas próprias imperfeições, submetermo-nos a nossa própria consciência e, assim, sermos então capazes de ter um olhar de profunda compaixão para com nossos semelhantes.
Essa é a lição que se pode extrair da Passagem da Adúltera: “Quem dentre vós que não tiver pecado, que atire a primeira pedra … Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós”.
- Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.