Celeste Aparecida Dias
Na condição de mulher, mãe, gestora e empreendedora, acompanhei, há algum tempo, o aumento repentino do preço – praticamente dobrou em um intervalo de cerca de dois a três meses – de um ótimo produto de limpeza de uma marca respeitada em todos os supermercados da cidade e de cidades da região, onde costumo ir e comparar os preços dos mesmos produtos de consumo em uma casa. O episódio ocorreu em uma época em que estudava sobre o funcionamento da bolsa de valores, uma vez que procurava uma alternativa de fazer investimentos que tivesse um rendimento financeiro um pouco melhor do que os parcos 0,3 a 0,5% da poupança.
No início da ocorrência desse aumento fiquei sem entender, mas bastou um domingo de tarde, em frente à TV Globo, para descobrir: a empresa estava sorteando casas para as pessoas e, com esse ato generoso, estimulando os “cidadãos” a comprar seus produtos, agora custando ao consumidor quase o dobro do preço de épocas anteriores a essa “promoção”. Alguns questionamentos vieram à cabeça naquele momento: quem estava pagando o preço daquelas casas em promoção nos sorteios? Promoção em benefício de quem? Quem estava ganhando o valor resultante daquele marketing?
Além dessas e outras perguntas, acionei meus neurônios para buscar possíveis respostas, na condição de consumidora que tenta ser consciente: verifiquei então que, se eu era consumidora daquele produto e estava, a partir de então, pagando mais que o dobro do preço por ele, eu era uma das pessoas que estavam participando da “vaquinha” que a empresa fazia na sociedade brasileira para realizar sorteio de casas. Se para fazer esse sorteio seus produtos aumentaram de preço nas prateleiras do supermercado, de fato, não era a empresa que estava pagando essa conta e sim os compradores/consumidores de seus produtos. A empresa estava, então, tendo duplo ganho: o aumento do valor da sua marca como empresa cidadã que fazia “promoção” de sorteio de casas e, obviamente, obtendo mais lucro financeiro com o aumento das vendas de seus produtos por meio do uso do valor do cidadão brasileiro, sua generosidade e sua solidariedade. Os ganhadores das casas sorteadas estavam tendo esse ganho. Até aí, parece ser um bom negócio, mas a resposta de parte da última pergunta estava faltando: se sou consumidora e participo desse negócio comprando e pagando mais caro aqueles produtos, o que estou ganhando com “essa promoção” de sorteio de casas?
Triste conclusão: eu somente estava pagando o preço da “promoção” realizada pela empresa e exercendo minha generosidade e minha solidariedade de cidadã, mesmo assim parcial, pois nem sempre os ganhadores das casas são pessoas pertencentes à classe social de mais baixa renda e que esse sorteio seria quase a única possibilidade de obter seu direito de moradia. Um bom defensor do capitalismo iria argumentar comigo que ganho pela satisfação em adquirir um produto de qualidade no mercado. Ora, disponibilizar um produto de qualidade é obrigação moral mínima dos produtores em um sistema capitalista que discursa a nova nomenclatura de “capitalismo social” ou outro nome equivalente que não cabe aqui fazermos essa análise teórica.
Essas reflexões iniciais, nascidas da provocação intelectual daquela “promoção” de sorteio de casas, ampliaram-se e outras perguntas e respostas foram se estruturando, contribuindo para o desenvolvimento da minha condição de consumidora consciente. Se eu vivo em um país, preciso aprender a dialogar com os capitalistas usando os mesmos instrumentos que eles usam: eu quero saber o quanto de retorno financeiro eu ganho naquela parcela de lucros que as empresas produtoras e distribuidoras ganham, pois, se eu consumo os produtos, eu preciso participar desses lucros na condição de consumidora. Afinal tenho o papel de geradora desses lucros, já que sou eu que pago o preço final dele.
E ainda, tenho de ter custos financeiros e de tempo em fazer o adequado reencaminhamento dos resíduos sólidos que sobram de suas embalagens e que não vão servir para serem consumidos em minha casa, pois o consumidor consciente precisa separar os resíduos sólidos dos resíduos orgânicos ou úmidos e dar a eles a destinação final de modo que sejam novamente reinseridos no ciclo ou cadeia produtiva da qual a mãe natureza é a principal produtora e também não vem recebendo a generosidade que merece, mas isso é assunto para outro texto.
Os consumidores são os verdadeiros geradores dos lucros de produtos em circulação no mercado capitalista, visto que são eles que compram e pagam esses produtos, logo, precisam de respostas científicas e não de marketing para parte dessa última pergunta. Todas as pessoas são consumidoras, inclusive os próprios produtores e distribuidores dos produtos consumidos na sociedade capitalista, mas eles conseguem ter os seus ganhos de consumidores embutidos nos ganhos na condição de empresários. E as pessoas que ocupam somente o lugar de consumidoras e, portanto, de geradoras dos lucros estão tendo qual participação financeira nesses lucros?
A resposta para essa pergunta está muito longe de ser alcançada e de se tornar uma prática na atual realidade de organização e funcionamento do sistema capitalista no mundo, inclusive do atual código de defesa do consumidor, o qual também precisa de avanços. Apesar dessa distância, lanço a esperançosa provocação a todos os consumidores e consumidoras a contribuir na construção de respostas e de procedimentos operacionais para a participação dos lucros do consumidor nos produtos que consome, pois somos os principais interessados já que os produtores e os distribuidores estão em uma tranquila zona de conforto com suas parcelas de lucros.
Professora Universitária no Centro Universitário de Caratinga. E-mail: [email protected]. Mais informações sobre a autora: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4556263J3