“Mesmo sabendo que um dia a vida acaba a gente nunca está preparado para perder alguém” (Nicholas Sparks)
Uma das características que nos tornam “humanos” é a noção e concepção da morte. De outrem, mas principalmente da nossa própria morte. Essa noção de finitude é o embrião de diversas condições psicológicas dolorosas, mas também de condições necessárias para o melhor planejamento de vida.
Uma caneta apesar de “existir” não tem conhecimento de sua existência. Os animais que também existem não trazem em si o conhecimento de estar vivo e compreender o que seria o deixar de existir. Apenas os seres humanos são dotados desta função mental superior. Porém, carregar essa compreensão pode ser sufocante e até angustiante algumas vezes. Logo, para conviver com essa imposição que nos é posta nosso organismo inconscientiza essa informação permitindo-nos viver sem sermos lembrados constantemente da nossa condição finita. Em nossos planos e fantasias gostamos de pensar que somos eternos e principalmente aqueles que amamos. Entretanto quando somos surpreendidos com o fato do falecimento de alguém próximo ou não, essa informação outrora camuflada em nossa mente emerge de volta a consciência trazendo consigo processos dinâmicos de grande complexidade emocional e individual. Sim, individual, pois o processo de luto é um processo pessoal interno por mais coletivos que sejamos. Por isso tantas pessoas lidam, sentem e reagem de maneira diversificada ao luto.
Diversos fatores contribuem para intensificar ou facilitar essa vivência emocional. Por vezes a idade se torna o principal fator a ser considerado. Temos in natura a tendência a justificar a morte de uma pessoa com idade avançada principalmente quando consideramos que ela já viveu anos o suficiente. Temos também a tendência a aceitar melhor quando essa pessoa estava passando por problemas de saúdes de difícil manejo quando conseguimos dizer que foi melhor assim. Diferentemente ocorre quando tentamos compreender e lidar com a morte de uma pessoa durante a infância, a juventude ou mesmo a vida adulta, mas ainda em idade considerada “ativa”. Nessas situações o processo de luto é dificultado, sendo visto inclusive como antinatural, representando uma ruptura da continuidade de um processo que deveria continuar e os levar até se tornarem idosos. Para assim, quem sabe, talvez possamos usar das frases de alivio e consolo para nossa própria dor.
Ao lidar com o luto diferentes processos psíquicos são necessários para a saúde mental. O luto não é apenas um sentimento, mas sim uma gama deles, temos sentimentos característicos do luto e que levam certo tempo para passar, nem sempre sendo possível apressa-los. Com o passar do tempo a compreensão da morte fica mais possível pelo nosso cérebro emocional. Sendo importante voltar as atividades normais para auxiliar que o luto mais feroz ceda e comece a tristeza mais forte comece a se dissipar. No processo natural, com o passar do tempo já é possível pensar em outras coisas, dormir melhor, se alimentar normalmente e inclusive alegra-se. É extremamente natural os momentos de silêncio, de se pegar às vezes sentado, parado e sem fazer nada.
O luto vem numa onda avassaladora. Algumas vezes revira tudo de lugar, vida, rotina, sentimentos e às vezes aspectos fisiológicos por ser uma das experiências mais dolorosas que enfrentamos. Apesar disso, faz parte da vida de absolutamente todos nós. Todos sem exceção vamos nos defrontar com essa situação pelo menos uma vez na vida. E é preciso que consigamos lidar com naturalidade e permitir que a vida siga novamente, que a mente internalize essa concepção da nossa finitude e que voltemos a andar desacompanhados dessa dor. A lembrança da perda fica, mas a tristeza precisa ir embora.
In memoriam de Lurdinha, mãe e mentora de Thiago Miranda.
Luciana Azevedo – Neuropisicóloga e Terapeuta Cognitivo-Comportamental formada pela PUC Rio.