Magistrado explica a respeito do habeas corpus para gestantes ou mães de filhos com até 12 anos
CARATINGA – No dia 20 de fevereiro de 2018, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, por 4 votos a 1, habeas corpus coletivo a todas as mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos e de filhos com deficiência, que se encontravam presas provisoriamente, sem condenação. A decisão determina que elas aguardem julgamento em regime domiciliar.
Os tribunais têm até 60 dias para cumprir a determinação do STF após sua publicação. Pela decisão, o cumprimento de prisão domiciliar não se aplica a casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça, de crimes contra os filhos ou em situações julgadas excepcionais, que justifiquem, na avaliação da Justiça, mantê-las encarceradas provisoriamente. Desde o Marco Legal da Primeira Infância, lei de 2016, o artigo 318 do Código de Processo Penal já garante a mães de crianças de até 12 anos incompletos ou mulheres grávidas, na teoria, o direito de cumprir prisão provisória em regime domiciliar.
HABEAS CORPUS COLETIVO
Para entender essa decisão, a reportagem do DIÁRIO entrevistou o juiz de direito Consuelo Silveira Neto, que é o titular da 1ª Vara Criminal, de Execuções Penais e de Cartas Precatórias Criminais da comarca de Caratinga. Segundo o magistrado, o primeiro aspecto de muita relevância é que o STF admitiu a impetração de um habeas corpus coletivo. Conforme explicação, até então os habeas corpus, em regra, eram individuais. “Toda pessoa que tinha alguma ameaça ou alguma ilegalidade quanto ir e vir, ou seja, quanto ao direito de liberdade, impetrava-se um habeas corpus”.
No entanto, com esta decisão, a Segunda Turma do Supremo, admitiu a impetração do habeas corpus coletivo, o que significa que “uma entidade representando um número de pessoas, pode utilizar-se do habeas corpus”. “O habeas corpus é uma ação constitucional, é uma garantia de todo cidadão, que se vê tolido do direito de ir e vir ou sob uma ameaça real desse direito. Antes essas ações eram ajuizadas individualmente, por exemplo, a pessoa estava presa, ou estava na eminência de uma prisão ilegal, impetrava um habeas corpus. Hoje com essa decisão se reconheceu a possibilidade da impetração do habeas corpus coletivo, que vai atender os interesses de um número de pessoas que estão na mesma situação em que for retratada no habeas corpus. Isso já é um avanço na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, explica o juiz Consuelo.
PRISÕES FEMININAS
Para o magistrado, no segundo aspecto sobre a concessão que foi feita pelos ministros, existe uma situação retratada no país que é a questão das prisões femininas. “Vivemos em uma sociedade, que é praticamente formada historicamente sob uma ótica masculina, e não foge a isso o contexto prisional. A maioria dos presídios tem toda uma infraestrutura direcionada para homens e não para mulheres. A situação do encarceramento da mulher, já é de maior dificuldade, acaba sendo muito mais penoso”.
A situação não é diferente em Caratinga, como explica o juiz. Segundo dados do Geopresídios, relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, o presídio tem capacidade para 12 detentas e hoje conta com quase o dobro. “Tem uma dezena de celas masculinas, e apenas duas femininas; então uma superpopulação de pessoas do sexo feminino na unidade atinge com maior facilidade, porque são apenas duas celas e atualmente são cerca de 20 mulheres. Existe uma cela onde estão as presas condenadas e outra onde estão as provisórias, que ainda estão aguardando uma sentença”.
O juiz ainda destaca que no próprio habeas corpus, o Supremo citou um exemplo de uma menina de sete meses de idade, que está com a mãe, que cumpre pena na penitenciária feminina de Pirajuí em São Paulo. “Essa menina só vê o mundo exterior, árvores, carros, cachorros, homens, ao ser levada para uma consulta pediátrica, ou seja, na verdade quem cumpre a pena é a mãe, mas ela também acaba cumprindo, uma criança de sete meses de idade”.
Ainda de acordo com o juiz, existe um princípio constitucional, que diz que nenhuma pena pode passar do condenado, não é justo que uma pessoa pague por aquilo que não fez, pela pena de outro. “Não é justo que um filho pague uma pena pelo que o pai faz, não é justo que uma criança pague por aquilo que a mãe fez, da mesma forma que não é justo que um irmão pague pelo que o outro fez”, analisa.
O magistrado ainda explica que foram analisados os pedidos de prisão domiciliar para as mulheres que se encontram nessa situação. “Então o alcance do habeas corpus é nesse aspecto. Ele foi concedido dentro desta percepção, de que a criança não pode ser punida de qualquer forma, por um crime que ela não cometeu. Por isso se estabeleceu a possibilidade de concessão de prisão domiciliar para as mulheres gestantes, para as que acabaram de ter filhos, e para as que possuem crianças até 12 anos”, ressalta o juiz de direito.
ALCANCE DA DECISÃO
O juiz Consuelo Silveira esclarece que para esta decisão foram estabelecidas algumas premissas, logo, não se estende a toda mulher que se encontra nessa situação. Cada caso será analisado individualmente. Mas, a determinação do habeas corpus tem que ser cumprida. “Especificamente o que foi decidido é que cabe ao juiz avaliar essa situação caso a caso dentro das premissas do habeas corpus. Por exemplo, se a mulher foi reincidente, já praticou mais de um crime, o juiz também avalia esta situação. Temos algumas situações em que a mãe já não detém a guarda do filho, muito embora está presa, tem uma criança de menos de 12 anos, mas na separação com o marido, quem cuida da criança é o pai, aí não será concedido”.
Ele explica que existem algumas penitenciárias em que a mãe dá a luz nos corredores do presídio, sem qualquer infraestrutura. “Sem contar também, que toda prisão é insalubre, casos de sífilis, tuberculose, HIV, o ambiente não é salubre. Então tudo isso tem que ser avaliado, a medida visa proteger a criança, não é para a mulher ter um escudo de que não será punida. Imagine uma mulher grávida comete um crime e vai presa, não vai ter um pré-natal, a criança já nasce condenada”.
O juiz especifica ainda, que em regra, a concessão é para presa provisória, mas depois, no caso de ser condenada, no cumprimento da pena pode conseguir a prisão domiciliar.
SITUAÇÃO EM CARATINGA
Em Caratinga, segundo o juiz, esses casos já eram analisados. Assim que havia o pedido, em caso de gestante, era encaminhada para unidade prisional feminina em Belo Horizonte, onde tem acompanhamento médico, berçário e fica a cargo do juiz daquela comarca, analisar o pedido do habeas corpus. “Em outras situações aqui em Caratinga, determinamos um estudo social. A assistente social do fórum vai à residência, analisa a situação, se tem alguma criança deficiente, ou que realmente está dependente da mãe. Assim decidimos. Mas reputo que a grande solução para o sistema é o encaminhamento ou criação para uma Apac (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado) feminina, pois já conseguiria resolver boa parte desses problemas. Por um lado a mãe pagaria pelo crime que cometeu, continuaria presa e a criança poderia ficar com ela. A Apac feminina tem uma estrutura diferente da masculina, porque geralmente é estabelecida em casas; então você pode estabelecer um quarto onde a mãe fica com a criança”.
Atualmente em Caratinga não há nenhuma detenta grávida. Mas, sobre a outra situação, filho menor de 12 anos, o juiz disse que existe em andamento um requerimento formulado por um advogado e que o processo se encontra no setor social do fórum para análise.
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QUADRO DOS PRESÍDIOS FEMININOS
Nos estabelecimentos femininos, apenas 34% dispõe de cela ou dormitório para gestante, 32% dispõe de berçário, 5% de creches e nos estabelecimentos mistos, onde estão presos homens e mulheres, apenas 6% dispõe de custódia de gestante, 3% de berçário e nenhum dispõe de creche.