* Vânia Maria O. Pereira
Pensar a relação trabalho – saúde requer compreender não só como este pode afetar a saúde, mas também seus diversos significados para o homem.
Mais do que garantir a sobrevivência, o trabalho deve ser visto como uma manifestação do ser humano. Permite realização pessoal, relacionamentos interpessoais, satisfação, desenvolvimento de habilidades e competências. Dá sentido à vida, constrói a identidade e a autoimagem da pessoa.
Necessário à sociedade como um todo, o trabalho possibilita a transformação da realidade, do próprio homem e sua adaptação ao mundo. Desde a pré-história o homem usa de sua atividade para se impor, enfrentar desafios e suprir necessidades. A cada época se modificam padrões e significados do trabalho, refletindo mudanças sociais, econômicas e culturais.
A partir da Revolução Industrial, por exemplo, ocorrem intensas transformações. Deixa-se de lado o trabalho familiar e o modelo de aprendizagem por observação, para um padrão de profissionalização cada vez maior. Surgem escolas profissionalizantes, visando capacitar as pessoas, tornando-as mais produtivas e eficientes.
Nas fábricas, vigora o fordismo, modelo disciplinar que propõe a produção em série, o controle estrito do tempo, ações e movimentos dos operários. Jornadas extensas e condições precárias, num contexto onde o ser humano se torna mais uma peça da grande engrenagem que é o ambiente de trabalho.
Na atualidade, muitas mudanças têm ocorrido. Direitos foram conquistados e as condições de trabalho são inegavelmente melhores. A vida moderna se diversificou com a informatização e o acelerado desenvolvimento tecnológico. Distâncias se encurtaram, trazendo oportunidades e imposições, que vão da superespecialização ao domínio de novos padrões de como se viver e trabalhar.
No modelo atual, para que o trabalhador tenha sucesso, além da capacitação profissional, ele deve ser capaz de “fazer a diferença”, ter criatividade, iniciativa e comprometimento pessoal com o trabalho. Na sociedade capitalista, são criadas indefinidamente novas necessidades. Se por um lado o mercado de trabalho exige um alto nível de capacitação, por outro, existe a pressão por um alto padrão de consumo, onde o trabalho é visto como o meio legítimo para o acesso aos bens de consumo. A ideologia vigente apregoa: “Quem quer, pode. Quem busca, alcança”.
Entretanto, no contexto de crise social e econômica como o atual brasileiro, o choque de realidade é inevitável. A pressão externa se sobrepõe à interna, e se o sucesso prometido pela mídia não é alcançado, muitas vezes, é vivido pelo sujeito como fracasso pessoal. A instabilidade decorrente dessa situação gera sentimentos de ameaça e perda de controle sobre si próprio e sua vida, o que pode levar ao seu adoecimento físico e/ou mental.
A saúde no trabalho é um campo interdisciplinar, onde saberes e práticas se desenvolvem, com compromissos teóricos, éticos e políticos. Constitui-se como política pública em saúde, articulando os setores: da saúde, trabalho, emprego, previdência social, educação e meio ambiente. Neste contexto, aspectos biológicos e psíquicos são indissociáveis. O desequilíbrio pode ser gerado tanto pelo ambiente, como pelas relações sociais ou características pessoais; e expresso por diferentes tipos de sofrimentos e doenças relacionadas ao trabalho.
Faz-se necessário, portanto, o desenvolvimento de ações de promoção à saúde, prevenção e vigilância, buscando-se intervir em condições e contextos de trabalho nocivos. O adoecimento no trabalho demanda um olhar sobre o ser humano, considerando a relação e representações que faz de sua atividade, as reações às situações e sua própria história de vida. Devem ser observados aspectos como: ritmo de trabalho, turnos, sobrecarga, pressão, assédio moral, que comprometem a saúde física e mental, a vida social e familiar do trabalhador.
O trabalho pode ser causador de doenças, agravar ou desencadear determinados quadros que o sujeito já está predisposto a apresentar. O que para alguns funciona como fator motivador, para outros, pode ser estressor. Emoções vividas no dia-a-dia produzem respostas físicas involuntárias, e podem gerar sintomas físicos e emocionais.
É importante ressaltar que a satisfação no trabalho tem efeito protetor à saúde. A satisfação varia de pessoa para pessoa, de contexto para contexto, ao longo do tempo numa mesma pessoa. Está ligada à motivação, às atitudes e ao estado emocional. Alguns aspectos influenciam a satisfação no trabalho, como: estabelecimento de relações satisfatórias, valorização pessoal, posição profissional ocupada, se sentir estimulada intelectualmente, recursos disponíveis, gerenciamento adequado, dentre outros.
O trabalho, portanto, permite ao indivíduo se posicionar de modo único no mundo, constituindo sua identidade e forma de ser. Dá sentido à vida, mas deve ser visto como meio para enriquecer a vida, e não, como a própria vida da pessoa. Em condições satisfatórias, pode ser um dos componentes de felicidade. A saúde, com certeza, agradece.
* Vânia Maria O. Pereira – Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/Rio, atua em Psicologia Clínica e Organizacional, Professora no Curso de Psicologia do UNEC
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