No último dia 20, Vanusa Gregório agiu dessa forma e revoltou as pessoas
CARATINGA – O caso da “mãe”, se é que se pode chamar uma pessoa desta de mãe, capaz de cometer tamanha atrocidade contra um ser inofensivo, que jogou um recém-nascido no lixo, chocou a população de Caratinga. No último dia 20, Vanusa da Silva Gregório, 32 anos, tomou essa atitude. A criança chegou a ser socorrida, mas
morreu ao dar entrada na maternidade. O fato ocorreu no Bairro Bom Pastor e provocou forte clamor, com populares tentando agredir a Vanusa e seu irmão Ney da Silva Gregório.
A reportagem do DIÁRIO DE CARATINGA conversou com a psicóloga Isabella de Almeida Gomes para tentar entender o que levaria uma mulher a descartar no lixo uma criança com poucos minutos de vida.
O que pode levar uma mãe a chegar ao ponto de desistir de um filho e jogá-lo no lixo?
O abandono de bebês é algo que infelizmente tem sido notícia recorrente na imprensa. Geralmente são recém-nascidos, abandonados no lixo, em via pública, em pátios e terrenos baldios. O abandono é visto como uma forma grave de descuido, que aponta para o rompimento de um vínculo apropriado entre pais e filhos. A questão não é simples e existe uma série de situações para que uma mãe chegue ao ponto de rejeitar um filho de forma tão violenta. Dentre elas estão o não reconhecimento paterno, falta de recursos e apoio familiar; exclusão, impossibilidade de realizar um aborto legalmente; depressão puerperal e outros transtornos mentais, medo, ausência de amor, falta de estrutura familiar, desespero…
Os motivos que fazem com que a mulher venha a comportar-se desta maneira, algumas vezes, é o fato dela mesma ter sofrido rejeição, abuso físico e psicológico, negligência e violência na sua infância. Segundo estudos, estas mulheres sofreram graves
abusos quando eram crianças e, por isso, não desenvolvem o sentimento de amor, a capacidade de se vincular e a relação da maternidade.
A mãe também pode apresentar transtornos psiquiátricos após o parto e, em um momento de intensa perturbação psíquica, tem grande probabilidade de cometer atos violentos e primitivos, como querer se desfazer do filho, por direcionar para o bebê tudo o que está sentindo de ruim.
O que é a depressão pós-parto e quais os sintomas?
Dentre os transtornos emocionais do pós-parto temos a tristeza pós-parto, depressão pós-parto e psicose puerperal.
A tristeza pós-parto acontece nos primeiros dias que seguem o parto podendo durar até uma ou duas semanas. Os principais sintomas são as mudanças repentinas de humor, perda do apetite e sentimento de solidão. O choro e a tristeza são acompanhados por sentimentos de falta de confiança e incapacidade para cuidar do bebê.
A depressão pós-parto é caracteriza pela presença de um conjunto de sintomas que prejudicam a relação mãe-bebê. Dentre os sintomas mais comuns destacam-se o humor depressivo com profunda tristeza, um sentimento de vazio, ausência de prazer nas atividades diárias, fadiga, instabilidade emocional e irritabilidade, alterações da concentração, sentimentos e ideias suicidas. Instala-se lentamente; só de quatro a seis semanas depois do parto o quadro depressivo torna-se intenso. É uma doença que exige tratamento mais agressivo com medicamentos.
Já na psicose puerperal encontramos perda do senso de realidade, delírios, alucinações. Surge normalmente no primeiro período pós-parto de uma mulher, com duração variável de semanas a meses. A mulher sofre confusão mental, alucinações e mudanças rápidas de humor, passando da euforia para a depressão, podendo chegar a ser bastante agressiva com o filho e cogitar a possibilidade de infanticídio, ou seja, de matar ou facilitar a morte do próprio filho recém-nascido.
Existe alguma forma de durante a gravidez notar certo tipo de sintoma em uma mulher que a faça não querer o filho?
O acompanhamento através do pré-natal tem extrema importância para garantir a saúde da mãe e do bebê, e deve ser iniciado assim que a gravidez for confirmada.
É importante observar a presença de alguns fatores de risco como a história pessoal de depressão, episódio depressivo ou ansioso na gestação, eventos de vida estressantes, pouco suporte social e financeiro e relacionamento conjugal conflituoso. Outros prováveis fatores são história familiar de transtornos psiquiátricos, características de personalidade, baixa autoestima. Também estão associados complicações obstétricas, parto prematuro, fatores culturais, história de abuso sexual ou de relação conflituosa com a mãe e gravidez não desejada.
Além disso, é importante entender o perfil dessas gestantes, onde a mulher tem suas estruturas psíquicas abaladas. Ela foi abusada, rejeitada e isso deixa uma impressão que acaba passando para o filho. É preciso entender como eram as famílias dessas mães, saber como elas foram tratadas na infância.
Diante dessas situações, durante a gravidez, a gestante, o médico obstetra, profissionais de saúde, o parceiro, a família e vizinhos, devem ter cuidado redobrado e acompanhar possíveis alterações comportamentais de perto.
É possível tratar alguém com estas tendências?
A depressão pós-parto e outros transtornos mentais são apontados por muitos leigos como causa para o abandono de bebês, seja nas ruas, lixos, instituições. Mas de acordo com estudos não é a principal causa de abandono.
Por esta razão, cada caso deve ser analisado individualmente, mas o que há de comum entre depressão pós-parto, a psicose puerperal e demais motivos para o abandono, é que as mulheres não se acham capazes de cuidar de seus filhos.
É necessário então um trabalho multidisciplinar, uma atuação adequada junto à questão da maternidade que deve incluir o encorajamento e suporte para a mãe na gestação e na relação com a criança, o envolvimento do pai e/ou outros membros da família nos cuidados.
Como os órgãos públicos podem ajudar?
Os transtornos psíquicos do puerpério e sua influência na relação mãe-filho podem trazer profundas marcas. Portanto, a atenção à gravidez e ao período pós-parto devem, sem dúvida, ser bastante consideradas, por se tratar de uma questão que diz respeito ao desenvolvimento emocional das pessoas e a um problema de saúde pública.
Deve ser atribuição das equipes de saúde planejar e executar ações preventivas que proporcionem uma gestação e um puerpério emocionalmente sadios. Identificar durante a gravidez e logo no pós-parto imediato esses tantos fatores de risco. Essas equipes devem atuar no acompanhamento das mães atendendo às suas necessidades básicas de saúde e educação, levando em consideração suas particularidades, bem como a orientação no que se refere aos cuidados com a criança. Parte dessa atenção deve ser dirigida às dificuldades sociais e conjugais evolvidas na questão. Tais atitudes básicas devem ser realizadas por equipes multiprofissionais da rede básica de saúde treinadas para isso.
Para diminuir a ocorrência de casos como este, tendo desfechos tão cruéis, é necessária a sensibilização de toda a sociedade, desde os profissionais de saúde, conselho tutelar, familiares e até mesmo vizinhos que ao perceberem sinais de gravidez indesejada, poderão orientar a gestante e a família a fim de apresentar outras possibilidades. Além disso, encaminhar para um tratamento e suporte adequados.
É dever do poder público dar toda a assistência a estas gestantes e mães, que muitas vezes deixam de procurar ajuda por falta de informação e medo de serem discriminadas e até criminalizadas.