- Eugênio Maria Gomes
Lembro-me perfeitamente do dia em que minha família comprou a primeira Televisão. Foi uma festa. Para o novo aparelho, tínhamos reservado um lugar de honra na sala. Após a instalação, todos nos reunimos em frente à tela, ainda em preto e branco, e passamos parte da noite assistindo, com certo espanto, às imagens que se sucediam.
Em um primeiro momento, o novo aparelho trouxe informação, pois assistíamos aos jornais todas as noites, diversão e entretenimento. Com o passar do tempo, no entanto, percebi que algo mudara na dinâmica noturna da família. Já não jantávamos mais à mesa, porém, ainda conversávamos na varanda. Já não contávamos mais casos, ou relatávamos ocorrências divertidas que vivêramos durante o dia. Jantávamos assistindo à TV, sem conversas, vendo o jornal. Depois, a conversa de varanda deu lugar à novela das nove, e mais uma vez, a família estava reunida, porém, já não era como antes. A TV nos roubara parte da interação familiar…
Lembro-me também do advento e da popularização do telefone fixo. Como era bom poder falar com as pessoas sem sair de casa. Falar com parentes distantes. Avisar ao patrão que chegaria atrasado. Que maravilha tecnológica! Mas, aos poucos, percebi que já não visitava meus amigos tão frequentemente. Preferia telefonar. Percebi também que as conversas eram mais curtas, e que muitas coisas não eram ditas ao telefone. Não era a mesma coisa que estar ao lado de nossos amigos ou parentes. Sentir, de fato, a presença deles.
No entanto, a antiga televisão em preto e branco e o antiquado telefone fixo, nem de longe se comparam ao fenômeno que vivemos nesse início de século.
Não se trata de saudosismo romântico, ou de negação da importância ou da praticidade que as novas tecnologias propiciam a todos nós. Trata-se de analisar os malefícios que a utilização desmedida dos aplicativos de comunicação, como o “whatsapp”, e de mídias sociais como o “facebook” podem nos causar.
Dia desses, ao visitar uns amigos, em dado momento, fiquei constrangido. A certa altura da noite, os membros da família estavam todos, simultaneamente, ao celular, checando e respondendo suas mensagens no aplicativo. Permaneciam como que hipnotizados, absorvidos naquele universo virtual. Eu, por longos minutos, fui esquecido…
Fui substituído por outros “amigos” que estavam distantes, mas que naquele momento, pareciam merecer mais atenção do que o amigo real, ali parado, em frente a eles. Eles pareceram perceber meu constrangimento, pois não pude deixar de falar a famosa frase: acho que preciso ir, ainda tenho que preparar a aula de amanhã!
No que fui surpreendido com a resposta: tudo bem amigo vamos fazer uma foto do nosso encontro para o “facebook”. E instantaneamente, todos nós estávamos com a aquela cara de felicidade artificial que as pessoas insistem em fazer e postar na mídia social apenas para mostrar como são felizes, como são bonitas, como estão bem, como…. Enfim…. Uma grande mentira, na maioria das vezes.
Não percebemos os prejuízos que o mundo virtual está causando para as relações do mundo real. Aquelas que de fato interessam, aquelas que de fato são importantes para nós e para nossas vidas.
O brasileiro é o povo que mais gasta tempo com a internet. Pasmem, mais que os americanos! Calcula-se que somente no whatsapp sejam cerca de duzentos minutos por dia. Duzentos minutos! Mais de três horas do dia desperdiçadas. Sim, desperdiçadas! Se você perceber, a maior parte deste tempo é gasto para ler as incontáveis mensagens de “bom dia” dos famosos grupos; ou para ler as incontáveis frases e “posts” de auto-ajuda; ou para ver os vídeos de mau gosto, ou para ler “fakenews” ou para piadas de baixo nível… Muito pouca coisa realmente útil e necessária ocorre no whatsapp…
O mesmo ocorre com as mídias sociais. Terra de Ninguém, Mundo Paralelo, Mundo Artificial. Estas são algumas alcunhas que podemos dar a elas. Inicialmente, uma ferramenta de interação, de ampliação do círculo de amizades, um lugar que reúne mais de um bilhão de pessoas, o facebook transformou-se em uma fonte de problemas e de doenças.
Recentes estudos estão mostrando que o uso frequente e desmedido do Facebook é capaz de produzir alterações físicas no cérebro. Quando estamos nele, ficamos mais impulsivos, mais narcisistas, mais desatentos e menos preocupados com os sentimentos dos outros. E, quase que invariavelmente, mais infelizes. Isto porque a realidade ali mostrada não é a verdadeira. Não estamos sempre lindos, felizes e cheios de bens materiais como parece ocorrer naquele espaço virtual. Ver seus amigos na praia, à beira da piscina, ou tomando uma cerveja gelada enquanto você se encontra à frente de uma mesa de trabalho cheia de tarefas a fazer é algo que inevitavelmente o levará à depressão…
Até porque, no facebook, não é mostrado o quanto aqueles amigos tiveram que trabalhar para, naquele momento, estarem de férias, ou viajando pela Europa…
Muitas das postagens despertam sentimentos negativos, propiciam uma quase inevitável comparação. Quanto mais “amigos” mais estresse para poder acompanhar as centenas, ou milhares de postagens diárias. Sem perceber, você passa a sentir necessidade de “curtir” as postagens infindáveis. Por outro lado, seu cérebro sucumbe ao clássico condicionamento pavloviano – “um processo que descreve a gênese e a modificação de alguns comportamentos com base nos efeitos do binômio estímulo-resposta sobre o sistema nervoso central dos seres vivos”, ou seja, você passa a sentir necessidade de “ser curtido” e quanto menos “curtidas” mais estresse, e assim, você passa a ser escravizado por aquela “realidade” absolutamente artificial.
A sabedoria reside na Temperança, na moderação, a sobriedade e na discrição.
Avanços tecnológicos, inicialmente criados para potencializar a comunicação e ampliar a interação entre as pessoas, quando mal utilizados, podem produzir efeito diametralmente oposto. Afastar-nos de quem realmente amamos. Empobrecer nossas conversas. Reduzir nossas emoções, a mais eloquente forma de caracterização de Humanidade, em simplórios emojis…
Temos que tomar cuidado para não nos tornarmos prisioneiros da nossa liberdade, escravos de nossas livres escolhas. Então, precisamos urgentemente, retomar as rédeas de nossa rotina e repensar nossas opções. Sermos novamente livres, ou nos tornarmos, definitivamente, prisioneiros de um mundo irreal.
“Somos livres para escolher nossas ações, mas somos prisioneiros de suas consequências. Seja qual for sua escolha, lembre-se que o futuro é bem próximo e nada fica sem resposta.”
- Professor e Pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão do Unec, diretor geral da Unec TV, membro da ALB – Academia de Letras do Brasil -, da AMLM – Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas -, da ALTO – Academia de Letras de Teófilo Otoni e Presidente da ACL – Academia Caratinguense de Letras. Membro do MAC- Movimento Amigos de Caratinga e do Lions Caratinga Itaúna. É o Grande Secretario de Educação e Cultura do GOB-MG.