* Thales Rezende Coelho Alves
Recentemente temos passado por um momento muito delicado no Brasil, naquilo que se refere a nossas instituições, bem como no campo político e jurídico. Se vivemos num regime em que ninguém está acima da lei, essa legislação não pode ser interpretada de acordo com as conveniências de seus diversos atores.
Como advogado, sempre prezei pelo devido processo legal, pela ampla defesa, pelo contraditório. Ouvir a outra parte envolvida antes da condenação. É papel da Justiça, com o auxílio das Polícias, do Ministério Público e dos Advogados, investigar, processar e julgar. E esse julgamento precisa ser célere, senão torna-se “injustiça institucionalizada”, como dizia Ruy Barbosa.
Porém, não confundamos justiça célere com prisões antecipadas; condenações de opinião; sentimento de justiça pelas próprias mãos. A barbárie do cenário político não pode nos tornar bárbaros. A necessidade de se prender os culpados e os envolvidos em corrupção não deve sobrepor aos direitos fundamentais e as garantias constitucionais da pessoa. Não é momento de se inverter a ordem e os preceitos do Estado Democrático de Direito e fazer da prisão antecipada a regra geral (advogados e estudantes de direito sabem bem do que estou falando).
Enquanto muitos vibram com a pirotecnia jurídica de Brasília, esquecem que uma jurisprudência excepcional vai sendo criada e será essa mesma jurisprudência a ser acompanhada pelos tribunais inferiores e juízos de primeira instância, nos diversos casos que permeiam nosso cotidiano. Será cada dia mais difícil ao advogado reverter injustiças e prisões de exceção, decretadas ao arrepio da lei e dos princípios positivados em nosso ordenamento jurídico.
Ao falar sobre isso, lembro-me das inúmeras mães e pais que já atendi, ouvindo relatos do “injusto e antecipado cerceamento da liberdade dos filhos,” antes de terem a oportunidade de se defenderem, de se justificarem, de se explicarem. É no momento em que a injustiça bate em nossas portas que nossos advogados têm de bater às portas das Justiça. Até então, nestes momentos – ou em grande parte deles –, as prisões injustas eram cassadas via habeas corpus (figura em extinção diante da nova realidade jurídica). Hoje, prisões antecipadas e arbitrárias se revestem sob o pálio de preventivas, prisões necessárias em prol da ordem pública, da preservação da prova e do processo, para evitar a obstrução da Justiça. Aliás, tudo agora é “obstrução da Justiça”!
Sabemos que o povo está cansado, irritado, indignado, enojado e incrédulo. Mas será com exemplos e condutas corretas que cresceremos e amadureceremos para fazer o Brasil renascer ainda mais forte. Da mesma forma que não podemos combater a criminalidade colocando grades em nossas janelas e ficando reclusos em nossas próprias casas, também não estaremos contribuindo com a Justiça, realizando e aplaudindo prisões antecipadas. Mandados de prisões preventivas que deveriam ser raras exceções e agora têm se tornado a regra. A regra geral é e deve continuar a ser a da presunção de inocência. É o Judiciário que tem de ser mais célere. São os processos que não deveriam durar anos a fio sem solução e não o cidadão que deveria ser preso antes de ser julgado e condenado. A inversão dessa ordem legal pode causar um alívio ao senso comum da sociedade, a curto prazo. Mas é um remédio de terríveis efeitos colaterais, com danos potenciais de significativa relevância para o futuro dos direitos individuais e à liberdade. O princípio da harmonia e independência entre os poderes é pedra fundamental da qual não podemos nos afastar. Sobrepor um dos poderes aos demais, mesmo que seja o Poder Judiciário e seus órgãos auxiliares, desequilibra o eixo mantenedor de uma sociedade livre e democrática e permite o surgimento de distorções que devemos evitar a todo custo.
Sabemos que esse não é o posicionamento mais fácil de se defender. Seria mais popular falar da parte em que “estamos passando o Brasil a limpo”; “que todos os políticos são corruptos e, portanto, merecem a execração pública” etc… etc… Às vezes, parece que pessoas estão se divertindo com este novo Big Brother de prender políticos e empresários. Só que isso não é divertido. Isso é triste. Entretanto, é nosso dever alertar para que os exageros não aconteçam. A linha divisória entre justiça e justiceiro é tênue e, ao cruzá-la, estaremos mais próximos do fim do que do recomeço. Que não sejamos o país das delações; que não sejamos o país recordista em impeachments, em presidentes e ex-presidentes presos logo após seus mandatos; que tenhamos a oportunidade de escolher brasileiros honrados, honestos e capacitados para exercer os cargos públicos.
A demonização da classe política brasileira e o senso comum de que nenhum político presta, de que todos são ladrões, embora compreensível diante dos episódios recentes de corrupção nesse quadro de tamanha crise institucional, não é um sinal de amadurecimento político-social. A generalização de conceitos e, de preconceitos, é sempre perigosa. A “filosofia” disseminada por aplicativos de celular, twittada, compartilhada e reencaminhada no WhatsApp e republicada nas redes sociais, apesar dos benefícios da informação rápida, por vezes também vem acompanhada de propaganda ideológica subliminar, ódio, divisão entre o “bem e o mal” e massificação de grupos.
Mais que nunca é preciso que tenhamos discernimento e resiliência suficientes para, democraticamente, exercermos nossa cidadania. É preciso acreditar nessa democracia e ser proativo em relação às mudanças que tanto desejamos. Mas, repito, sempre ouvindo todas as partes envolvidas, despidos de preconceitos, aceitando as opiniões contrárias e, acima de tudo, agindo dentro de um senso de ética, transparência e honestidade.
*Thales Rezende Coelho Alves, é Advogado e Professor do Centro Universitário – Unec