Nesta semana fui indagado sobre o que a operação “lava a jato” poderia deixar de herança para o Brasil. Entendo que a corrupção não tem ideologia nem vinculação com regimes de governo, porém tem ligação direta com a fraqueza humana consistente no desejo de se ter muito além do necessário. Mas o que leva um indivíduo a desejar ter mais do que necessita, efetivamente, para sobreviver? Ter quatro ou cinco carros de luxo, vários relógios e joias? Deixamos tais questões para a reflexão do leitor.
A nosso ver, a corrupção tem relação direta com os desvios praticados pelos integrantes de uma sociedade com limites éticos fluidos; ela encontra seu espaço, por exemplo, na busca do lucro a qualquer custo, que se constitui terreno fértil para sua instalação. Ela viceja quando empresas propõem fazer negócios em troca de facilidades, mas alcança também os cidadãos, quando se dispõem a pagar qualquer valor para obter vantagens ilícitas de todo tipo, grandes ou pequenas, declaradamente danosas ou enganosamente inocentes.
A corrupção, ao contrário do que anunciam os comentaristas mal intencionados ou desinformados, não é uma invenção deste ou daquele partido político nem deste ou daqueles governos passados, que estiveram à frente da administração pública de qualquer esfera: Federal, Estadual e ou Municipal.
Por isso, em nossa opinião, o que a “operação lava a jato” deixa como herança é a necessidade urgente de se fazer uma reforma política de verdade no Brasil. Isto porque, como se anunciou recentemente, grande parte dos partidos políticos e seus afiliados com mandatos eletivos estão envolvidos, direta ou indiretamente, na “lista da Odebrecht”.
O dinheiro repassado pelas empreiteiras e outras empresas, no sistema até então vigente do financiamento privado de campanha eleitoral, tem permitido que políticos beneficiados pelos sistemas de arrecadação em curso, uma vez eleitos passem a trabalhar de forma a atender aos anseios dos seus financiadores de campanha, deixando de lado os interesses dos eleitores e da sociedade.
Na verdade, o sistema que consagra o financiamento privado de campanhas constitui um maltrato à democracia, pois somente o candidato com capacidade de arrecadar as maiores somas em dinheiro tem chances de vencer a disputa eleitoral.
Os outros cidadãos, que não têm recursos financeiros, dificilmente conseguem obter êxito em suas campanhas eleitorais, cada vez mais caras e de menor duração.
Tudo isto torna o processo político elitista e distante da realidade do povo, que somente é chamado a votar, num arremedo de participação, mas que, findo o pleito, é posteriormente expelido de tudo e impedido de participar efetivamente da construção da vida política, que diz respeito à toda a sociedade.
Sendo assim, o que mais se vê são políticos eleitos pelo povo, porém trabalhando diretamente contra os interesses da população, sem prestar qualquer conta de seu mandato aos eleitores.
Por tal razão, a “operação lava a jato” deixa como herança para a sociedade mais do que a prisão de alguns políticos ou a quebra das empresas de engenharia acusadas de corrupção (com o consequente desmonte de toda a cadeia de trabalho e produção que existia em torno delas): essa operação, com todas as suas consequências, demonstra a premência de se revisar, de forma urgente e verdadeira, o sistema político brasileiro, para que o nocivo sistema do financiamento privado seja eliminado e substituído pelo financiamento público, para que todos os candidatos tenham as mesmas oportunidades, de forma igualitária, conforme pressupõe o princípio republicano.
Pois, em sua conformação atual, vemos que a política institucional apequenou-se, tornando-se lugar de gente rica, a defender interesses de sua casta; ou para quem almeja apenas obter alguma vantagem, não importa se de natureza econômica, religiosa ou corporativa.
A política – como tenho afirmado em outras oportunidades – é o lugar de luta, de ação e de reivindicação de direitos; não é lugar para omissão nem para postulados da moral e de supostos bons costumes.
Talvez o mal maior da política atual não seja a corrupção em si, mas a omissão da sociedade em participar e lutar por seus direitos, aliada à sua inércia em exigir a devida prestação de contas dos governantes e dos parlamentares.
A sociedade, porém, também não pode deixar o seu destino nas mãos da burocracia (seja a administrativa, a do Ministério Público ou a do Poder Judiciário), mas deve enfrentar, sem receio, os seus problemas e impasses, da forma como fazemos em casa diante do surgimento de qualquer problema.
Pois é conversando e debatendo que se resolvem os problemas. Daí a necessidade de se ocupar os espaços públicos como praças, ruas, escolas e universidades para se debater os problemas da sociedade.
Porque, na verdadeira política, é o povo que deve determinar o que seus mandatários precisam fazer para a sociedade. Mas o que se constata é o processo inverso, em que os mandatários (políticos com mandatos eletivos), de forma deturpada, dizem para a sociedade o que ela deve fazer.
Sendo assim, estamos diante de um grave desvio da finalidade da política contemporânea, que necessita ser corrigido pela própria sociedade, pois é esta que, com seus acertos e desacertos, constitui as bases da democracia.
Jorge Folena
Advogado constitucionalista e cientista político