Comentários ofensivos viralizaram entre estudantes de Caratinga. PM alerta para crime de injúria e Superintendência de Ensino traça estratégias
CARATINGA- “De bonita, só o cabelo…”, “testuda”, “parece uma tábua reta…” ou “bonitinha”. Esses e outros adjetivos deram o que falar nos últimos dias. O que parecia para alguns como apenas uma brincadeira, acabou ganhando sérias proporções. As listas divulgadas nas redes sociais espalharam com uma velocidade espantosa.
O fato envolveu quase que em sua totalidade estudantes, menores de idade. Com os ânimos exaltados, quem se sentiu ofendido acabou gerando debates nas redes sociais e a troca de ofensas acabou em agressão física. O vídeo que circula na internet foi gravado no interior da Escola Estadual Princesa Isabel, centro de Caratinga. Na noite anterior ao episódio, adolescentes já marcavam a briga contra a suposta autora das listas, nas redes sociais. Nas imediações da escola, a aglomeração de adolescentes chamou a atenção e foi preciso auxílio da Polícia Militar para dispersar os curiosos.
A moda acabou se alastrando para cidades da região e já há notícia de incontáveis listas que estão sendo confeccionadas. Com conteúdo ofensivo e por vezes, preconceituoso, esta não é a primeira vez que materiais deste tipo são espalhados pela web. O DIÁRIO DE CARATINGA conversou com a Polícia Militar e com a Superintendência Regional de Ensino para tratar sobre o assunto e saber quais providências estão sendo tomadas.
INJÚRIA
De acordo com o sargento Leonardo Mendes, o ato praticado pelos autores destas listas pode ser classificado como crime de injúria e quem se sentiu ofendido pode registrar um boletim de ocorrência. “Esse tipo de delito é crime de ação privada, cabe à vítima representar o fato na Delegacia. A pessoa que se sentir ofendida pode procurar o órgão policial, prestar a queixa, juntar e-mails, materializar a prova, imprimir, pode ser até mesmo o próprio celular, numa forma de juntar uma prova material sobre o fato”.
No entanto, neste último caso, a PM ainda não foi procurada para registro de queixas. “Nesta última situação, até o momento, não houve registro de injúria. Só a gente realizando patrulhamento preventivo para evitar briga na saída de escola”.
A PM faz um trabalho junto às escolas, atuando de maneira preventiva, de maneira evitar que as portas das escolas sejam palco de agressões físicas. “Algumas escolas solicitam de vez em quando na saída da escola e mesmo sem solicitar já tem esses trabalhos de polícia comunitária e patrulha escolar que realiza esse trabalho preventivo nas escolas. Agindo preventivamente, de acordo com a demanda. A própria PM sempre já tem o contato, realiza visita nessas escolas. Mas, a diretora que sentir a necessidade também pode nos procurar”.
Sobre as atitudes praticadas pelos adolescentes, o policial faz um alerta sobre as consequências. “Os pais são responsáveis legais por eles, mas o menor também é atingido por algumas medidas previstas pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Pode ter algum tipo de punição cabível para o menor também”.
Sargento Leonardo ainda ressalta a importância do cuidado familiar, no acompanhamento das crianças e adolescentes nas mídias sociais. “Muitas vezes a pessoa acha que por estar na internet, está no anonimato, mas existem mecanismos de identificação de autoria de quem está praticando esses atos. Os pais têm que ter um controle, porque a internet dá acesso a todo tipo de informação, benéfica e do mal. Cabem aos pais acompanharem o dia a dia dos filhos”.
INDISCIPLINA X VIOLÊNCIA
Quem trabalha na área educacional tenta entender o comportamento dos adolescentes frente aos seus anseios e dúvidas. Trazer o conceito de convivência democrática para o interior da escola com ferramentas como assembleias, práticas restaurativas e espaços para fala. Esse é o norte da proposta de ação do Programa de Convivência Democrática nas Escolas e é baseado nesta ferramenta que a Superintendência Regional de Ensino de Caratinga pretende trabalhar casos como o registrado na última semana.
Segundo a coordenadora da diretoria educacional da SRE, Lucy Rosane Raposo, primeiro é necessário entender os conceitos de indisciplina e violência. “Nem sempre um ato de indisciplina burla a regra social, que é de respeito ao outro. Há muitas escolas que pensam que é só a questão da aprendizagem. Mas não, aprender a conviver, socializar-se é importantíssimo. O Programa de Convivência Democrática vem trazendo essa distinção, que violência é uma coisa e indisciplina é outra. Pode ocorrer que indisciplinas comumente ocorrendo possam gerar a violência. Agora ela se manifesta também nas gerações de forma diferente. Esse caso das tribos, que a gente chama desses grupos juvenis, isso tudo tem a ver com autoafirmação. Com relações de poder um sobre o outro, que tem a ver com questões sociais, também com empoderamento”.
Para auxiliar nesta tarefa, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) também apresentou a proposta de um sistema em rede, que permitirá a coleta de dados sobre a violência nas escolas. “As escolas vão assumir isso. A Secretaria também detectou que não temos um banco de dados sobre a violência nas escolas, informações. Já saiu a primeira versão, estamos testando o Sistema de Registros de Situações de Violência nas Escolas, que é um link que as escolas vão entrar, é preservada a identidade e vão registrar esses casos para mapear os índices de violência nos territórios”.
De acordo com a coordenadora, com um planejamento estratégico será possível entender o agir dos adolescentes e fatores que podem desencadear no descontrole de um ato, como a briga registrada no Princesa Isabel. “Quando acontece uma coisa dessas a gente fica pensando o absurdo e é verdade. Mas, isso é uma séria de fatores, a própria juventude. Hoje com a rapidez da internet, isso é fogo alastrado. É muito rápido. A Secretaria está criando ferramentas para compreender como essa violência se manifesta e distinguir a violência, que é burlar regras sociais, desrespeito ao ser humano na sua integridade e a indisciplina. A indisciplina ocorre mais vezes, a violência menos vezes, mas quando ocorre é estrondosa”.
Lucy destaca que as pessoas precisam aprender a conviver umas com as outras e discutir sobre os assuntos. “Se eles não discutirem relativiza tudo, tudo é naturalizado. Aquilo que é um valor supremo, que é a vida humana é banalizada. Ele tem que ser contestado, confrontado com essas ações: ‘Se você estivesse nessa situação, você gostaria que seu nome estivesse em uma lista dessas’? É a organização dos alunos na escola, um conjunto, são três grandes ações. O aspecto da própria gestão democrática, que pressupõe diálogo. Alunos com representantes, ter assembleia na sala, conselhos de estudantes para discutir os problemas. O aluno tem que participar, se envolver ou ser perguntado sobre isso, o protagonismo juvenil. Pensar nas ações, os desdobramentos que uma ação de uma pessoa faz, afeta uma escola, colegas ou rua”.
A diretora da SRE, Landislene Gomes, a Landinha, ressaltou que a ideia é repensar o papel do professor e aluno na sala de aula, na capacidade de lidar com as mais diversas situações. “Às vezes o professor entra na sala de aula e ela está em alvoroço. Se o professor chega e tem uma forma de conduzir, a fala dele é essencial. ‘Gente, qual é o assunto? Por que tanta fala? Vamos fazer uma roda de conversa e debater este assunto’. Vou diminuir a indisciplina. Agora o professor vira: ‘Não quero saber, estou dando a nota, senta lá fulano’. Ele começa a gerar a indisciplina e pode partir pra violência do aluno levantar, jogar uma cadeira. É essa a preocupação, preparar os professores, diretores e especialistas para lidar com esse aluno, que hoje já não está concordando tanto com o modelo de aula que está acontecendo”.
Landinha ainda chama atenção para outra preocupação: a família. “O pai hoje não está tendo tempo para virar para o filho e perguntar como foi o seu dia na escola hoje. Eles estão loucos para falar, contar o que está acontecendo na escola. O filho está dando sinal que ele quer falar, os pais não estão tendo tempo de ouvir, de ir para a escola, conhece-la, na reunião dos filhos. E quando acontece a situação que aconteceu acorda toda uma sociedade”.
Em relação ao caso das supostas listas, a diretora da SRE afirmou que foi comunicada sobre problemas relacionados a isso, somente pela Escola Estadual Princesa Isabel, que já tomou as medidas necessárias, como acionamento da Polícia e convocação das famílias dos adolescentes envolvidos na agressão física. “Estive na escola, a ação foi correta, os alunos sendo ouvidos e estamos em alerta. A Superintendência está à disposição e estamos dando todo suporte. Isso nos fez debruçar ainda mais sobre o Convivência Democrática para a gente agir, nos deu mais atenção”.
De acordo com a Superintendência, a partir da próxima semana o Programa será apresentado às escolas, que já devem começar a colocá-lo em prática.