UMA FERRAMENTA DE GESTÃO PREVENTIVA DE RISCOS
* Adriana Barbosa Sales de Magalhães
Durante toda a história da humanidade foram encontradas sucessivas soluções para o transporte, armazenamento e tratamento da água destinada ao consumo humano, entretanto, somente no século XIX, comprovou-se a relação direta entre água contaminada com microrganismos patogênicos e surtos de doenças entre os seres humanos.
Em 1958 a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a primeira edição do International Standards for Drinking-Water que fornecia padrões mínimos químicos e bacteriológicos de qualidade, considerados razoáveis para o abastecimento de água para a utilização doméstica, além de uma descrição detalhada dos métodos adequados para a análise.
Naquela época a OMS não determinava um padrão de potabilidade único, sugerindo padrões europeus e padrões internacionais. Os internacionais propunham padrões mínimos, considerados possíveis de serem alcançados por todos os países. Porém, os padrões europeus eram mais rigorosos pois considerava-se a privilegiada posição econômica e tecnológica dos países envolvidos. De acordo com a OMS, os padrões internacionais mínimos estabelecidos visavam estimular a melhoria da qualidade da água em todos os países, esperando-se que, com a ascensão econômica e tecnológica dos países menos desenvolvidos, fosse possível a determinação de padrões mais rigorosos.
Em 1984 a OMS publicou pela primeira vez o Guidelines for Drinking Water Quality (GDWQ), um guia com orientações relativas à qualidade da água para consumo humano, direcionado a todos os países, sem distinção econômica ou tecnológica.
Os guias da OMS objetivam embasar as iniciativas de estabelecimento de padrões e práticas para obtenção de água potável nos diversos países, dando suporte ao desenvolvimento e à implementação de estratégias para o gerenciamento dos riscos à saúde associados à água para consumo humano.
Os sistemas de abastecimento de água para consumo humano devem apresentar níveis de desempenho que mereçam a confiança dos consumidores na qualidade da água que lhes é fornecida não devendo estar limitados somente ao cumprimento de requisitos legais, mas também deve-se assegurar a sua segurança e níveis elevados de aceitação, haja vista que uma água pode estar dentro dos padrões de potabilidade, porém apresentar baixa aceitação pelos consumidores.
Perante as limitações na metodologia de controle e gestão da qualidade de água para consumo, da lista de parâmetros não refletir toda a diversidade de poluentes presentes no ambiente/sistema e dos volumes de amostra utilizados no monitoramento não serem totalmente representativos, em 2003 a OMS publicou a 3.ª edição do GDWQ, onde identifica no capítulo 4, intitulado Water safety Plans (Planos de Segurança da Água – PSA), que “a forma mais eficaz de garantir sistematicamente a segurança de um sistema de abastecimento de água para consumo humano consiste numa metodologia integrada de avaliação e gestão de riscos que englobe todas as etapas do abastecimento de água, desde a captação até o consumidor.”
E o que isso significa? A água distribuída pelas Estação de Tratamento deve estar de acordo com os padrões de potabilidade estabelecidos na Portaria do Ministério da Saúde, que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Entretanto, implantar o PSA vai além! Pois também passa a ser de incumbência dos responsáveis pela operação de sistema de abastecimento de água, manter avaliação do sistema de abastecimento, sob a perspectiva dos riscos à saúde, com base na ocupação da bacia contribuinte ao manancial, no histórico das características de suas águas, nas características físicas do sistema, nas práticas operacionais e na qualidade da água distribuída.
Dentro dessa perspectiva, o PSA é definido como um instrumento que identifica e prioriza perigos e riscos em um sistema de abastecimento de água, desde o manancial até o consumidor, visando estabelecer medidas de controle para reduzi-los ou eliminá-los e estabelecer processos para verificação da eficiência da gestão preventiva, ou seja, desloca-se o foco de atenção no produto final que é a água tratada para gestão sistêmica do processo.
Salienta-se que os princípios do PSA recomendados pela OMS estão dentre as exigências contidas na atual Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde. Governos, operadores de serviços e academia tem se debruçado no tema para propor a melhor estratégia de implantação dos PSA de forma integrada.
Apesar de todas as recomendações de órgãos internacionais e nacionais, ainda assim, a maioria dos municípios brasileiros não dispõe de PSA constituindo-se um desafio na gestão das águas. Neste contexto, para implementação do PSA, faz-se necessário que sejam discutidas estratégias para o desenvolvimento de programas e ações que envolvam os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH), representantes de órgãos e entidades públicas, municípios contidos na Bacia Hidrográfica, agente regulador, prestadores de serviços, usuários, entre outros.
Como ferramenta de gestão preventiva de riscos, avaliar as vulnerabilidades do sistema identificando potenciais ameaças é importante, pois dessa forma, serão elaborados planos de emergência específicos. Dentre outros benefícios o PSA irá otimizar investimentos, reduzir custos no tratamento da água, padronizar procedimentos laboratoriais, garantindo a qualidade da água e oferecendo mais segurança e confiabilidade aos consumidores.
Considerando que a qualidade da água se encontra comprometida devido a vários fatores tais como contaminação dos mananciais, deficiência nos serviços de esgotamento sanitário, acidentes com produtos perigosos nos mananciais de abastecimento, lixiviação de agrotóxicos, chorume, e outros contaminantes, o PSA é uma ferramenta importante para o fornecimento seguro da água, uma questão fundamental para a proteção da saúde pública.
*Adriana Barbosa Sales de Magalhães, Bióloga pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC – Bahia), Mestrado e Doutorado em Botânica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Pós doutorado em Saneamento Ambiental (UFV). Professora do Centro Universitário de Caratinga
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