Walber Gonçalves de Souza
Cresci ouvindo que a primeira vez que o mundo acabou foi por causa de um dilúvio, as águas inundaram todas as partes e a humanidade e as demais espécies de seres vivos foram salvos pelo homem da arca, o obediente Noé. Desde os tempos de menino ouvi também, que da próxima vez que o mundo fosse acabar ele seria devastado pelo fogo, tudo seria queimado e destruído. Sei que são crenças religiosas que fazem parte da cultura e do imaginário, que podem ser interpretadas e questionadas, mas até que ponto elas não fazem sentido? Mas dentro do contexto simbólico destes fatos e personagens históricos, desta vez quem seria o Noé que iria nos proteger do fogo?
Ainda quando criança cheguei a pensar que uma guerra mundial, uma explosão atômica provocaria o fim do mundo. O tão falado fogo cumpriria a sua profecia. Sei que não é impossível acontecer, principalmente por vivermos em um mundo tão intolerante e ao mesmo tempo de enorme avanço bélico. Mas estou começando a acreditar que o fogo, aos poucos, lentamente, vem cumprindo os seus desígnios mitológicos.
Alguns teóricos afirmam que o ambiente em que vivemos acaba refletindo quem nós somos. Para alguns pensadores ao analisarmos a casa, os objetos que usamos é possível descrever um pouco de nós. E realmente, uma casa sempre suja revela que seus moradores são pessoas que vivem com pouca higiene. A aparência pode revelar as vaidades, os estados dos nossos objetos, como lidamos com eles, se zelosamente ou não. Enfim, o nosso entorno mostra quem somos nós.
Se a teoria exposta anteriormente estiver correta, a paisagem de uma determinada localidade reflete as características da sua população. Assim, quando olhamos a Pedra Itaúna, conseguimos também decifrar quem somos nós, nossas crenças, nossos pensamentos, e principalmente quais estão sendo as nossas atitudes.
A Pedra Itaúna, um dos nossos cartões postais, e que deveria ser protegida, pois é considerada uma APA (Área de Proteção Ambiental), está sendo abandonada por praticamente todos nós. Alguns por negligência e a grande parte por omissão.
Estamos vivendo uma crise hídrica, alternativas são pensadas, fala-se em transposição de água de outros rios, em construção de reservatórios. Acredito que estas medidas são eficazes sim, mas não para resolverem o problema. São medidas paliativas. Se reservatório resolvesse em definitivo o problema, em São Paulo nunca faltaria água. Mas não é o que estamos vendo acontecer.
É preciso cuidar, cuidar das nossas áreas verdes. É preciso plantar, reflorestar, ou no mínimo deixar que a natureza cuide de si mesma, sem que nossas ações interfiram no processo. Imagine um cenário, se ao longo dos últimos 10 anos a Pedra Itaúna não tivesse passado por nenhuma queimada, como ela estaria hoje? E as nascentes ao seu redor? Qual seria a passagem que estaríamos contemplando?
A Pedra Itaúna está precisando de nós, da nossa atenção, do nosso cuidado! Se realmente queremos dias melhores, sem seca, sem lamúrias, devemos cuidar das nossas matas e permitir que áreas que deveriam ter matas, as tenham, que é o caso da APA Pedra Itaúna. Não dá mais para permitir, impunemente, ano após anos, assistir sua destruição. Algo precisa ser feito, medidas precisam ser tomadas.
Como sugestão, às vezes penso: quem sabe o Tiro de Guerra possa ser transferido de lugar e entre as suas atribuições ficar responsável pelo monitoramento e zelo para com a APA Pedra Itaúna. Seria um ganho para todos nós!
E voltando ao fogo da profecia, nossas ações estão tornando-a uma realidade, quantas vezes nossos olhares contemplaram dias de queimadas da vegetação que compõem a paisagem da Pedra Itaúna ou outras áreas próximas da nossa cidade! Praticamente em todos os anos, a história se repete, queima-se tudo. Há poucos dias presenciamos mais uma tentativa de atear fogo na região de um dos nossos cartões postais. É triste, mas parece que estamos querendo ver a crença se concretizar.
Walber Gonçalves de Souza é professor.
Um comentário
BITENCOURT CARVALHO
A Pedra da Itaúna, no meu tempo de criança era chamada de Pedreira do Silvio, coberta de exuberante vegetação. Me lembro ainda, quando um grupo de norte-americanos esteve acampado na encosta do morro, muito antes da construção do Santuário. As pessoas comentavam que a montanha possuía muito ouro. Eu residia na Rua dos Operários, e à noite, quando abria a janela, não só eu, mas diversas pessoas viam uma bola de fogo que se dirigia até a pedra. Diziam que era a Mãe do Ouro. Com 12 anos nos mudamos para o Rio de Janeiro, porém a dúvida permanece até hoje. Será que a Pedra da Itaúna possui Urânio, Nióbio ou algum metal nobre, ou será minha imaginação? Um abraço para todos de nossa querida Caratinga.