- Marina Matos de Moura Faíco
As fitas ou laços de conscientização são a representação de luta, de cooperação, de manifestação por uma causa. No caso do outubro rosa, o laço rosa representa uma campanha pela prevenção ao câncer de mama. O laço azul, divulgado amplamente no mês de novembro, representa a luta contra o câncer de próstata. E da mesma força temos o laço vermelho, o dourado, o verde, temos laços de todas as cores…
Uma reflexão importante a ser realizada é sobre o que move toda esta campanha de laços e fitas. Todo o processo de diagnóstico e enfrentamento do tratamento de um câncer ou outra doença grave como a AIDS (laço vermelho) nos faz pensar, refletir, analisar sobre a importância da VIDA.
O risco de MORTE paradoxalmente faz o AMOR à VIDA crescer.
Uma entrevista com uma jovem acometida pelo câncer de mama e curada da doença exibida na mídia durante a campanha do outubro rosa levantou questões que merecem ser refletidas e comparadas com o que se tem visto também em mídias sociais a respeito da importância de valorização da vida e das relações humanas – da “humanização”!
Geralmente encontramos depoimentos lindos de pessoas mais vividas, mais experientes nos chamando atenção para a valorização da vida e fazendo verdadeiros apelos sobre não ter PRESSA! Sobre VIVER um dia de cada vez, sobre valorizar os detalhes, sobre se doar e receber e, SOBREVIVER…
As discussões em torno da “HUMANIZAÇÃO” na saúde, e principalmente no parto, parecem, como quase tudo hoje, ter tomado proporções descabidas, discussões pretensiosas e sofrido distorções de conceitos.
Humanização se refere ao ato de HUMANIZAR, suavizar, inspirar a humanidade, sendo, portanto, uma prática NATURAL e PRÓPRIA do gênero humano, desde o surgimento da vida na face da terra (dicionário Aurélio).
Não é possível imaginar nenhum tipo de relação saudável entre pessoas sem a humanização. Quando o assunto é saúde então… Sem HUMANIZAÇÃO não há relação médico-paciente! A humanização precisa estar presente na consulta médica, na internação em qualquer das áreas, na definição do tipo de tratamento ou procedimento a ser realizado.
Quando o assunto é a VIDA, a relação entre pessoas não pode ser reduzida a uma negociação de mão única. Não somos objetos, não somos peças de um jogo de interesses, não somos mercadorias… Não somos o centro do mundo e o número de likes ou curtidas que temos não necessariamente representa quem somos. Mais vale o que fazemos pelos outros… O egocentrismo nada tem haver com a humanização. Muito pelo contrário, é exatamente o contrário disso.
Valorizar a VIDA é completamente diferente de se achar o centro do mundo…
Não somos seres que vivem sozinhos. E se observarmos, produzimos e nos tornamos melhores cada vez que fazemos mais pelo outro. A nossa recompensa é a consequência de nossas ações.
A reflexão que precisa ser feita em relação a todas essas campanhas de conscientização e nas discussões a respeito dessa relação entre pessoas, quando a VIDA de alguém está em jogo, envolve o desejo e o prazer de cuidar do próximo, não apenas como uma forma de trabalho ou de se superar tecnicamente, mas como um modo de ajudar o outro e concretizar uma troca de experiências, enriquecendo os dois lados, o do médico e o do paciente.
O diagnóstico de uma doença grave como o câncer é vivenciado como um momento de imensa angústia, sofrimento e ansiedade. Impossível não associar essa notícia à possibilidade de morte precoce o que gera uma influência negativa na qualidade de vida da pessoa. A descoberta de um nódulo na mama é uma das ocorrências que mais ansiedade provoca na mulher. O período entre a observação e o esclarecimento da origem e natureza da lesão pode originar a cancerofobia, uma reação de pânico que pode ser considerada uma doença tão séria quanto o câncer é para a mulher. Esse momento tão difícil expõe a completa fragilidade da mulher ou do ser humano e a dependência de pessoas que os tratem de maneira humanizada, que os acolham, que lhes estendam a mão… Sozinho não há como vencer um desafio desses!
Sem um atendimento humanizado, respeitoso, não há como vencer uma doença que ameaça a VIDA.
Paradoxalmente, campanhas sobre o parto humanizado levantam a bandeira do empoderamento da mulher frente a TODAS as decisões a respeito de um momento que pode colocar em risco de MORTE a sua vida e a de seu filho, ou seja, de no mínimo duas pessoas. É um contrassenso!
O parto humanizado é aquele que permite a participação ativa da mulher na tomada de decisão sobre a assistência no seu trabalho de parto, com a vantagem do conhecimento ESPECIALIZADO de médicos, permitindo a TODOS trabalharem JUNTOS, envolvendo o uso de tecnologia e intervenções baseados em evidências. Uma visão que permite tornar o parto uma experiência positiva e satisfatória para a mulher e sua família, assegurando uma assistência adequada e SEGURA para o binômio materno-fetal.
Não é possível conceber a distorção sobre esse conceito que tem levado mulheres a colocarem a risco a sua VIDA e a de seu(s) filho(s). Partos em casa, sem recursos tecnológicos, sem assistência técnica adequada, além de arriscados, costumam custar mais do que os feitos com uma assistência hospitalar com profissionais habilitados e especializados a lidar com essas situações. A maior evidência da desumanização é a utilização de tal distorção para vender um serviço que expõe mais de uma vida ao risco de MORTE.
É preciso lutar sim e sempre pela HUMANIZAÇÃO, na verdadeira essência de seu conceito. A humanização no parto, quando a VIDA está por perpetuar em outra VIDA…, e no tratamento de doenças graves como o câncer, quando a VIDA é ameaçada e quando a vontade de SOBREVIVER muda a VIDA! É preciso lutar para VIVER, é preciso saber VIVER, é preciso pensar sobre VIVER…, em cor de rosa, azul, dourado, vermelho, em todas as cores!
* Drª Marina Matos de Moura Faíco, Médica Ginecologista e Obstetra , Mestre e Doutora em Fisiologia pela UFMG, Professora e Pesquisadora do UNEC.
Mais informações sobre a autora em http://lattes.cnpq.br/5256973785497421