DIÁRIO entrevista duas referências do jornalismo caratinguense: Humberto Luiz e Carlos Alberto Fontainha
Humberto Luiz Salustiano Costa e Carlos Alberto Fontainha são dois grandes nomes não só do jornalismo caratinguense, mas de toda Minas Gerais. Eles vivenciaram as transformações ocorridas na imprensa nas últimas décadas e têm muito a nos ensinar. São verdadeiros mestres. A nossa intenção seria um bate-papo entre eles, mas contratempos sempre ocorrem e as perguntas foram enviadas por e-mail. Nas respostas, verdadeiras aulas sobre jornalismo e um pouco da história desses ícones de nossa imprensa.
Humberto Luiz, o nome do JC
Um dos fundadores do “O JORNAL DE CARATINGA”, o JC, semanário que circulou ininterruptamente durante longos 43 anos, e um dos decanos do jornalismo de Caratinga, Humberto Luiz, sempre teve pela mídia impressa uma predileção muito especial. Aqui ele fala da sua vivência na imprensa em Caratinga e na cidade que o viu nascer, Teófilo Otoni.
Em nosso meio viveu a fase áurea do SISTEC – Sistema Caratinga de Comunicação, empresa que era constituída de três emissoras de rádio, um jornal semanário, uma revista e um canal de TV. Atualmente são apenas duas emissoras de rádio e um canal de TV.
Vamos às nossas indagações:
Como e quando o senhor ingressou no jornalismo?
O meu surgimento no jornalismo se deu em minha terra natal, Teófilo Otoni, na década de 60, como locutor e noticiarista da Rádio Teófilo Otoni. Ali foi a grande escola. Por algum tempo, no entanto, me dediquei à política, elegendo-me vereador, de cujo período não guardo boas recordações. O jornalismo é que de fato sempre exerceu em mim um fascínio muito grande, tanto é que até hoje, do alto dos meus 80 anos, me encontro, com muito orgulho, engajado nesse meio. O meu ingresso no jornalismo se deu, efetivamente, a partir da minha participação como um dos produtores e apresentadores do programa radiofônico transmitido pela emissora de rádio daquela cidade, chamado A Voz do Estudante, de responsabilidade da União Estudantil de Teófilo Otoni, da qual fui presidente.
As redações e as “ruas” renderam boas histórias. O senhor poderia nos contar uma que mais marcou a sua atuação?
Muitas são as histórias por mim vividas ao longo dos meus muitos anos fazendo jornalismo. Umas tristes, outras menos tristes, e outras tantas pitorescas. Talvez a mais engraçada tenha se dado numa madrugada fria de junho de 69, por ocasião do fechamento de uma edição do JC, à época com 24 páginas, era feito na Tipografia Regina, do Sr. Roberto Barros, que ficava na Travessa Santos Mestre, esquina com a Avenida Olegário Maciel. Naquela época o jornal era feito juntando-se letra por letra, os chamados tipos, que eram colocados num componedor, utensílio que o tipógrafo reúne manualmente os tipos, formando-se palavras e frases; a impressão se dava página por página. Imprimia-se uma página, distribuíam-se os tipos e só aí era composta nova página. Naquela madrugada, aguardava a impressão da primeira página, isso por volta das três e meia da matina. Mas como fazê-lo se a máquina impressora, chamada de queixo duro, fazia um barulho infernal? Defronte da tipografia existia o Hotel Avenida, da dona Tereza e do Sô Jairo, da tradicional família Breder. No dito hotel era hóspede o Coronel Altivo, um respeitabilíssimo Delegado de Polícia, e também dos mais rigorosos em fazer cumprir a lei. No mesmo hotel estava hospedada a delegação de um time de futebol do Espírito Santo, que tinha jogo programado contra o Esporte Clube Caratinga, como parte das comemorações de mais um aniversário da cidade. Enquanto eu matutava o que fazer para que a máquina barulhenta pudesse operar sem prejudicar o sono de ninguém do hotel, eis que ouço à distância os acordes da Banda de Música Santa Cecília, cujo maestro era meu amigo do peito. Sem pensar duas vezes fui ao encontro da nossa “furiosa” e dela conseguindo a alteração no seu trajeto, previamente estabelecido, do qual não constava a Travessa Santos Mestre. Muito solícito o maestro trouxe a banda, tendo a mesma se postado defronte ao hotel, e com isso fazendo com que os hóspedes acordassem numa boa, ao som de bonitos dobrados. Foi quando se misturaram os sons da impressora barulhenta e da banda; com isso conseguindo imprimir o JC, que orgulhosamente distribuí durante o bonito desfile do dia 24 de junho, logo cedinho.
O jornalismo tem passado por grandes mudanças ao longo de décadas. Qual a sua análise dessas mudanças?
Disso tenho uma grande experiência, modéstia à parte, tendo passado por três fases da mídia impressa. A primeira delas, obviamente, a mais rudimentar foi aquela da formação de palavras, juntando-se letra por letra, para muito tempo depois fazer uso do linotipo, máquina que se encarregava de produzir as linhas completas, através do processo de fundição à base de chumbo. E mais recentemente, com o emprego do sistema off-set muito mais prático e menos dispendioso sob o aspecto de equipamento. No que se refere à mídia impressa, do ponto de vista das mudanças tangentes ao aspecto comportamental, o jornalismo se faz cada vez mais influente e categorizado, sendo, através de sua credibilidade, um dos meios mais importantes na formação de conceitos e opiniões.
Para que um jornal impresso sobreviva diante de tanta informação passada pela internet, o que deve ser feito?
O jornal impresso será sempre “o jornal”, o grande veículo. Ele fala mais de perto e até com um certo glamour no sentimento da gente, tendo o poder de se multiplicar nas mãos daqueles que o compram, que o assinam ou que o pedem emprestado. Há os que afirmam que o jornal impresso, com o advento da internet, tem os seus dias contados. No entanto, se não morreu até hoje, não morrerá jamais! Esse é o meu ponto de vista, já que sempre tive uma predileção especial pela mídia impressa, não importando o que dizem os internautas de plantão a respeito dessa minha predileção contumaz.
Ainda sobre a internet e seu imediatismo, o senhor é daqueles que corroboram com a tese de que atualmente o jornalista está mais acomodado?
Afinal, o mesmo jornalismo que alimenta a internet não é o mesmo que cuida da mídia impressa? Daí se concluir que o jornalista é um eterno operário da notícia, estando sempre alerta a tudo que acontece no mundo, hoje numa velocidade espantosa, exigindo do profissional uma atividade cada vez mais dinâmica, não sendo aplicado a ele a pecha de acomodado.
Hoje faltam boas pautas? Os meios de comunicação estão muito iguais?
Pela velocidade com que as coisas acontecem hoje em dia, basta que façamos um simples esforço mental para que possamos produzir boas pautas; assuntos aí estão a nossa volta no nosso dia a dia de comunicadores. Se os meios de comunicação estão muito iguais é porque não tem faltado talento e experiência aos profissionais da comunicação, verdadeiros garimpeiros da informação, sendo cada vez maior o chamado furo jornalístico pela ação perspicaz do jornalista do nosso tempo.
O senhor aprecia as mídias digitais?
Nada contra. Pelo contrário, entendo a mídia digital também como um poderoso meio de comunicação, que atualmente possui milhões de seguidores, embora continue fiel à mídia impressa, onde tenho procurado me realizar através do aprimoramento dos conhecimentos profissionais de quem está no meio há mais de cinquenta anos, vivendo diariamente do jornalismo, num país de grandes nomes da imprensa falada, escrita e televisada.
Atualmente, que realidade o jornalismo vive no Brasil? Os meios de comunicação estão mais partidários?
O Brasil, como é sabido, vive um momento dos mais conturbados em sua história. Quando não é violência, é corrupção. E nesse emaranhado de situações indesejadas e perniciosas, a realidade do jornalismo às vezes se confunde, dando lugar a posicionamentos nem sempre interessantes. A ingerência política pode ser considerada um complicador no aspecto da imparcialidade no trato da notícia. Há produto jornalístico para todos os gostos, tanto da esquerda quanto da direita, dando à notícia a coloração de acordo com a linha editorial das publicações, quer sejam jornal, revista ou outros tipos de publicações impressas, que existem aos milhares, Brasil afora.
Na imprensa caratinguense, quais os profissionais que o senhor admira?
Seria insincero, trairia a minha consciência se não dissesse que admiro a todos os meus colegas de profissão, que comigo ao longo dos anos têm ajudado a escrever a história desta cidade e de sua laboriosa gente. No entanto peço licença para mencionar um nome que me é, particularmente, muito importante na imprensa de Caratinga, pela sua sensibilidade e competência em todas as suas ações no jornalismo caratinguense: Veronici Maria da Silva Leite de Matos. Mulher guerreira, que tem sabido levar a bom termo a sagrada missão de fazer um jornalismo compromissado com a verdade e as boas e nobres causas comunitárias. Com determinação e coragem, há 22 anos, ela tem dirigido com muita proficiência o Diário de Caratinga nosso de todos os dias. Através dela saúdo todos da TV Sistec, da Rádio Caratinga AM e FM, da Rádio Cidade FM, do Jornal da Esquina, do Diário de Caratinga, do Jornal A Semana, da Doctum TV, da Revista Jararaca Alegre, da Unec TV, do Super Canal, todos aqueles que já existiram e aqueles que estão por vir, sempre com o mesmo objetivo de fazer de Caratinga uma cidade cada vez mais feliz e acolhedora.
Como o senhor se sente sabendo que é uma referência para o jornalismo não só de Caratinga, mas para todo o interior de Minas?
Essa referência a que você alude, sem falsa modéstia, não me julgo merecedor, embora, fazendo questão de recolhê-la como mais um gesto de bondade dos muitos que, de todos da imprensa de Caratinga, meus diletos amigos, tenho recebido. Sou muito grato a todos eles, e me confesso profundamente lisonjeado pela oportunidade desta entrevista, que muito me honra, e que efetivamente foi a primeira entrevista que tive o privilégio de conceder nesses anos todos de minha militância na imprensa. E por uma feliz coincidência esta primeira vez coincide com mais um marco na brilhante história deste jornal, que efusivamente felicito pelos seus 22 anos de existência, comemorados com esta edição de número 6366, de 21 de março de 2017.
Humberto Luiz