José do Carmo Veiga de Oliveira[1]
Seguramente, nos últimos trinta (30) ou quarenta (40) anos, nunca se viu uma situação como a que temos experimentado nos últimos meses, quando se trata de relações negociais, em qualquer nível de negócios. É sempre presente a alegação de que os contratos foram feitos para serem cumpridos, embora haja grandes controvérsias a esse respeito, podendo haver a suscitação de vários argumentos quando se trata de uma controvérsia que envolve valores de médio a alto montante em discussão.
No sistema imobiliário, por exemplo, existe a questão relativa à entrega do imóvel dentro do prazo estabelecido pela construtora e, assim, no que pertine também à possibilidade de sua prorrogação, em virtude de algum tipo de evento não previsto ou por razões várias que sempre se manifestam nesse contexto. Já tive a oportunidade de julgar centenas desses contratos ao longo da minha carreira na Magistratura e, às vezes, até mesmo nos Juizados Especiais, que foi um exercício paralelo à atividade forense, embora dela integrante por seis excelentes anos de aquisição de experiências e aperfeiçoamento.
Nos últimos tempos, várias teorias têm sido debatidas e que envolvem valores elevados quando se trata, por evidente, de algum tipo de desavença entre as partes contratantes. Basta observar que os contratos, em geral, sempre deixam algum tipo de cláusula que está às portas do Judiciário, em razão de algum evento futuro e incerto, nos termos do dispõe o artigo 121, do Código Civil. E essa situação sempre costuma se apresentar de maneira mitigada pelo Código de Defesa do Consumidor, quando se trata de alguém que se encontra em posição de hipossuficiência.
Até mesmo em se tratando de internação hospitalar, para que os nosocômios possam atender aos seus pacientes é necessário considerar a necessidade de aquisição de medicamentos, gases medicinais, equipamentos médicos e uma série de outras situações que envolvem, de maneira bastante interessante aspectos que envolvem esse tipo de prestação de serviços médicos/hospitalares.
Tenho tido experiências em várias situações em que os contratantes apresentam argumentos de toda sorte, especialmente alguns que têm certeza absoluta de que estão no caminho certo e que a possibilidade de “perda” é praticamente “zero”. Todavia, essa situação ocorre quando o cliente tem uma visão restrita ou não conta com todos os argumentos, máxime quando ele apresenta apenas o lado que lhe favorece, deixando à margem a outra “parte” dos fatos. E aí a culpa costuma ser debitada ao advogado contratado que, tal como o médico, deve solicitar todo tipo de exames do paciente para buscar a correta formulação do diagnóstico do caso concreto, evitando-se surpresas no curso do tratamento.
Tenho militado muito nessa área de contratos e sempre vejo profissionais que estão de maneira tal absolutamente certos de que a vitória está assegurada. Quando sai a sentença, é de se imaginar o estado de frustração, tanto do profissional quanto do cliente que jamais imaginou que pudesse ter a sua pretensão rejeitada pelo Judiciário. No entanto, quando se analisa apenas um lado dos fatos, divorciado do Direito aplicável, a visão é una e, por isso mesmo, não se consegue chegar a uma conclusão quanto aos pontos que ficaram fora do “retrovisor” e, dessa forma, não se tem como garantir um resultado que seja favorável ao cliente.
Ao longo da minha carreira ouvi vários comentários de Profissionais que sempre, ao saírem das audiências em que foram produzidas provas mediante oitiva de testemunhas, demonstrando confiança sobre os depoimentos que seriam colhidos naquela oportunidade, apresentando uma confiança que acreditavam capaz de assegurar ao cliente e, a ele próprio, tinham sempre a consciência do resultado positivo.
Nos meus tempos de auxiliar do Cartório do 2º Ofício, depois de encerrada a audiência, eu costumava fazer um exercício mental, por meio do qual “brincava” com o Advogado, dizendo que não teria chance de vencer aquela demanda, porque faltou esse ou aquele elemento probatório no curso da instrução processual. E depois de alguns dias, aquele elemento probatório era exatamente o que o Juiz havia examinado e estando ausente, era impossível acolher a pretensão do Autor ou do Réu.
Nos dias que correm, encontramos isso da mesma forma de antes. Todavia, o Direito está em constante evolução e isso nos deixa numa posição de maior dificuldade, porque nem sempre o que se espera é o que passa pela cabeça do Juiz, como se diz no jargão forense. Há necessidade de se preparar com o necessário denodo visando não encontrar na próxima “esquina” ou “curva” uma surpresa que desagrada tanto o profissional quanto o seu cliente.
No Tribunal do Júri, por exemplo, pelo desempenho da acusação e da defesa, no passado, era possível antever um resultado. Hoje, a situação é bem diferente. Não consigo entender como que em certas circunstâncias alguns Defensores conseguem “garantir” ao cliente um resultado positivo. Muitas das vezes vêm decisões que somente desmentem essa possibilidade e, muitas das vezes, com condenações elevadas.
Mas, qual é mesmo o nosso tema de hoje? Não tenho dúvida de que em todas as áreas da vida em sociedade todos pretendem uma solução para as suas dificuldades. Não se tem como assegurar um resultado positivo quando a decisão a ser proferida não se encontra em suas mãos. No Direito de Família, a situação não é diferente. Não basta o profissional qualificado por excelência e não obter um resultado favorável ao seu cliente, já que estamos tratando de situações em que cada um dos litigantes julga estar correto e dentro de uma perspectiva por meio da quais ambas as partes entendem estar corretas em seus posicionamentos.
Dias atrás recebi uma mensagem em que se afirmava que “a única pessoa que escuta os dois lados de uma discussão é o sujeito do apartamento vizinho”. Esse é o posicionamento do Juiz quando encerra uma audiência de instrução e julgamento e tem nas mãos o material necessário para expressar o seu sentimiento, que quer dizer, de fato, o sentimento do qual se acercou para formar a sua convicção no ato de julgar. A convicção é a mola mestra do ato de julgar um litígio. Sempre preferi decidir fora do contexto de audiência porque os ânimos costumam se elevar sobremodo. Por isso, o Juiz, ao encerrar uma audiência, tem sempre uma noção de direcionamento de sua decisão, o que evita situações terríveis como se vê em algumas ocasiões em que o marido termina por atentar contra a vida da esposa e/ou companheira, em virtude de desavenças conjugais.
São os fatos que desencadeiam as reações e, se conselho fosse bom, ninguém dava. Vendia! É necessário ter muita tranquilidade, reflexão, construção de pensamentos e raciocínios que são absolutamente personalíssimos e que cada Julgador tem o seu, embora muitos prefiram julgar ainda em ambiente da audiência, o que, ao meu sentir, respeitosamente, pode permitir a celeridade na entrega da prestação jurisdicional. Mas, é sempre possível, numa situação dessas, uma das partes, em pleno ambiente forense, partir para a agressão, ainda que apenas por palavras. Já tive situação desse naipe. É terrível…
Certa feita, deferi uma medida cautelar contra o companheiro de uma senhora que ficou com os seus cinco filhos, a quem se atribuiu a responsabilidade da guarda deles, ainda crianças. O indivíduo, numa certa madrugada, forçou a janela e desferiu cinco golpes de faca na ex-companheira e isso na presença dos filhos. Pela graça e misericórdia do Senhor, a mulher sobreviveu. Ele, no entanto, foi preso, julgado e condenado. Esse relato é apenas para exemplificar uma das muitas situações experimentadas quando se tem o dever de prestar a jurisdição.
Portanto, o caminho deve sempre ser o consultar não o travesseiro, mas, quem te erigiu à condição de Julgador: Deus, o melhor conselheiro que se pode ter no dia a dia de nossas profissões!
Como sugestão, lembremo-nos de Paulo, na Carta aos Romanos quando assim se manifesta:
“Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as cousas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!”

José do Carmo Veiga de Oliveira, Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; Mestre em Direito Processual pela PUC-MINAS; Doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP; Post-Doctor en Derecho – Universidad de Salamanca – España; Professor de Direito Constitucional e Processual da Pós-Graduação e de Direito e Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP; Membro da Academia Mackenzista de Letras – SP; Membro da Academia Paulista de Direito; Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.