Os carmelitas tiveram um papel muito importante na história da paróquia e esse assunto também é abordado por Dona Dulce. O primeiro pároco foi frei Inácio Verona (1952-1961) e frei Arcanjo Ruzzi foi o segundo pároco, pelo período de 1961 a 1969. “O freio Arcanjo criou aqui um coral, que fiz parte dele durante 20 anos, chegamos a cantar em um teatro em Belo Horizonte, vários casamentos e comemorações. Nosso coral foi o responsável pela música na ordenação do monsenhor Raul, cantamos lá em Inhapim”.
Ainda descreve frei Arcanjo como uma pessoa muito caprichosa em seu ofício. “Os alunos do seminário tinham dois cadernos, ele entregava um caderno ao aluno hoje, dava aula, para eles copiarem naquele caderno, dava a tarefa, os alunos levam para casa e faziam. No outro dia ele recolhia aquele caderno e entregava o outro. Ia para casa e desmanchava tudo que os alunos tinham feito para eles escreverem de novo, porque não tinha papel na escola. Era pobre, mas pobre mesmo”, se recorda.
Outro padre da Ordem dos Carmelitas Descalços, frei Carlos de São José, professor e filósofo, também é lembrado com muito carinho por dona Dulce. “Uma pessoa de uma cultura, duvido que aqui em Caratinga haja uma pessoa com a cultura dele. Foi diretor do Estadual, criou a escola Monte Carmelo e a escola de Artes e Ofícios; e foi diretor da faculdade. Quando a faculdade estreou, ele saiu conosco para a rua afora, fomos da primeira turma da faculdade, fazendo o desfile para agradecer. Ele trouxe para aqui uma educação muito grande, as portas do instituto Monte Carmelo ficavam todas abertas, ele falava que o portão era para visita, os alunos tinham as salas de aula. Era uma educação muito europeia, muito bonita”.
Ela se recorda de uma situação desagradável que o padre precisou enfrentar e que acabou prejudicando as atividades da igreja. “Uma pessoa entrou na igreja, com pé de cabra e ‘enfiou’ no sacrário que era de mármore de Carrara, frei Carlos trouxe da Itália, espalhou as hóstias consagradas na igreja toda. O papa fechou nossa igreja. Voltamos para a capelinha, participava da missa quase que na rua, porque ninguém entrava na igreja, era só o altar. Ficamos bastante tempo sem missa, o frei Carlos teve tanta raiva, que um dia falou comigo: ‘Dulce, eu vou para o inferno, eu fiz aquele buraco ali na parede, eu fico a noite inteira vigiando, mas o cara que chegar ali no sacrário, mato ele’. Ficamos sem igreja muito tempo, depois o papa voltou a mandar a benção, abrir a igreja de novo, mas, enquanto frei Carlos foi vivo, vigiou no buraco. Ninguém de noite podia entrar, que ele atirava mesmo, não tinha disso com ele”.
Outra história curiosa envolvendo frei Carlos é lembrada por Dona Dulce. “Quando ele era rapazinho, em casa, um dia chegou um alemão correndo e falou com ele: ‘Me esconde pelo amor de Deus, que o Hitler quer me matar’. Ele pensou: ‘Se eu contar lá em casa, numa hora de raiva eles soltam isso’. Ele pegou homem e colocou debaixo do assoalho, todo dia levava comida para ele, quando fazia muito frio levava cobertor. Não sabia, o homem era dono da Volkswagen, quando acabou a guerra, que conseguiu a riqueza dele de novo, todo ano mandava a passagem para o frei Carlos ir na Itália numa espécie de uma turnê fazendo palestras e ganhava com aquilo”.
Conforme seu relato, foi a partir desta ajuda que o frei conseguiu organizar e dar andamento aos projetos da igreja. “Foi onde ele pôde construir as igrejas dele aqui. A sala de costura da Escola de Artes e Ofícios tinha 54 máquinas novas, era muita coisa para a época. Todos esses rapazes daqui, como Monir Saygli, fizeram o curso aqui. Não era só pessoalzinho pobre que ia ser bombeiro, eletricista, pedreiro, servente, carpinteiro; eram pessoas de escritório, trabalharam na Ford do senhor Tostes e estudavam no Monte Carmelo”.
Mas, com a morte de frei Carlos, encerraram-se as atividades da Escola de Artes e Ofícios e o Instituto Monte Carmelo. “Veio aquele movimento de educação que o governo colocou a família dentro da escola. Qualquer um chegava e falava o que queria, ninguém podia falar nada. O frei Carlos era muito nervoso, então ele teve uma reunião de pais e mestres no Estadual, era diretor e um homem de Santa Bárbara falou tanta besteira, que ele começou a passar mal. Chegou em casa, frei Chiquinho levou ele para a Casa de Saúde, medicaram ele, melhorou e falou: ‘Padre Chiquinho, o senhor pode ir para casa, que agora estou bem’. Quando frei Chiquinho chegou no pátio, telefonaram para ele voltar para Casa de Saúde, que frei Carlos estava muito mal. Quando frei Chiquinho chegou, já tinha morrido”.
Ao longo desta trajetória, muitos nomes passaram pela Paróquia Nossa Senhora do Carmo, dos quais dona Dulce se recorda de alguns. “Frei Lourenço, frei Samuel Batistinha, frei Alexandre, frei Roberto Boca, todos eles ajudaram muito na constituição dessa igreja. O frei Chiquinho; também vieram homens de letra, como o frei Patrício, que hoje se encontra em Alexandria, no Egito; frei João Bonten, que é holandês, esteve aqui muito tempo, está velhinho. Dos que começaram aqui, acho que vivo estão só o frei Samuel; frei Adilson e frei Sebastião que vieram como estudantes”.
Para os padres que já passaram pela igreja do Bairro Esplanada, a paróquia é encarada como uma verdadeira ‘mãe’, que lhes ensina a viver, como ela afirma. “Não é um povo que exige demais, é um povo que aceita. Nossa paróquia aceita tudo, se está na nossa mão fazer alguma coisa preferimos ficar prejudicados a prejudicar. A paróquia é uma das mais bem organizadas da cidade. Metade das pessoas que frequentam o Carmelo, é lá da rua. Pagam o dízimo aqui, gostam da paróquia. Estamos com um time de padres maravilhosos. Todos eles parecem que fazem questão de entrar no sangue das pessoas. Tivemos aqui um padre chamado frei Francinaldo, não tinha pessoa mais cheia de Deus e de amizade como ele”.
A paróquia conta com os conventos Nossa Senhora do Carmo, em Caratinga e São José, em Piedade de Caratinga e um amplo trabalho de evangelização. “A paróquia é muito bem servida, somos 94 capelas. Eles dão assistência a todas e são só o frei Everaldo, que é o chefe; o frei Wilson e frei Luciano Henrique, que são os fixos daqui. Mas, os de Piedade ajudam aqui, Bairro das Graças, Bairro Zacarias. Eles fazem todo esforço do mundo para que a paróquia cresça e aqui temos o Apostolado da Oração, que aliás foi criado pela minha mãe; Legião de Maria; Terço dos Homens com mais de 60 homens; o Terço dos Pais para os Filhos às segundas-feiras que a igreja enche; o Terço da Família também na quarta-feira. Temos um curso de batismo e de noivos muito bem montados. Pertenço ao Apostolado, sou do grupo de leitores da paróquia. Temos quase 60 ministros eucarísticos”.
Dona Dulce viveu a história, faz questão de falar sobre ela e há anos se dedica à igreja que tanto ama. Em sua casa ela tem um grande acervo com livros de religiosos, fotografias antigas e demais materiais que lembram a importância da paróquia para a comunidade. Uma pessoa que inspira devoção. “Amamos essa paróquia como se fosse nossa casa. A história dela é muito simples, mas mora no coração da gente. Comecei nessa paróquia antes dela existir. Antes do monsenhor fazer a primeira capelinha, já frequentava a Catedral. E deu tudo certo”, finaliza.