Com apoio da prefeitura, Comunidade Quilombola de Raul Soares busca resgate de tradições
RAUL SOARES- Grupos que possuem identidade cultural própria e se formaram por meio de um processo histórico que começou nos tempos da escravidão no Brasil. Esta é a definição das comunidades quilombolas, que simbolizam a resistência.
O DIÁRIO DE CARATINGA foi conhecer a história da Comunidade Quilombola dos Bernardos, detentora de uma cultura secular que é reconhecida pela Fundação Palmares, desde o ano de 2006. Eles residem no Córrego Grande, no distrito de Santana do Tabuleiro, município de Raul Soares.
HISTÓRICO
O fundador da comunidade é Joaquim José Bernardo. Conforme relatos de pesquisadores, um ato de violência motivou a fuga da família.
Lucas de Rezende Nogueira, diretor chefe de divisão da Secretaria de Cultura e Turismo, explica alguns detalhes da história. “No século XIX, o patriarca da família veio para a região de Caratinga, por conta de um conflito que aconteceu na fazenda. Saiu para encontrar meios de tirar a família de lá. E depois de um tempo aqui próximo de Caratinga ele voltou para a fazenda e trouxe a família, já em uma segunda exploração aqui pelo território, assentou a comunidade aqui e foi se desenvolvendo até o que tem hoje. Durante muito tempo, a década de 80/90 ainda tinham vestígios de uma certa cultura de comunidade quilombola, remanescente de quilombo que ia se mantendo, com o tempo foi perdendo e agora estão resgatando”.
A Secretaria tem feito um trabalho de pesquisa, histórico e cultural, com a Comunidade dos Bernardos. “Podemos estimar que já existem bisnetos e tataranetos do Bernardo, que começou a comunidade. Ainda estamos fazendo o levantamento, revitalização documental de toda esta história”.
ASSISTÊNCIA E RESGATE
A reportagem esteve no local nesta quarta-feira (21) e acompanhou a visita de uma equipe da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e de representantes da prefeitura.
Lucemar Coura, extensionista do Projeto Bem Estar Social, explica que um dos objetivos é organizar a documentação da comunidade. “Fomos convidados pelas secretarias da Cultura e Agricultura para esta reunião com a família dos quilombolas, para ajudar a organizar a documentação deles. A certificação na Fundação dos Palmares eles já têm e agora vamos ver deles fazerem uma autodeclaração como quilombolas. Depois vamos fazer também a certidão mansa e pacífica de posse da terra deles e, futuramente, vamos fazer a DAP (Declaração de Aptidão), onde com essas documentações regularizadas e prontas poderão ter acesso a políticas públicas que até então eles ainda quase não têm”.
O secretário de Cultura e Turismo, Bruno de Oliveira Zoqbi, explica que a pasta tem trabalhado o resgate dos principais movimentos e atividades culturais do município. “É um trabalho que envolve integração entre as secretarias, existe a linha de trabalho da assistência social, com acompanhamento das famílias; através da Secretaria de Agricultura, com assistência técnica que pode ser prestada na produção agrícola da comunidade e também o início dos trabalhos para emissão da declaração de aptidão do produtor, para que documentadas, tenham benefícios”.
Bruno ressalta que a intenção é fazer um levantamento para que seja oficializado o histórico da comunidade quilombola dos Bernardos, como também do resgate da cultura do Congado. “A comunidade, ao longo desse mais de um século, já possuía um Congado muito ativo aqui na região que, infelizmente, por uma série de motivos, acabou sendo extinto. Num primeiro momento fiz uma primeira reunião com a comunidade, que demonstrou o total interesse nesse resgate do Congado Nossa Senhora do Rosário. Trouxe inclusive o capitão Dunga, que é o Congado Nossa Senhora do Rosário de Raul Soares, para prestar o apoio nesse pontapé inicial aqui hoje, para o resgate aqui na Comunidade Quilombola dos Bernardos”.
O secretário acrescenta que faz parte das metas da prefeitura de Raul Soares, o apoio e suporte a toda população, mas, principalmente, aos povos tradicionais e às comunidades tradicionais. “Como é o caso dos Quilombolas, Congados, bandas de música… Sabemos que ao longo dos anos eles ficaram esquecidos pelos governos, na maioria dos casos, são aqueles que mais precisam do apoio da estrutura pública, para o desenvolvimento das suas atividades socioeconômicas, seu bem estar cultural e social”.
E acrescenta a importância cultural e histórica desta comunidade. “Existe desde o final da escravidão, assim como a origem de toda e qualquer comunidade Quilombola. Foi formada pelos ancestrais daqueles que hoje aqui residem e ao longo da sua jornada, nas mudanças dos processos da política nacional, desde o escravismo, do coronelismo, vieram em fuga e acabaram, na verdade, culminando nesta região onde até hoje seus descendentes permanecem”.
O CONGADO
Congado é uma forma de celebração da devoção a Nossa Senhora do Rosário e outros santos da devoção católica. Como em outras experiências religiosas no Brasil, também guarda relações com as formas expressas na religiosidade africana.
Maria Estelina de Jesus, 78 anos, fez questão relembrar esta tradição e o desejo de que seja resgatada. “A Festa do Congado era com a Nossa Senhora do Rosário. O pessoal fazia homenagem, dançava, ficava muito bonito. Eu gostava muito de participar, acho importante resgatar, esses meninos mais novos não sabem o que é Congado. O que mais quero ver o Congo para essa turminha mais nova”.
Rubem das Graças Bernardo, 57 anos, também espera que a nova geração conheça o Congado. “Era um povo muito sofrido, meu tio que já faleceu veio da banda de Congo, ele morava lá em São Bento, eles falavam que Nossa Senhora do Rosário foi achada dentro da água. Os pretos formaram a banda de Congado e ela acompanhou eles, onde que fizeram a imagem. Essa é uma cultura que não era para deixar acabar, é uma raiz. Tem os instrumentos, as coroas, as espadas, que muitas pessoas não conhecem. Meus bisavôs vieram fugidos e formaram a comunidade. Hoje são oito famílias que moram aqui. A gente fica com saudade de relembrar o passado”.
O prefeito Américo de Almeida, o Dr. Américo, também participou da visita à comunidade e fez questão de incentivar as atividades culturais no município. “Um dos projetos que sempre queremos fazer é de ouvir a comunidade. Esse trabalho de união foi uma das coisas que me motivou e sabendo que tinha aqui essa comunidade Quilombola, que estava isolada, praticamente apagada, porque não era desconhecida, todo mundo sabe. Então, resolvemos reativar isso, restaurar isso porque é uma coisa da nossa cultura. Nossa Secretaria de Cultura está trabalhando nisso, vamos fazer um trabalho de resgate, reativar o Congado”.