* Denise Souza
Em um reino não muito distante ocorria, em intervalos regulares de quatro anos, uma grande competição! O reino todo se voltava para o grande desafio tempos antes do grande dia. Os atletas se dedicavam muito aos treinos, à alimentação e ao convívio social, para garantir a vitória e uma boa torcida! Todos eles queriam ser o vencedor.
No grande dia, a festa era enorme, muitos sorrisos, muita expectativa e um clima de tensão também pairava pelo ar! As torcidas se organizavam e gritavam em alta voz os nomes de seus escolhidos. Os atletas se apresentavam e esbanjavam boa forma, era visível a dedicação de praticamente toda uma vida voltada ao trabalho. Após a competição, o vencedor e sua torcida comemoravam muito, havia música, danças típicas, boa comida e muitas gargalhadas. Durante os próximos quatro anos aquele seria o detentor do título maior de sua categoria. Quanta satisfação! Ele realizou o melhor trabalho, conseguiu o maior desempenho e ficou em primeiro lugar. Que bela conquista!
Os anos foram se passando e a competição virou de certa forma, uma rotina. Os competidores perceberam que não era necessária tanta dedicação, era possível passar três anos de folga e no último ano treinavam o suficiente para derrotar seus adversários! Certamente, o pouco que eles fizessem agradaria a plebe, pois eles só conheciam aqueles atletas, não poderiam, portanto, almejar algo maior. E assim ocorreu, a plebe não percebia que seus atletas não se esforçavam mais como antes. Com tantos afazeres do cotidiano, era demais para o povo acompanhar a rotina de um vencedor.
A situação piorou muito em um futuro não muito distante, quando então os atletas, ousaram um pouco mais. Alguns resolveram cobrar impostos de suas torcidas e, há quem diga que houve também superfaturamento em seus uniformes, pois eles eram reembolsados pelo reino, bastava apresentar uma nota fiscal de seu valor.
“Alheios” a tudo isso, a plebe continuava, ainda que sem entusiasmo, torcendo por seus atletas, afinal de contas, como poderiam deixar de torcer nessa competição, era tão importante, a maior atração daquele reino. Não, certamente eram fofocas inventadas por “inveja”, pura difamação de opositores. Cada torcida defendia seu atleta como podia. Chegaram a ocorrer muitos confrontos entre torcidas, trocas de acusações, brigas mesmo. A situação ficou feia, e o reino que era tão calmo, se tornou violento e instável, inclusive, muitas amizades foram desfeitas!
A vida no reino dependia de um líquido vital. Ele era utilizado na grande maioria das atividades do cotidiano e jorrava de várias fontes espalhadas pelo reino. Não lhe era atribuído valor comercial, como era vital, todos poderiam ir às fontes e retirar o quanto necessitassem. Com o passar do tempo, os habitantes do reino deixaram de cuidar de suas fontes com o zelo devido e elas começaram a secar, já não havia mais o líquido vital como antes e a plebe padecia. Sim, a plebe, pois os nobres propuseram trocas interessantes a eles para conseguirem maior quantidade do líquido vital.
A vida no reino não muito distante estava se tornando cada vez mais difícil! O líquido vital com ameaça de esgotamento e a plebe em pé de guerra na defesa de seus atletas. E os atletas? Ah! Eles se tornaram nobres com a arrecadação dos impostos de suas torcidas e agora investiam somente em suas imagens, cada um se preocupava em aparecer bem para a sociedade, como um santo competidor, dedicado, esforçado, preocupado com sua torcida e outros tantos atributos vazios e desinteressantes, mas que agradavam e reacendiam a paixão nos corações de seus torcedores.
Em meio a uma população de dez mil habitantes (excetuando-se as crianças), havia um senhor já de idade, que se interessara sempre pelos poucos manuscritos que se podia encontrar no reino não tão distante. Ele passava a maior parte do tempo lendo, refletindo e produzindo outros manuscritos de boa qualidade. Não demorou muito para que esse senhor percebesse o risco que estavam correndo e iniciou um ato de divulgação da situação alarmante que estava se instalando no reino. Em meio a seu discurso, um dos trechos de maior efeito foi o seguinte: “Habitantes do reino não tão distante, estamos prestes a entrar em colapso, nosso líquido vital está com as reservas comprometidas, segundo os meus cálculos, a quantidade que temos vai durar por no máximo mais cinco anos. Portanto, nossa atenção deve se voltar para essa situação. Como gostamos muito das competições quadrianuais, podemos sugerir aos atletas que ao invés de se concentrarem somente em esforços físicos, se dediquem a divulgar nossa causa e trabalharem em prol dela.”
O velho senhor finalizou seu discurso e observou a reação de cada um que o ouvia. Uns diziam: “Realmente é preocupante.” Outros diziam: “Deve ser mentira.” Outros murmuravam: “Não posso fazer nada.” E foram se retirando, todos voltaram para seus afazeres, pois haveria competição em breve, e as torcidas precisavam se preparar!
O senhor solitário e triste lamentou o futuro de seu reino e por um breve momento, em devaneio, imaginou como seria se todos realmente conseguissem captar sua mensagem e compreendê-la. Como tudo seria diferente!
* Denise Souza, Licenciada em Química pelo UNEC, possui mestrado em Ciências Naturais e da Saúde, concluído em 2010, também pelo UNEC, é doutoranda pela PUC-MG em Geografia: Tratamento da Informação Espacial. Atua há mais de dez anos como professora na FUNEC, sendo que atualmente se dedica aos cursos de graduação em Química, Pedagogia, Ciências Biológicas e Bacharelado em Farmácia.
Mais informações sobre a autora, acesse: http://lattes.cnpq.br/4446789164079416