Márcia Helena da Silva conta como foi participar de uma das provas mais difíceis do atletismo
CARATINGA – A maratona é uma das provas mais difíceis do atletismo, pois os competidores não correm na pista de um estádio olímpico. Eles enfrentam clima e topografias diferentes. O desgaste é enorme. Completar uma maratona é um feito digno de louvor, louvor este que a caratinguense Márcia Helena da Silva conseguiu no dia 23 de junho de 2019, quando ela correu os 42.195km na cidade de Florianópolis (SC). De forma emocionante e sincera, ela conta os amores e as dores de uma maratonista.
RELATO
A atleta fez um relato comovente de sua participação. Márcia Helena superou seus limites e mostrou que com dedicação, treinamento e real conhecimento de suas potencialidades é possível atingir seus objetivos.
“42,195km. Este foi um número perseguido desde dezembro de 2018 até o dia 23 de junho de 2019 na cidade de Florianópolis, quando conclui minha primeira de muitas maratonas que virão. Foram quase sete meses de treinamento físico e mental intensos. Desde meus primeiros passos na corrida há sete anos, até atravessar o pórtico após 05h09min02seg, uma montanha de sensações tomou conta de mim. Algumas delas minha amiga ultramaratonista Viviane Lopes, que estava por lá também, já havia me alertado; outras foram sentidas ao longo da corrida. Desde o inicio do treinamento até a realização da prova, posso dizer que passei por três fases”, conta a maratonista.
Fase 1: Treinamento: “Os treinos. Esses foram árduos. Muitos tiros, todo final de semana um longão a fazer, tinha dias que eu não estava bem para correr, mas quando eu começava o treino esquecia tudo e focava na corrida e a superação vinha dia após dia. Desconforto muscular teve e muitos. Mas o tratamento vinha com a sequência de muitos treinos, com uma persistência terrível e um trabalho psicológico tremendo. Tudo isso associado com dias estressantes de trabalho. Esta primeira fase foi tão difícil e o desgaste foi tanto, que o treinamento torna a pessoa mais forte ou então ela desiste e não consegue seguir em frente. Tudo a minha volta foi envolvido, absolutamente todos os seres vivos com quem eu convivi foram afetados pelo treinamento para a maratona; vida social nem pensar; dormir cedo na sexta, porque tem longão no sábado; alimentação balanceada; o bronzeado das pernas ficaram abaixo da marca do shorts; todo dia era dia de tiro, fartleck, longão, regenerativo, musculação, funcional; faça chuva ou faça sol, a planilha devia ser cumprida. Carbogel e palatinose estavam na ordem gramatical dos dias; problemas intestinais foram muitos. Muitas pessoas questionaram minha capacidade perguntando: porque 42 km? Ai eu respondia que apenas 1% da população mundial conseguiu fazer uma maratona e eu queria estar nesta estatística. Por outro lado, inspirei muitas pessoas também. Nada de cabelo e maquiagem e tudo de grupo de corrida, nutricionista, personal trainer, fisioterapeuta, médico do esporte. Houve treinos tão difíceis e o desgaste físico e mental tomava conta e vinha aquela vontade de chorar e abandonar tudo. Em outros eu me sentia uma atleta queniana. Apesar de todas essas dificuldades, na minha cabeça, eu sabia que tudo isso fazia parte de um método, de um plano, que, se bem seguido, tudo daria certo no final”.
Fase 2: Quase lá: “Quanto mais aproximava o dia, maior a TPM, não a menstrual – a dos 42,195 km mesmo. Aguenta coração…; por algumas semanas, disse adeus para qualquer coisa que não fosse 100% saudável, natural e em quantidades controladas; também teve os dias de open bar de carboidratos (dias felizes); dificilmente conseguia falar sobre outro assunto que não fosse a maratona; o planejamento do viagem já tinha sido construído ao longo do treinamento também. O problema é que, nesta fase eu precisava de mais tempo. Começa a ver necessidade de não abrir mão do sono, se preocupar mais com a alimentação, abdicar de alguns momentos de relacionamentos sociais e até mesmo de alguns outros hobbies. A prioridade para corrida parecia ficar até um pouco “doentia” na visão de quem está vendo de fora, pois eu me tornava, de certa forma, “obcecada”, “neurótica”, quase “louca”. Aprendi a lidar com esses aspectos e descobri meios de não se importar com o que as pessoas pensavam a respeito de uma decisão tomada. Nesta fase, descobri o poder da determinação, o que me tornou uma pessoa mentalmente forte, estável e corajosa. Fatores que me levaram a fase 3”.
Fase 3: O grande dia: “Viagem tranquila e chegamos em Florianópolis; Fúlvio Pires marcou um treininho de adaptação (5km); faltavam dois dias. Noite anterior (jantar de massas às 19 horas, dormir cedo para acordar bem no dia da prova). Bateu ansiedade sim (me tirou umas duas horas de sono). Dia da prova (nervosismo, largada e pronto fui fazer o que havia treinado). No começo tranquilo e 5km depois bateu um ‘piriri’ com paradinha para ir ao banheiro (normal). Voltei e fui quilômetro pós quilômetro até chegar ao temido muro dos 30 km. Incrivelmente não senti esse muro e pensei (putis to bem pra caramba). Compreendi então que o sofrimento dos treinos foi para viver o êxtase da maratona, o prazer de estar ali naquele momento. Segui em frente sempre na companhia de uma amiga – Aurea Galvino, pois treinamos juntas. Chegamos aos 40 km e aí bateu as dores e o cansaço mental, pois o físico já havia ficado no km 36. Daí em diante foi com o coração mesmo. Ao cruzar a linha de chegada dos 42,195km, vitória, euforia, satisfação, orgulho, emoção, lágrimas de felicidade e superação; eu consegui, sou uma maratonista! Quando a linha de chegada se aproximava, a técnica ficou em segundo plano – o que prevaleceu foi o coração, a emoção, a garra. Lembrei então dessa frase “A dor é passageira, a chegada vai ficar para sempre na minha história”. E no meio de tudo, amigos que me esperaram por intermináveis 5 horas para me abraçar e me aplaudir (valeu equipe Bodysport).
Se valeu a pena? Sim cada treino, cada dor, cada abrir mão de alguma coisa. Tudo isso por um sonho realizado. E, no final, para mim a maratona foi na verdade um acordo que fiz com meu corpo e minha mente. E nesse acordo, eu sou 05h09min02seg pelo menos por enquanto…
Agradecimentos por contribuir direta e indiretamente com esse sonho: primeiro a Deus (Senhor de tudo o que é possível e impossível), Bolsa Atleta Caratinga, Fúlvio Pires (treinador), Gilmar Lord (personal treiner), Dra. Lisandra Eduarda (endocrinologista), Dra. Andreisa Raposo (nutricionista), Marcello Cardoso (Fisioterapeuta), minha família em especial meu marido Flávio Bastos e todos os queridos amigos da Equipe Bodysport”.