Flávio de Abreu Radamarker*
A cidade egípcia de Alexandria, fundada por Alexandre, o Grande, em 331 a.C., entrou para a história por ter sido um grande polo de conhecimento e abrigado duas fantásticas obras da humanidade do mundo antigo: A Biblioteca e o Farol de Alexandria.
A Biblioteca de Alexandria foi o maior centro de concentração, discussão e difusão de todo o saber da humanidade na antiguidade. Foi um ambicioso e bem-sucedido feito de Ptolomeu, ex-General que governou as terras do Egito após a morte de Alexandre, o Grande, e deu início a dinastia Ptolomaica em 305 a.C. e que se encerrou com a famosa rainha Cleópatra em 30 a.C. Ela, a Biblioteca, formava, junto com o Museu, o complexo que abrigava a Academia de Alexandria.
O Farol de Alexandria passou para a história como uma das sete maravilhas arquitetônicas e artísticas da antiguidade. Foi por muitos séculos a estrutura mais alta do planeta, medindo aproximadamente 130 metros de altura, e serviu de modelo para o que hoje conhecemos como farol marítimo. Sua luz era produzida pelo reflexo de um grande espelho, que durante o dia refletia a luz do Sol, e a noite, uma gigantesca tocha emitia a luz necessária a guiar o constante fluxo de navios que entravam e saiam do porto de Alexandria, levando e trazendo mercadorias do Oriente para o Ocidente e espalhando a cultura e a filosofia clássica, bem como a agitada e conflituosa relação entre as religiões da época.
Neste caldeirão que era Alexandria, um exemplo perfeito do temo cosmopolita, que fervilhava com o intercâmbio cultural mediterrâneo e era o centro do conhecimento da antiguidade clássica, uma figura de que, infelizmente, não ouvimos muito falar, se destacava na direção da Academia de Alexandria ensinando matemática, filosofia e astronomia. O seu nome era Hipátia.
Ela era filha de Theon, proeminente filósofo e cientista alexandrino. Compartilhando a avidez pela cultura e estudos com seu pai, de quem recebeu todo apoio e ensinamentos, Hipátia desde muito jovem se destacou pelo brilhantismo de seu pensamento e enorme capacidade intelectual. Como seu pai era o mestre de matemática do Museu de Alexandria (como era chamado antigamente o centro de estudos e ensino), Hipátia foi uma criança que cresceu rodeada por uma atmosfera de conhecimento e saber. Não só científica como também erudita, pois os jovens estudantes também se dedicavam a outras artes como a música e a retórica, além de atividades físicas.
Ainda na adolescência, Hipátia, segundo alguns pesquisadores, foi para Atenas concluir seus estudos. Lá, mais uma vez, se destacou e surpreendeu a todos com suas propostas de unificação dos campos da matemática com o pensamento neoplatônico do filósofo Plotino.
De volta à Alexandria, Hipátia desceu os degraus das fileiras dos alunos e subiu ao palco central dos professores. Lecionando no lugar que antes era do famoso Plotino.
Sua capacidade de raciocínio aliada a uma imensa curiosidade em descobrir as respostas aos fenômenos naturais, tornaram-na uma ávida pesquisadora e habilidosa resolvedora de problemas. Muitos intelectuais e pensadores de sua época enviavam a Hipátia os mais diversos problemas ligados à matemática, geometria, astronomia e afins, ficando ansiosos pelas respostas que continham elegantes e perspicazes soluções. As quais ela chegava dedicando longas e exaustivas jornadas de estudo e raciocínio. E isto ela fazia – gratuitamente – pelo seu amor e devotamento aos estudos e a sua completa dedicação ao compartilhamento do conhecimento.
Aos 30 anos atingiu o posto de diretora de todo o complexo de ensino e pesquisa de Alexandria, sem, no entanto, deixar de lecionar e fazer concorridas palestras ao público.
Hipátia deixou um importante legado científico, fazendo revisões e edições de importantes trabalhos de matemáticos e filósofos da época. Infelizmente muito pouco de sua produção se salvou da destruição da Biblioteca de Alexandria e nenhum trabalho original dela chegou ao nosso tempo a não ser de forma indireta, através dos escritos de estudiosos que eram seus contemporâneos.
Devotando toda a sua vida pela busca da verdade, Hipátia não se casou. Segundo os pesquisadores que se dedicam ao estudo de sua vida e legado, muito provavelmente ela nem sequer deva ter tido algum tipo de relacionamento.
Infelizmente uma personalidade tão a frente de seu tempo e tão destacada por ter sido criada e viver em dissonância com o papel da mulher da antiguidade, despertou a ira de facções da recente vertente religiosa que crescia em Alexandria, o Cristianismo. A figura de Hipátia, que não se sujeitava a imposição patriarcal arcaica daquela época, acabou se tornando foco de calúnias e perseguições, pois ela não adotou – como grande parte da sociedade e a maioria absoluta das autoridades – a religião Cristã. Suas aulas e principalmente suas palestras públicas levavam a luz da filosofia às audiências ávidas por conhecimento. Mas isto não era admitido pelas autoridades religiosas que estavam ascendendo neste período. Alexandria vivia um conturbado momento de conflitos entre cristãos, judeus e a autoridade romana. E no meio disso tudo, a luz do conhecimento irradiado por Hipátia deixou de brilhar.
O Sol lançava sobre o espelho do Farol de Alexandria seus últimos raios, num entardecer do mês de março. Dali a poucas horas, a função para qual esta maravilha arquitetônica foi construída seria cumprida pela luz da tocha que seria acessa. O ano era de 415 d.C.. Por entre a apressada multidão que enchia o porto e as ruas de comércio de Alexandria, Hipátia andava, como sempre fazia, a caminho de mais um dia de aula.
Nesse dia a luz do conhecimento foi encoberta pela névoa da ignorância. A extraordinária filósofa, matemática e astrônoma foi capturada na rua por um grupo de cristãos enfurecidos. Levada para o interior de uma igreja, sofreu o horror da tortura até a morte.
Chegou até os nossos dias, pelos registros de historiadores e cronistas antigos, o legado desta grande educadora. A mulher que desafiou o status quo, assombrou o mundo antigo com seu talento e iluminou uma geração de pensadores que multiplicaram o que receberam e deram origem a muitas outras gerações mais.
A monumental estrutura de pedra que passou para a história como uma maravilha arquitetônica, cuja luz podia ser vista a muitas milhas de distância, foi destruída por um terremoto. Mas isso aconteceu somente 908 anos após a luz do verdadeiro Farol de Alexandria, Hipátia, ter sido apagada.
FLÁVIO DE ABREU RADAMARKER é Membro da Loja Maçônica Joaquim Rodrigues D´Abreu Nº 1921 – Niterói – RJ. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ e extensão internacional em Marketing pela Youngstown State University – Ohio. É Arquiteto especialista em design de varejo e Perito Judicial. É Membro Correspondente da AMLM.