Morador de São João do Jacutinga é exemplo de agricultura solidária
SÃO JOÃO DO JACUTINGA – “Tenho um sistema agroflorestal, se formos comparar com quatro anos atrás, hoje é muito interessante o que conseguimos com o nosso trabalho, tanto de produção, quanto de preservação e biodiversidade. Aqui era só pasto, hoje temos uma infinidade de coisas”.
Estas palavras são do produtor rural João Batista da Silva, de 48 anos. Ele mora no Sítio Agroecológico Pais e Filhos, localizado no distrito de São João do Jacutinga. O ambiente é totalmente cercado pela natureza. O verde é presença constante e ilustra a preocupação da família com o meio ambiente.
Batista, como é conhecido, trabalha com a produção de hortaliças orgânicas. Além disso, sempre trabalhou com a cafeicultura. No entanto foi quando percebeu que a atividade não lhe dava o retorno financeiro desejado, que viu a necessidade de mudar os planos. “Há 20 anos essa questão ambiental não era muito divulgada e a sustentabilidade, nem existia essa palavra. Então, o que a gente começou a ver e sentir é que trabalhávamos o ano todo e na lavoura mexíamos somente com café e ‘gadinho’. Quando chegava a safra do café, a gente colhia e automaticamente já estava devendo quase toda a produção porque se tem despesa todo dia e uma renda anual não resolve seu problema. Percebemos que juntávamos uma quantidade de dinheiro e tinha que ir para o mercado do agronegócio, comprar adubo, veneno”.
Assim, Batista explica que a família estava praticamente pagando para trabalhar. Por isso, mudaram os rumos dessa história. “Então, a gente viu que estava trabalhando só para comprar e as necessidades básicas da gente, o barraquinho de morar, não tinha um carro, nada. Pensei: ‘Por que a gente está trabalhando? ’. Temos que parar de comprar e reaproveitar o que temos dentro da nossa propriedade de forma consciente, não é ir lá, destruir a mata e produzir a qualquer custo. Começamos a trabalhar nisso, como a gente tinha pouco conhecimento buscamos quem podia nos ajudar”.
Batista contou com o auxílio de duas ONGs, uma nacional e outra internacional. As condições financeiras melhoraram. “Não é que o nosso trabalho dê muito dinheiro, mas a nossa situação em termos de
sobreviver está muito boa graças a Deus. Não é que a gente está crescendo, mas está sobrevivendo com dignidade e levando para as pessoas o que consegue produzir de melhor”.
O produtor sempre trabalhou de maneira sustentável, mas alguns conceitos de meio ambiente ainda não eram divulgados e ele não tinha o suporte necessário. “Estávamos trabalhando, mas ninguém via, sem reconhecimento nenhum. Mas, com esse surgimento da horticultura, da venda direta, das conquistas que conseguimos de quatro anos para cá temos como produzir e mostrar as hortaliças. Isso
chamou a atenção, porque produzir alimento todo mundo consegue produzir e de repente de forma até mais fácil do que o nosso sistema, mas não consegue produzir um alimento de qualidade que é a grande preocupação do mundo hoje. Você ter o que comer não é o bastante, tem que saber o que está comendo, o que vai te fazer bem”, alerta.
De lá para cá a família não parou e garante. A qualidade de vida tem melhorado a cada dia. “Essa forma de trabalho é muito agradável ao meio ambiente e o outro lado da moeda, a coisa mais importante antes de preservar o meio ambiente é preservar a vida, a saúde do ser humano. Não adiantar comer, achar que está com a barriga cheia e não ser o que precisava comer. Começamos a ver os resultados, que melhorava a nossa condição de vida”.
AGROECOLOGIA
Com a produção de hortaliças totalmente orgânicas, Batista alerta para os impactos provocados pelos agrotóxicos, muito utilizado por produtores. “São um verdadeiro depósito de câncer e é duro saber que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. A estimativa é que cada brasileiro hoje consuma 5,5 litros durante um ano. Por isso temos o nosso sistema, em que estamos sobrevivendo de forma melhor depois desse sistema. Digo que a gente já está praticando a agricultura solidária, porque estamos produzindo com qualidade e também preservando o meio ambiente, porque não adianta ser solidário com o ser humano e destruir o habitat dele”.
Para o produtor, apesar de todos os esforços e as informações que têm sido divulgados sobre os perigos dos agrotóxicos, a sensação ainda é de retrocesso. “Depois da Revolução Verde foi implantado esse sistema bruto de produção a qualquer custo e parece que estamos andando pra trás, porque naquela época apareceram os produtos químicos que foram implantados aqui no Brasil e é duro saber que os mesmos venenos que se usam nas lavouras foi usado para matar pessoas na Segunda Guerra Mundial”.
O produtor decidiu acolher o termo agroecologia e explica o motivo. “O orgânico é impactante e chama mais a atenção, mas tem também o lado empresarial, que é aquele cara que investe na produção orgânica, mas a todo custo. Nós optamos pela agroecologia, pois é mais abrangente. A produção orgânica é produzir um sistema orgânico sem agrotóxicos, sem adubo químico, solúveis e a agroecologia é esse sistema mais a preservação do meio ambiente todo e tanto da vida humana, quanto dos microrganismos, até do próprio solo que dependemos dele e das nascentes”.
Seguindo o conceito de preservação ambiental, o sítio ainda está passando por um processo de transformação, o que leva certo tempo para se concluir. “Não se consegue transformar de um dia para o outro de um sistema convencional para um sistema agroecológico. Por mais dinheiro e boa vontade que você tenha não vai conseguir porque a própria natureza não vai conseguir, exige um tempo para reagir, modificar e também a própria legislação diz que no mínimo um ano de transição. Também depende do sistema, se estiver muito intoxicado, muito agredido com uso de veneno, o tempo é maior”.
CONSCIÊNCIA AMBIENTAL
O ano de 2015 foi marcado pela escassez hídrica. A crise prejudicou Caratinga e região, que precisaram até mesmo do rodízio de abastecimento. Batista conta como enfrentou o período em sua propriedade. “Por mais protegido que seja a propriedade, se não chove o lençol freático vai liberando a água que tem no solo e uma hora ela acaba. Mas, se for comparar de outros sítios que tem por aí, que não tem água nem para beber, temos ainda uma quantidade boa de água por aqui, dá para produzir. Estamos precisando dividir ela mais, diminuiu uns 50%, mas com os trabalhos que estamos pensando em investir agora nas nascentes, acredito que se chover, nós conseguiremos fazer com que essa água permaneça aqui”.
A família ainda investiu em alternativas que convergem para a consciência ambiental. “O mais interessante é que o lugar que a gente consome mais água é aqui, mas depois ela continua o ciclo dela rio abaixo e mais limpa porque nós adaptamos fossas sépticas em que os dejetos que são produzidos aqui não vão afetar a água que os nossos vizinhos vão usar lá para baixo”.
Ele lamenta que a mesma consciência não seja compartilhada por outras pessoas. “O que me aborrece mais é que ainda há municípios descarregam todos os dejetos dentro da água, parece que ninguém mais vai precisar dela. Isso o poder público tinha que viabilizar. Dentro do nosso sítio temos essa consciência, de preocupar com os nossos vizinhos e consumidores, que chamo até de colaboradores, porque eles financiam o nosso trabalho e em troca a gente leva para eles produtos de qualidade”.
Os produtos de Batista ficaram bastante conhecidos e consumidores já atestam os benefícios à saúde. “Faço essa pergunta pra eles: ‘Que diferença você achou do nosso produto para os outros?’. Eles respondem que não tem nem comparação. Até o sabor é diferente. Porque quando se está acostumado a comer um tomate cheio de agrotóxico, já se adapta à aquele gosto horrível que ele tem. Mas, quando come um tomate orgânico vai prestar atenção, pôr o seu cérebro para degustar aquilo ali junto com você e ter uma definição mais clara. As pessoas falam e dão um depoimento bem satisfatório e isso anima mais a gente a encarar esse sistema de produção que depende mais de nós, da nossa mão de obra e capricho”.
O sítio de Batista é certificado e eles estão diretamente ligados ao Ministério da Agricultura, fazendo parte ainda da Comissão de Produção Orgânica de Minas Gerais. “Estamos sempre em sintonia com eles, porque ao contrário do sistema convencional, que quando se descobre que um detalhe que mudou na sua produção foi bom não se quer propagar, quer ficar para si; na produção agroecológica compartilhamos tudo o que descobrimos com outros produtores, pois não queremos só para nós, queremos crescer e levar quem acredita nisso junto com a gente”.
Batista também faz parte do Grupo de Produtores Orgânicos de Caratinga e trabalham com uma banca no mercado municipal. Ao todo são 10 famílias, que se reúnem de dois em dois meses. O produtor se diz satisfeito com sua produção agroecológica e afirma: “É um sistema bem democrático esclarecido”.