* Denise Souza
É interessante como alguns homens possuem a arte de imitar os animais! Sempre me causou admiração a alegria transmitida pelas pessoas que têm esse dom, que singelo, que simples e encantador ao mesmo tempo!
Uma dessas pessoas, por breves três anos cruzou meu caminho com a imitação sensacional de um bem-te-vi. As primeiras vezes que ouvi achei estranho, era um som tão próximo ao emitido pelo animal que eu procurava, em meio ao trânsito perto de casa, pássaros para admirar sua beleza! Aos poucos fui percebendo que não havia bem-te-vi por ali, mas, coincidia com a emissão do som, a presença de um senhor simpático, de aparência humilde, simples e com um semblante sempre leve, esboçando um sorriso bobo, meio que sem motivo, mas encantador! Eu o via sempre no início e no final das corridas tardes dos dias úteis. Às vezes chateada, triste ou muito atarefada, as vezes feliz e com um tempinho a mais, eu passava por aquele mesmo caminho e já sabia que o encontraria com sua alegria peculiar e assoviando… era o suficiente para arrancar um sorriso, talvez o primeiro do dia, talvez mais um naquele dia, mas sempre um sorriso!
Um belo, ou triste, dia, no final de uma manhã super atarefada, fui correndo para casa com o intervalo de almoço literalmente contado e percebi um pequeno tumulto em um trevo de acesso à minha rua. Seria um tumulto qualquer, um evento desagradável qualquer, ou um sinistro de trânsito, alguma situação dessas que infelizmente fazem parte de nosso dia-a-dia. Com o trânsito local incomumente lento, fui avançando em direção ao ocorrido e, a uma distância relativamente curta visualizei uma cena que queria, por Deus esquecer! Estava ali o bem-te-vi, meu querido amigo bem-te-vi estirado no chão…pude reconhecer pelas calças e sapatos que ainda estavam descobertos (ele sempre usava os mesmos.) … que triste, que lamentável, que horrível, não há expressões que definam meus sentimentos naquele momento! Homem de expressão feliz, um trabalhador honesto, o que poderia ter acontecido?
Continuei meu trajeto atônita, querendo não acreditar no que tinha acabado de ver. Chegando em casa e conversando com meus queridos familiares havia a notícia de um crime, assalto porque supostamente a vítima havia recebido uma certa quantia de dinheiro naquela manhã, ou talvez outras motivações, algumas especulações começaram a aparecer. Meu Deus, quanta reflexão essa situação me trouxe a mente.
Como está se tornando violenta a cidade em que vivemos! Um crime tão cruel à luz do dia. Que problema social, político, humano tão grave para convivermos com ele! Nossas famílias estão livres de tamanha crueldade? O que leva o ser humano a perder todas as suas estribeiras e agir insanamente contra outro da mesma espécie? E seus valores, onde estão? E seus sentimentos, não lhe impedem de cometer tal investida? E sua consciência, não lhe diz nada? Impossível aceitar que vivemos uma época, ou talvez várias épocas, em que a vida humana não tenha um valor supremo, em que o respeito não supera o ódio ou outros sentimentos que gerem atrocidades.
Qual o valor da vida humana? Qual o sentido da vida? Quão frágeis e fortes podemos ser? Que garantias temos enquanto seres mortais? São algumas questões que me passaram à mente naquele momento. Construímos toda uma vida com sonhos, desejos, limitações, alegrias, tristezas, desafios, etc. mas não sabemos até quando teremos a chance de alimentar tudo isso! Somos capazes de amar, de fazer amizades, de causar descontentamentos e construímos assim nossos relacionamentos que acreditamos serem eternos. Vivemos os dias como se essa repetição dia a dia fosse acontecer para sempre, literalmente não nos preparamos para o fim da matéria. O fim é sempre trágico!
Será que o bem-te-vi realizou a maioria de seus sonhos? Será que estava preparado para a despedida naquela manhã? E sua família, estava pronta para sua trágica partida? Essas são perguntas sem respostas, que com o passar do tempo vão para o esquecimento e, em alguns devaneios voltam à tona e podem se lançar contra nossos próprios pensamentos. Estamos realizando nossos sonhos, nos dedicamos aos que amamos e ao que amamos?
Parece que o importante mesmo é o que guardamos no coração, nossas coleções de amores, de amigos, de paz… de coisas que talvez nos resta após a inevitável partida!
O cruel é que agora o bem-te-vi não pode mais emitir seus lindos e agradáveis sons! Que pena!
* Denise Souza, Licenciada em Química pelo UNEC, possui mestrado em Ciências Naturais e da Saúde, concluído em 2010, também pelo UNEC, é doutoranda pela PUC-MG em Geografia: Tratamento da Informação Espacial. Atua há mais de dez anos como professora na FUNEC, sendo que atualmente se dedica aos cursos de graduação em Química, Pedagogia, Ciências Biológicas e Bacharelado em Farmácia.
Mais informações sobre a autora, acesse: http://lattes.cnpq.br/4446789164079416