Monsenhor Raul Motta de Oliveira fala sobre o sigilo sacramental, que é inviolável, mesmo diante da confissão de um crime
O Código de Direito Canônico determina que “o sigilo sacramental é inviolável; por isso é absolutamente ilícito ao confessor de alguma forma trair o penitente, por palavras ou de qualquer outro modo e por qualquer que seja a causa”.
Muitas vezes, isso gera algumas dúvidas: será que mesmo diante de um crime, não pode ser revelado o que foi dito durante a confissão? Isso também é válido para depoimentos judiciais? Como deve ser a ética do padre, diante destas situações?
Para esclarecer estas dúvidas, o DIÁRIO DE CARATINGA entrevistou monsenhor Raul Motta de Oliveira. Ele fala sobre o sigilo sacramental e sobre a necessidade de misericórdia: “Todos somos pecadores. Todos precisamos do perdão de Deus”.
Inicialmente, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a importância da confissão para aconselhamento e reflexão do penitente.
Queridos leitores do Diário de Caratinga. O Papa Francisco proclamou este ano como Ano Santo ou o Jubileu da Misericórdia. Começou dia 8 de dezembro de 2015, Festa da Imaculada Conceição e cinquentenário do Concílio Vaticano II, e vai até 20 de novembro de 2016, Festa de Cristo Rei. Neste Ano da Misericórdia, o Papa Francisco tem incentivado os fiéis a se aproximarem do sacramento da Penitência ou Confissão. É ali, de modo especial, que Deus se mostra cheio de misericórdia para com seus filhos e filhas, perdoando todos os nossos pecados de desobediência aos seus Mandamentos e à sua Palavra. O Sacramento da Confissão tem sua base bíblica em João 20, 22-23: Jesus ressuscitado aparece a seus discípulos, sopra sobre eles e lhes diz: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados”. Este poder, pela imposição das mãos dos Apóstolos, foi transmitido a seus sucessores, Bispos e Padres, na Igreja de Jesus Cristo. Todos somos pecadores. Todos precisamos do perdão de Deus. O Papa Francisco tem insistido com os Bispos e Padres, que atendam a todos como verdadeiros pais, sempre acolhedores, mansos, amigos. Escutem os fiéis com paciência, sejam conselheiros, tenham o coração cheio de misericórdia, como o de Jesus. Este ano é uma grande oportunidade para todos os fiéis se aproximarem deste sacramento do perdão. Em Caratinga, temos seis paróquias. Procurem saber os horários em que os padres podem atender confissão e aproveitem esta oportunidade que Jesus lhes oferece.
O segredo sacramental da confissão é inviolável, ainda que a pessoa revele um crime?
A Igreja Católica, no seu livro de leis, chamado Direito Canônico, assim diz: “O sigilo sacramental é inviolável”. E no comentário: “Sigilo sacramental, ou segredo de confissão, é a obrigação que o confessor tem de não revelar, de nenhum modo, nada daquilo que o penitente lhe manifestou, em ordem a receber a absolvição. Essa obrigação é sempre grave e não admite nenhuma exceção, a não ser com a licença expressa dada livremente pelo penitente” (Cânon 983). Mesmo que a pessoa, na confissão, lhe revele um crime, o confessor não pode revelar de modo algum, nada que soube em confissão. É como se ele não soubesse. Ele pode dizer: Eu não sei, isto é, eu não sei nada que eu possa revelar. Existem na Igreja muitos mártires do segredo de confissão. O mais falado é São João Nepomuceno. Ele era o confessor da rainha Joana. Seu marido, o imperador Venceslau IV, em 1383, queria obrigá-lo a contar os pecados de sua esposa. Ele preferiu morrer, mas não contou. Foi jogado no Rio Moldávia. Mais recentemente, durante a perseguição religiosa na Espanha, em 1936, foi fuzilado o Frei Felipe Ciscar Puig, franciscano, que está sendo beatificado, por não contar segredo de confissão.
Isso independe de sua permissão para revelá-lo?
Como vimos atrás, se o penitente dá uma “licença expressa” e “livremente”, o confessor pode revelá-lo.
Há essa mesma confidencialidade por parte do penitente, em relação à comunicação confessional e ao que o padre disse durante a confissão?
Não. O penitente não está obrigado ao segredo. Às vezes, o confessor pode pedir-lhe que não divulgue o seu pecado, principalmente quando pode acarretar prejuízo a outras pessoas.
O selo da confissão também proíbe que o padre fale com o penitente sobre o assunto fora do sacramento?
Com o penitente, a sós, fora da confissão, não seria revelar segredo, mas é aconselhado que não toque nesse assunto com ele, sem ser interrogado.
Saber da autoria de um crime e não poder revelar é uma situação delicada. Durante sua formação, o padre passa por alguma preparação espiritual para enfrentar este tipo de situação?
Sim. Em Caratinga, temos o Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário, no Bairro Zacarias. É a casa onde os jovens se preparam para serem padres. O rapaz que deseja ser padre, sendo apresentado por seu pároco, após passar por vários Encontros Vocacionais, tendo já feito o segundo grau, fica um ano se preparando, no Curso Propedêutico, em Ubaporanga. Depois, vem para Caratinga e faz o Curso de Filosofia, durante três anos. Mas, é especialmente no curso de Teologia, que dura quatro anos, que ele se prepara especificamente para o ministério sacerdotal. Ali, o seminarista participa de aulas especiais, tanto de Teologia Moral como de Direito Canônico, que o preparam para ser confessor e enfrentar todo tipo de situações. Existem aulas teóricas e práticas. Quando o seminarista termina o Curso de Teologia, faz um estágio em uma paróquia e, depois, recebe a Ordem do Diaconato. É o momento em que ele faz a promessa de guardar o celibato. Depois, passa ainda seis meses em uma Paróquia, como Diácono, preparando-se mais proximamente para se tornar Padre, recebendo então o Presbiterado, ou Sacerdócio. O Seminário não é só para estudar. É principalmente para se preparar, espiritual e pastoralmente, para exercer esse importantíssimo ministério na Igreja.
A ética pastoral é semelhante à ética de qualquer profissional, por exemplo, psicólogo ou advogado?
Um médico, ou psicólogo, ou advogado, ao se formar, faz o juramento de guardar sigilo de tudo o que lhe é revelado, e que poderia prejudicar o paciente ou a outras pessoas. Quebrar esse sigilo é pecado. Mas não é a mesma gravidade de quebrar o sigilo da confissão.
PALAVRAS DE PAPA FRANCISCO
Monsenhor Raul pediu para encerrar a entrevista, com algumas palavras do Papa Francisco à jornalista Andrea Tornielli, sobre o sacramento da Confissão, especialmente neste Ano da Misericórdia. Eis as palavras:
“É verdade que eu posso falar com o Senhor, pedir logo perdão a Ele, implorar-lhe sua misericórdia. E o Senhor perdoa, logo. Mas é importante que eu vá ao confessionário, que me ponha a mim mesmo frente a um sacerdote que representa Jesus, que me ajoelhe frente à Mãe Igreja, chamada a distribuir a misericórdia de Deus. Há uma objetividade neste gesto, em ajoelhar-me frente ao sacerdote, que nesse momento é a via da graça que me chega e me cura”.
“O que se confessa está bem que se envergonhe do pecado; a vergonha é uma graça que é preciso pedir, é um fator bom, positivo, porque nos faz humildes”.
“Que conselhos daria a um penitente, para fazer uma boa confissão? Que pense na verdade da sua vida diante de Deus, o que sente, o que pensa. Que saiba olhar-se com sinceridade a si próprio e ao seu pecado. E que se sinta pecador, que se deixe surpreender, assombrar por Deus.”
“A misericórdia existe, mas se tu não a queres receber… Se não te reconheces pecador quer dizer que não a queres receber, quer dizer que não sentes a necessidade.”
“Há muitas pessoas humildes que confessam as suas recaídas. O importante, na vida de cada homem e de cada mulher, não é nunca voltar a cair pelo caminho. O importante é levantar-se sempre, não ficar no chão a lamber as feridas. O Senhor da misericórdia perdoa-me sempre, de maneira que me oferece a possibilidade de voltar a começar sempre.”
“Todos somos pecadores. Todos precisamos do perdão de Deus”.
“O penitente não está obrigado ao segredo. Às vezes, o confessor pode pedir-lhe que não divulgue o seu pecado, principalmente quando pode acarretar prejuízo a outras pessoas”.
“Mesmo que a pessoa, na confissão, lhe revele um crime, o confessor não pode revelar de modo algum, nada que soube em confissão. É como se ele não soubesse”.