Escritor caratinguense lança seu novo livro, ‘Dança das Bestas’, na noite desta quinta-feira (28) no Casarão das Artes. Parte da renda será destinada ao projeto Dona Cegonha
CARATINGA – Não espere encontrar personagens normais nos livros do caratinguense Tiago Santos-Vieira. Nesse reino desencantado não veremos princesas à espera de seu príncipe. Nesse reino encontraremos pessoas deturpadas e com desvios de caráter. Mas são personagens que fascinam. O leitor quer saber o que acontecerá com esses desnaturados que, de certa forma, estão em busca de suas redenções. Seu cartão de visitas foi dado em 2015, com ‘Elos do Mau Agouro’ (Ed. Giostri). Agora ele volta com ‘Dança das Bestas’ (Ed. C5 Livros). O lançamento em Caratinga acontece a partir das 19h30 desta quinta-feira (28) no Casarão das Artes, na rua João Pinheiro, 154, Centro. Parte da renda será destinada para o projeto Dona Cegonha, que auxilia gestantes carentes – montando enxovais para seus bebês. “Bora comprar um livro e ajudar! Caso queiram, podem levar também fraldas, roupinhas e utensílios para bebês (novos e usados). Estão todos convidados”, conclama Tiago Santos-Vieira.
O LIVRO
‘Dança das Bestas’ é uma fábula sobre estes tempos modernos, em que o preconceito supera a física quântica, nos teletransportando para outra dimensão. Nada jurássico, nem intergaláctico… Resolveram-se apenas por deixar as jaulas dos circos, escondendo o gigantismo e o lobisomismo nas montanhas da Espanha. Quase três metros, pelos até no branco dos olhos – longe da incompreensão social e perto da Madre Superiora de um Convento.
‘Dança das Bestas’ disseca a estranha relação entre uma freira e uma comunidade traída pela genética, escondida na mesma montanha onde se ergue um misterioso mosteiro. Orgias, experimentos psicológicos com as noviças e a descoberta de um alucinógeno dentro do Convento… Impulsionando uma lucrativa rede de tráfico, sob o controle da Madre Superiora, a proteção dos “Peludos Montanheses” e a benção do Vaticano.
No bailar das aberrações, a trama bate asas até o Brasil, aterrissando num interrogatório policial. Sem alguns dedos dos pés e das mãos, com tatuagens substituindo mamilos arrancados… Um homem desmemoriado tenta reaver a guarda da filha, após flagrado em surto, correndo nu pelas ruas. A garotinha? Encontrada pela vizinha, em transe frente à TV, com a face ensanguentada e falando aramaico antigo.
Onde desatam os nós, refutando uma grave acusação de pedofilia… Amarra-se o “amputado sem mamilos” a uma secreta organização, atuante no ramo de “filmes proibidos”, cuja origem se confunde com o nascimento da deep web e com o tráfico de alucinógenos pelo Convento. O duelo entre razão e misticismo dá o tom de ‘Dança das Bestas’, discutindo até a última página a suposta possessão demoníaca da menina.
‘Dança das Bestas’ foi lançado oficialmente na Horror Expo 2019, evento internacional do segmento, realizado em outubro, no Pavilhão do Anhembi, em São Paulo (SP). Esse evento contou com a participação dos diretores e atores de filmes e seriados, como Mick Garris, (que adaptou vários Stephen King’s para o cinema); e Naomi Grossman, (da série American Horror Story).
O livro pode ser adquirido no site Amazon e também pelo Instagram@santosvieiratiago.
O ESCRITOR
Tiago Santos-Vieira tomou gosto pela leitura ainda na infância, quando sua avó lhe presenteou com ‘O Coronel e o Lobisomem’, de José Cândido de Carvalho. Mesmo ficando tenso, gostou do que leu e, de certa forma, essa foi sua primeira influência.
Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Tiago Santos-Vieira brinca que esta fase é considerada como aquela quando se faz voto de pobreza. Da miséria, passou à escravidão voluntária, trabalhando com periódicos em São Paulo. Foi um lapso temporal produtivo, com publicações nas revistas Rolling Stone, Trip/TPM, Riders e no Diário de Guarulhos. Depois voltou para Caratinga, onde passou parte de seu tempo em um quarto escuro. Quando viu a luz, fora aprovado em um concurso público e estava ‘grávido’ de um livro (‘Elos do Mau Agouro’). Agora ele retorna com ‘Dança das Bestas’, onde a anormalidade impera. Mas convenhamos, como diria Carl Jung: ‘ser normal é a meta dos fracassados’.
“Show yourself/ Show yourself/ I wanna see everything you’re made of” (Mostre-se/ Mostre-se/Eu quero ver tudo de que você é feito), canta Mastodon em uma de suas músicas. Por sinal esta é uma das bandas favorita de Tiago Santos-Vieira. Nesta entrevista, o escritor caratinguense mostra de que é feito, revela um pouco de seus pensamentos e até dá pistas de seu próximo projeto.
Seu gênero é suspense ou terror?
Olha, fazendo uma cruza entre o terror e o suspense… nasceria o terror psicológico, que é onde me encaixo. Quando se fala em Terror, o público identifica os produtos sob esse rótulo em algo espiritual, demoníaco etc. O que não é o caso de ‘Dança das Bestas’ e nem do anterior ‘Elos do Mau Agouro’. O Terror nas minhas obras vem do comportamental deturpado, de desvios de caráter, cabendo no rótulo terror psicológico – que muitas vezes é ainda transmutado em Suspense, para ser comercialmente mais aceito.
O que os leitores podem esperar de ‘Dança das Bestas’?
Sem spoilers! Brincadeira: a mesma miscelânea de fatos reais, misturados com situações fictícias, já utilizada em ‘Elos do Mau Agouro’. Adoro fazer essa “maldade” com o leitor, deixá-lo pensativo: “mas esse fato realmente aconteceu? Mas isso é mesmo verdade? Isso tem embasamento cientifico para ocorrer?”. É legal esse recurso de “confundir” o leitor, fazendo-o pesquisar, refletir, buscar respostas fora do livro antes de prosseguir com a leitura. É meio contraditório, mas contestar o autor e o enredo, deixa o leitor mais preso na trama.
Por que a Espanha novamente como parte do cenário de seu livro?
Mais precisamente o País Basco, que é uma região separatista dentro da Espanha, com um pedacinho na França. Uso de novo esse “barril de pólvora adormecido” porque chamou a atenção do leitor. Essa coisa de “ter um país dentro de outro país”; ter uma região dentro de um país, que fala outra língua e tem autonomia, mas não é independente… E como recebi muitos feedbacks de leitores curiosos sobre a região Basca, sobre esse separatismo… resolvi usá-los novamente como pano de fundo de parte da história.
Em ‘Dança das Bestas’, você continua ‘ceifador’, assim como em ‘Elos do Mau Agouro’? Existe algum vínculo entre esses dois livros?
Ceifador? Gostei! Digamos que em ‘Elos’ eu estava mais descritivo quanto ao ato de “ceifar” pessoas. Já em ‘Dança’, estou focado nas motivações que levaram aquelas pessoas a serem “ceifadas”. Os dois se passam no mesmo universo. Tem muitos easter eggs e crossover em Dança/Elos. As obras são independentes e não são uma continuação. Porém, se conversam.
Neste livro, uma de suas personagens é uma freira. Desde ‘The Devils’ (1971), filme de Ken Russell’, as freiras parecem que nunca mais foram as mesmas no imaginário popular. Por que dessa escolha?
Esse mundo é tão machista, né? No cinema e na literatura, inclusive. Independente dos dogmas religiosos, por que aos padres os cargos de exposição popular e às freiras a clausura? Acho tão mais interessante para a criação esse universo de recolhimento, de mosteiros, de encarceramento em que vivem as freiras. O que acontece dentro de um monastério? É muito mais instigante que o lugar comum dos padres no cinema e na literatura. No ‘Dança das Bestas’, tem duas freiras e uma noviça maravilhosas, mas não são só as três. Os personagens mais fortes deste livro são mulheres! E sim! “The Devils” é uma bela referência no quesito “Freiras no Cinema”.
Aproveitando o gancho da pergunta anterior, como se dá a construção de seus personagens? Se identifica com algum deles?
Mente o autor que diz não se colocar nos seus livros. Inconscientemente o escritor se põe na obra. Pode ser que ele não consiga se reconhecer nela de imediato. Contudo, com o passar do tempo, se relendo, ele enfim se reconhece. E mente também o autor que diz não roubar dos outros, ao montar seus personagens. Os meus têm muito de mim e de uma gama referencial de personagens das telas. Sempre bebi mais no cinema que na literatura.
O terror e o suspense muitas vezes exigem uma pesquisa aprofundada sobre vários assuntos. Como funciona seu processo criativo e quais temas estuda com maior frequência para a criação de suas histórias?
Basicamente assisto um filme, ou um episódio de seriado por dia. Desde muito, muito tempo faço isso. Então estou ativamente tendo estalos e fazendo anotações sobre um possível livro que virá a nascer. Aí quando sento pra escrever, o enredo já está alinhavado. Na costura final, só fica faltando os arremates e os acabamentos. Claro que faço uns remendos aqui e ali. Mas gasto mais meu tempo no projeto que na execução.
‘Dança das Bestas’ foi escrito ao som de qual trilha? Por que Mastodon lhe inspira tanto?
Vi a MTV nascer e cresci com a emissora. Depois assisti “Quase Famosos”, comprei uma Rolling Stone, fui para São Paulo e virei colaborador da revista. Já tive bandas. Eu sou música! Não dá para dissociar a música da minha produção como jornalista e escritor. Minha redescoberta de Mastodon coincidiu com a produção de ‘Elos do Mau Agouro’. É uma banda de Metal, porém tem uma roupagem pop, o que facilita seu consumo, tornando aceitável a ouvidos não acostumados. Busquei essa estratégia em ‘Elos’ e em ‘Dança’, dando um contorno pop ao terror psicológico. E deu certo! Talvez seja por isso que Mastodon me encanta. Porém, na reta final de ‘Dança das Bestas’, passei a escutar as trilhas sonoras da POP Violence e da cultura Junkie dos anos 90/2000. Tô falando de “Clube da Luta”, “Assassinos por Natureza”, “Trainspotting”, “Garota Interrompida”… Bom, fica a dica do que vem por aí, ou não (risos).
O que sobrou em você daquela criança que leu ‘O coronel e o lobisomem’, de José Cândido de Carvalho? Em ‘Dança das Bestas’ você acerta as contas com o lobisomem?
Que nada, ainda estão por aí! No ‘Dança das Bestas’, por exemplo, tem uns personagens com hipertricose, aquela doença que preenche todo o rosto com pelos, popularmente conhecida como lobisomismo. Resumindo, os lobisomens de José Cândido ainda me habitam!