“Eis-me aqui, homem do século XX, contemporâneo dum drama permanente, testemunha de confusões como porventura o mundo nunca presenciou desde que os montes surgiram e os mares foram atirados para seus antros. Que fazer por este século arquejante? Mais do que nunca, o pensamento espera pelos homens e os homens pelo pensamento. O mundo corre perigo por falta de máximas de vida. Encontramo-nos num comboio que desfila a toda a velocidade, e não há sinalização, nem agulheiros. O planeta não sabe para onde vai, a sua lei abandona-o: quem lhe restituirá o seu sol?”
(A.D. Sertillanges, no livro “A Vida Intelectual”)
Em 1920, o padre Antonin Gilbert Sertillanges escreveu um livro dando instruções de como deve ser guiada a vida de estudos de uma pessoa com aspirações intelectuais. Nesse livro ele trata da essência da vida intelectual, em que ela consiste, sobre seu espírito, sobre as condições e os métodos da mesma. No primeiro capítulo de seu livro, Sertillanges destaca o fato de que o intelectual pertence ao seu tempo, e deve, a partir de seu conhecimento, ajudar da melhor forma possível os seus contemporâneos, seja com o seu conhecimento, ou com o que melhor ele for útil, já que ele diz que o trabalho, o emprego, é ótimo para o estudioso, pois lhe dá responsabilidade e disciplina, e ainda faz com que ele priorize os interesses que realmente importam para seus estudos, já que não lhe sobra tanto tempo ocioso para ficar divagando em temas sem importância.
No final do tópico onde ele fala do pertencimento do intelectual ao seu tempo, Sertillanges se coloca dentro de seu próprio tempo, século XX, e escreve a frase que introduz esse texto, se perguntando o que poderia ser feito por aquele século. Como está explícito na frase citada, Sertillanges se vê pertencente a um século com um “drama permanente”, cheio de confusões que o mundo ainda não tinha até então presenciado, em um mundo que seguia sem rumo, sem direção, que não sabia para onde estava indo. Mal sabia Sertillanges o que ainda estava por vir desde a escrita de seu livro, em 1920, até aos nossos dias atuais…
Se, em 1920, A.D. Sertillanges já descrevia o mundo de seu tempo como composto por um drama permanente, cheio de confusões, e sem direção para seguir, que corria perigo por faltar máximas de vida, hoje, quase cem anos depois, tudo isso foi elevado a um nível muito mais drástico. O drama ainda permanece e se intensificou ainda mais, as confusões se multiplicaram e estão em todos os lugares e tendo a sua origem desde os motivos mais banais até aos mais sérios, em nosso tempo, tudo gera e motiva mais confusão, talvez, “confuso” seja o adjetivo que mais descreva nosso mundo hoje e, a exemplo do tempo de Sertillanges, mesmo quase um século depois, o mundo ainda está sem direção e sem saber para onde ir. Se aceitarmos o fato de que existe um caminho certo a seguir, tudo nos mostra que estamos nos afastando dele cada dia mais; desde 1920, se multiplicaram os caminhos e as direções, mas todos, só têm feito com que o mundo se perca e se afaste cada vez mais do caminho correto.
Logicamente, muitos foram os fatos que levaram a toda essa mudança – para pior – que o mundo sofreu, muitos desses fatos não tem nada a ver conosco, mas seus efeitos estão sempre presentes em nosso meio; guerras, fomes, corrupção, maldade, injustiça, etc., infelizmente, temos que conviver com esse triste legado.
Diante disso tudo, a pergunta que fica é: O que podemos fazer por esse século, para mudar tal realidade? Ou, o que estamos fazendo por esse século e para mudar essa realidade?
Todos, de uma forma, ou de outra, podemos agir e atuar para a transformação do mundo e da realidade ao nosso redor. Esperamos grandes intervenções e transformações na realidade atual do mundo, de nosso país, de nossa cidade, todas elas feitas por outros; seja pelos governos, seja pelos outros cidadãos, seja, até mesmo, por uma intervenção divina, mas nos esquecemos que nós mesmos podemos ser agentes atuantes para a transformação.
O que temos feito por esse século, por nosso povo, por nossa geração? Quais têm sido nossas atitudes para atingirmos as mudanças que tanto cobramos e esperamos que os outros façam? Enquanto jogarmos as responsabilidades para os outros, tudo continuará da mesma forma, e com tendências a piorar. Mesmo que não possamos fazer grandes coisas para mudar o mundo, podemos buscar fazer as pequenas para mudar a realidade ao nosso redor.
Wanderson R. Monteiro
(São Sebastião do Anta – MG)