Ildecir A. Lessa Advogado
Movimento de pessoas, harmonia, convivência em um lugar agradável, fogos de artifício. Garotada brincava. Uma noite perfeita na comuna francesa de St. Laurent du Var, Nice. De repente, numa fração de segundos, um enorme caminhão branco se lançava a toda a velocidade contra a multidão enquanto dava giros para atingir o máximo número de pessoas. Corpos voavam como se fossem peças de boliche. Muitos ruídos, gritos e pânico. Pessoas correndo, gritando. Só se passaram alguns segundos, mas em estrago humano terrível; “Busque um refúgio”; “Não fique aí”; “Onde está meu filho? Onde está meu filho?” Foram as vozes ouvidas nas diversas reportagens. De repente, cadáveres a cada cinco metros. Corpos sem vida, sem membros. Trouxeram água para os feridos e toalhas para cobrir aqueles para os quais já não havia esperança. O caminhão assassino terminou seu percurso uns metros à frente, crivado de balas. Choro, muito choro.
Mais esse atentado na França, mostra com toda a dureza que estamos diante de uma nova forma de terror na qual indivíduos dirigidos ou encorajados pela mensagem do radicalismo islâmico decidem causar o máximo dano possível contra indivíduos e grupos absolutamente indefesos. Mais uma vez a França é destaque desses ataques desumanos. Impera o ódio que encontrou, na mensagem radical islâmica, uma projeção letal. O atentado ocorre depois de outros dois massacres que abalaram a França: os atentados contra o semanário satírico Charlie Hebdo e um supermercado de comida judaica, em janeiro de 2015; e o ataque de novembro passado em Paris, no qual morreram 130 pessoas. Hollande anunciou a ampliação por mais três meses do estado de exceção decretado depois do massacre de 13 de novembro.
Mas qual a razão desses atentados acontecerem na França, com frequência? A explicação dos analistas, diz que, “é muito difícil para as autoridades francesas controlar esses cidadãos no momento em que se radicalizam, pois ele podem facilmente sair e entrar do país com seu passaporte francês”, explica uma cientista política. Numa visão de estratégia, “comparando a França, por exemplo, com o Reino Unido ou os EUA, os dois outros países militarmente envolvidos de forma mais proeminente na luta contra o ‘Estado Islâmico’, percebe-se que, geograficamente, a França é muito mais fácil de alcançar do que, por exemplo, o Reino Unido em sua condição insular. Por isso, existem várias razões que se entrelaçam e tornam a França tão vulnerável. Por um lado, o país é uma das nações europeias de maior participação na chamada luta internacional contra o terrorismo. A França está presente militarmente na Síria e no Iraque, onde bombardeia postos do “Estado Islâmico”. Em segundo lugar, não devemos ignorar o fato de que, devido ao seu passado colonial, a França possui uma grande comunidade muçulmana com dupla cidadania, ou seja, a francesa e de seu país de origem. É muito difícil para as autoridades francesas controlar esses cidadãos no momento em que se radicalizam, pois eles podem facilmente sair e entrar do país com seu passaporte francês. Eles não precisam de visto para residir na França como sírios, tunisianos ou argelinos, já que possuem cidadania francesa. Há ainda outros motivos internos. A França é um país laico. Portanto, nela existe uma separação estrita entre Igreja e Estado. Este não se sente responsável por assuntos religiosos. Ou seja, por muito tempo, o país não deu importância para o que estava acontecendo, principalmente nas comunidades muçulmanas. As radicalizações que ali aconteceram passaram despercebidas pelo Estado, que simplesmente não se sentia responsável por isso. Existem ainda dois outros motivos por que a França é novamente alvo do terrorismo. No momento, o país apresenta um alto desemprego. Quase 10% da população está sem trabalho. A situação se agrava quando sabemos que 64% dos jovens de origem migratória são afetados pelo desemprego e, assim, também pela falta de perspectivas. Há um potencial para a radicalização. Por último, a cooperação entre os serviços de inteligência franceses ainda é problemática. Os serviços secretos do país ainda não trabalham suficientemente em conjunto. Frequentemente surgem falhas de informação e, ao mesmo tempo, os políticos não consegue achar formas de melhorar essa cooperação de inteligência. As lacunas resultantes – vemos isso nos atentados – têm muitas vezes efeitos fatais para o país e a população. Há dois indícios que levam à resposta de “por que agora?”. Primeiramente, o 14 de Julho é um dia simbólico, o feriado nacional francês, que é utilizado, tradicionalmente, para celebrar os valores da República Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade, as conquistas do 14 de julho de 1789. Também devido à Revolução Francesa, a França se vê como berço da democracia e dos direitos humanos. Para os autores do ataque, praticar um atentado terrorista nessa data deixa claro: não compartilhamos em absoluto dos valores da República, nos defendemos deles e de forma muito ativa. É como se isso tivesse um valor simbólico: o de ser um duro golpe contra tudo aquilo que a França representa nacional e internacionalmente. Em segundo lugar, durante seu tradicional discurso do feriado nacional, o presidente francês disse, na manhã do 14 de Julho, que o terrorismo estava muito melhor sob controle. E se o atual atentado tiver mesmo uma motivação islâmica, ele seria um sinal claro dos terroristas: com ou sem estado de emergência, para nós não importa. Vocês não conseguem nos controlar. Acho que pode ser dito neste momento que é quase impossível para o governo francês arcar com outra ação militar no Oriente Médio. Não devemos ignorar o fato de que, desde os atentados de novembro do ano passado, mais de dez mil membros das Forças Armadas do país estão sendo empregados dentro da própria França, na luta contra o terrorismo internacional. Isso naturalmente enfraquece Paris com vista à sua capacidade de ação em termos de política externa, ou seja, quanto ao envio de tropas adicionais para a guerra na Síria e no Iraque.
O certo é que, o massacre é uma nova demonstração de que absolutamente ninguém está livre da ameaça do radicalismo. E que os grupos vulneráveis – civis em uma festa, um restaurante, no metrô ou em aeroportos – são os alvos escolhidos. Sob nenhuma circunstância é possível baixar a guarda.