- Eugênio Maria Gomes
Neste período de festas de fim de ano é muito comum que sobre muita comida para o dia seguinte e, às vezes, para vários dias seguintes. As festas trazem, também, esse sentimento de fartura, de casa cheia e de celebrações em torno da mesa. É possível encontrar, em um mesmo jantar, três ou quatro tipos de proteínas diferentes, entre elas, os mais famosos do Natal: o peru e o pernil. E foi o pernil que me levou a adquirir a peça que dá título a este texto, a faca elétrica. Aliás, a gente chama aquela faca de “peça”, para não falar “ferramenta” ou “equipamento”. Você já manuseou uma faca elétrica? Você se sente meio Leatherface, com uma motosserra na mão, na série de filmes “O Massacre da Serra Elétrica”
Nas conversas iniciais sobre a Ceia de Natal, vários foram os cardápios escolhidos e que foram mudando ao longo da organização da festa. No entanto, o pernil jamais saiu de qualquer uma das listas, sendo que a discussão sobre ele sempre girou em torno do tamanho, se seria pequeno, médio ou grande. Optou-se, como sempre acontece em uma tradicional família mineira, pelo pernil grande. Aliás, essa fartura a que se permite o mineiro, merece um estudo à parte. Na casa dos meus pais, também era assim, não importava a quantidade de pessoas que aparecessem sem avisar, que o almoço sempre dava para todos, tamanha era a quantidade de comida que minha mãe fazia. Mas, voltando ao pernil, foi comprado um daqueles que não cabem em nenhuma vasilha e que poucos comem no dia em que é feito, já que ele sempre está acompanhado de muitas outras guloseimas. O pernil era tão grande, que dificultou a sua guarda para consumo posterior. Não deu outra: no dia seguinte ao Natal, lá estava o pernil, praticamente intacto, ocupando uma prateleira inteira da geladeira.
Vamos guardá-lo no freezer, sugeriu alguém, sem, contudo, verificar a relação entre o seu tamanho e o espaço correspondente, o que só foi percebido quando ele, definitivamente, não entrou na prateleira. Decidiu-se então cortar algumas lâminas da carne, prepará-las para a refeição daquele dia e, com ele um pouco mais magro, congelá-lo. E, assim, foi feito.
No terceiro dia, ainda estavam na geladeira sobras de doces, frutas, farofa, arroz e, claro, fatias do pernil, já reutilizado no dia anterior.
– É um absurdo desperdiçar tanta comida!
– Sim, mas também não dá para comer a mesma comida por dias seguidos.
– Vamos congelar o arroz e a farofa. Isso tudo fica bom, mesmo congelado.
– Como congelar? Não tem espaço no freezer, pois está tomado pelo pernil.
– E se fatiássemos todo o pernil, para guardá-lo em porções, no próprio freezer.
– Mas o pernil é muito grande, quase dez quilos. Não temos uma faca tão boa assim para fatiá-lo.
E, assim, surgiu a ideia de adquirir uma faca elétrica. Não bastasse o trabalho que deu para encontrar uma no mercado, ainda foi preciso treinamento para conseguir manusear a peça. A cada corte, o braço tremia junto. Sem falar no perigo de levar um dedo junto com a fatia do tal pernil. Pense em um equipamento perigoso pra manusear!
Corta daqui, corta de lá, e os pequenos potes foram sendo preenchidos com fatias de pernil. Um, dois, três, quatro, cinco, seis potes. O jantar de Natal garantiria vários almoços dali para frente, não apenas em relação ao pernil, mas aos outros vários potes contendo arroz e farofa.
Depois de ler o manual e conseguir desmontar a tal faca elétrica, fiz questão de fotografar a quantidade de comida guardada, sobras do que deveria ter sido uma “simples ceia de Natal”. É bem provável que, no próximo fim de ano, as discussões sobre o cardápio para a ceia de Natal voltem. Também, é bem possível, que no freezer ainda exista um ou outro pote, contendo comida do Natal anterior.
Sinceramente? Espero que não coloquem pernil no cardápio novamente. Se assim o fizerem, que coloquem então um pernil de tamanho pequeno, que já chegue fatiado e que a faca elétrica permaneça onde está: guardada no lugar mais alto do armário, longe das crianças e de eventuais Leatherface dos tempos modernos.
*Funcionário da Funec e escritor.