Ildecir A.Lessa
Advogado
“Houve muitas crises na história da humanidade, muitos períodos de interregno, nos quais as pessoas não sabiam o que fazer, mas elas sempre acharam um caminho. A minha única preocupação é o tempo que levarão para achar o caminho agora. Quantas pessoas se tornarão vítimas até que a solução seja encontrada?” – Zygmunt Bauman.
O pensamento do sociólogo e professor Bauman aponta para um tempo, em que os conceitos eram sólidos. Ideias, ideologias, relações, blocos de pensamento, tudo como uma espécie de um trabalho, que era de moldar a realidade e a interação entre as pessoas. O século 20, com suas conquistas tecnológicas, embates políticos e guerras viu o apogeu e o declínio desse mundo sólido. A pós-modernidade trouxe com ela a fluidez do líquido, ignorando divisões e barreiras, assumindo formas, ocupando espaços diluindo certezas, crenças e práticas. A oposição entre o mundo sólido e o mundo líquido foi a manifestação de base em seus escritos, do pensamento de Zygmunt Bauman, sociólogo, um dos mais respeitados intelectuais da atualidade, falecido em 2017.
E dentro das ideias desse mundo sólido, observa-se os fatos e acontecimentos se diluindo cada vez mais. Dentro da política, no mundo sólido, dos Estados Unidos da América, depois de um julgamento de impeachment que durou quase duas semanas, o presidente americano, Donald Trump, foi inocentado pelos senadores e agora pode se concentrar em sua disputa pela reeleição, em novembro. A absolvição de Trump no Senado é um reflexo da popularidade de Trump entre republicanos. No mundo líquido da China, um vírus desconhecido pela ciência até há pouco vem causando uma doença pulmonar grave em centenas de pessoas e já foi detectado em mais 12 países — Cingapura, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Canadá, Austrália, Malásia, Japão, Nepal, Tailândia, Taiwan e Vietnã. Até agora, mais de quatrocentas pessoas morreram em decorrência do vírus na China, que surgiu em dezembro passado na cidade de Wuhan. A Organização Mundial da Saúde (OMS), já declarou situação de emergência.
No mundo líquido da Rússia, o presidente russo, Vladimir Putin, acredita que o liberalismo “se tornou obsoleto” e afirmou que ideais liberais sobre refugiados, imigração e questões LGBTs são agora combatidas pela “maioria esmagadora da população”. Até mesmo algumas potências ocidentais admitiram em âmbito privado que o multiculturalismo “não é mais sustentável“, disse o líder russo ao jornal britânico Financial Times.
No mundo líquido de Israel, uma semana depois da apresentação do plano de paz do presidente norte-americano Donald Trump, a tensão aumentou na Terra Santa. Dois jovens manifestantes e um policial palestino foram mortos a tiros na Cisjordânia pelo Exército de Israel, entre esta quarta e quinta-feira. Além disso, em dois ataques registrados em Jerusalém nesta quinta, um militar israelense foi ferido por disparos de um palestino (que ele em seguida matou) e 12 soldados sofreram ferimentos, um dele com gravidade, ao serem deliberadamente atropelados por um veículo.
No mundo líquido do Brasil, artistas, intelectuais e políticos do Brasil e de diversos países lançam nesta sexta-feira um manifesto contra o cerceamento de instituições culturais, científicas e educacionais, além da imprensa, pelo Governo Jair Bolsonaro. Como disse o sociólogo Bauman: este século é muito diferente do século 20.
Não se tem uma visão do mundo líquido atual, de longo prazo, sendo certo que, todas as ações consistem somente em reagir às crises mais recentes, mas as crises também estão mudando. Elas também são líquidas, vêm e vão, uma é substituída por outra, as manchetes de hoje amanhã já não são mais e as próximas manchetes apagam as antigas da memória, tudo isso vindo a gerar um estado de desordem, não restando aos mortais desse mundo, uma saída, senão, a procura de sobrevivência mais e mais, em um mundo líquido cada vez mais dominado pela desordem!