“Mas digo isto, irmãos, que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus” – 1Coríntios 15:50
Acredito que todos saibam que, dentro do cristianismo, a ideia de um “céu” onde Deus habita, é, com certeza, a melhor coisa concebível dentro da mente de todo cristão, e dentro da cosmovisão cristã. No coração da fé cristã, o céu representa a suprema realização espiritual, o ápice da existência onde a presença divina e a completa comunhão com Deus é plenamente experimentada.
Disso não há dúvidas: dentro do pensamento cristão, dentro da cosmovisão cristã, o céu, a habitação de Deus, e com Deus, é a melhor coisa concebível e o melhor lugar para estarmos. Não há nada melhor, ou que se compare a esse lugar. Dentro da cosmovisão cristã, e para os cristãos, poder ir para o céu e habitar com Deus é a melhor coisa que pode acontecer com uma pessoa.
Mas, para muitas pessoas, inclusive cristãs, mesmo que o céu seja a melhor coisa concebível, existe aí um “problema”, pois, para ir para o céu habitar com Cristo algo é extremamente necessário: morrer primeiro – ou sermos transformados instantaneamente se ainda estivermos vivos quando Cristo voltar para a consumação da História -.
Repito, e sendo extremamente direto: o maior “problema” do céu é o fato de que se deve morrer para poder ir para lá.
A morte, com certeza, é um dos maiores problemas da humanidade, senão, o maior (fora o Pecado, do qual a morte é a consequência), de forma que a Bíblia diz que a morte será o último inimigo a ser vencido por Cristo na consumação dos séculos, como diz Paulo em 1Coríntios 15:26. Recursos infindáveis são gastos na tentativa de adiar a morte o máximo possível, pois, indubitavelmente, a morte causa inúmeras dores, principalmente para aqueles que ficam e sofrem a dor de perder uma pessoa amada e querida.
Quando esse fato acontece, quando alguém perde um ente querido, muitos começam a se perguntar o “porquê” disso ter ocorrido. Começamos a nos perguntar o motivo de Deus ter feito isso e não ter feito nada para impedir tal acontecimento e, consequentemente, nossa dor.
Sem dúvidas, o fato da morte é muito triste. Muitas pessoas perdem entes queridos, muitas pessoas boas perdem suas vidas todos os dias e, o questionamento que fica é esse “Por quê?”. Porque pessoas boas morrem? Porque pessoas que não prejudicam ninguém acabam perdendo a vida, deixando dor e saudade para aqueles que ficam? – (Mesmo que, diante de Deus e de Sua santidade, não existam pessoas “boas”, nem “inocentes”, pois, como diz o apóstolo Paulo em Romanos 3:23: “todos pecaram e destituídos (separados) estão da glória de Deus”, e também, em Romanos 3: 10-12: “Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer”. Dessa forma, podemos ver que, por mais que as pessoas, ou nós, sejamos “bons” à luz da sociedade e mundo atuais, diante de Deus e Sua santidade, não passamos de “trapo de imundícia”, como diz Isaías: “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo de imundícia; e todos nós murchando como a folha, e as iniquidades com um vento nos arrebatam (Isaías 64:6). Fora essa posição diante da santidade de Deus, não devemos nos esquecer que, dentro de cada um de nós, dentro de cada ser humano, reside o mal e a maldade e, com eles, influenciados por eles e por determinadas situações específicas, cada um de nós, por melhores que sejamos aos nossos olhos, somos potencialmente capazes de cometer desde os menores até aos maiores, e piores, atos de violência.
Mesmo sabendo que diante da santidade de Deus não existam pessoas inocentes ou completamente “boas”, e mesmo que reconheçamos esse nosso potencial para atos ruins, injustos, maldosos e violentos, não deixamos de nos sentir abalados quando pessoas que conhecemos, pessoas “boas” aos olhos humanos e diante de todos os problemas da humanidade, perdem suas vidas e deixam esse mundo. Sentimentos ainda piores se dão quando essas pessoas boas aos nossos olhos perdem suas vidas pelas mãos de pessoas más que tiram essas vidas por atos de violência. Nesse contexto, a tragédia se aprofunda ainda mais, quando vemos vidas serem ceifadas pela crueldade humana. A injustiça de vermos pessoas boas sucumbindo diante da maldade de outros atinge nossos corações, levantando questões sobre a inação divina.
Quando isso acontece, muitos questionam o “porquê” de Deus não ter impedido tais coisas acontecerem: “Afinal de contas, Deus não é ‘Todo poderoso’, onipotente, onisciente e onipresente? Por que Ele não faz nada quando uma pessoa boa padece pelas mãos de uma pessoa má? Por que Deus não impede que pessoas boas percam suas vidas pela maldade de homens maus?”. Esses são questionamentos comuns que vêm a mente da maioria quase absoluta das pessoas. Além destes questionamentos, outros questionamentos são feitos e se juntam a estes, tais como: “Por quê que Deus permite que crianças, bebês, percam suas vidas sem terem a oportunidade de crescerem e se desenvolverem, ter suas famílias, aproveitar a vida que lhes foi dada?”. “Se Deus é onipotente, onisciente, e onipresente, porque, sendo Ele tão poderoso, por que ele não faz nada enquanto pessoas inocentes perdem suas vidas? Por que Ele não faz nada?”.
Estes são questionamentos naturais de muitas pessoas em nosso mundo atual. Tais interrogações, reforçadas pela influência crescente do humanismo, ecoam nos corações e mentes contemporâneos, desafiando a fé e a compreensão do divino. Contudo, além do véu da mortalidade, vislumbra-se uma outra perspectiva.
A morte, embora represente um fim para a vida terrena, também inaugura uma jornada espiritual, abre as portas para um fim último, uma passagem para um estado de existência além do alcance da dor, do sofrimento, e da injustiça. No contexto cristão, a morte não é o término, mas sim o meio que conduz à presença plena de Deus, onde a justiça é restaurada e o sofrimento é banido.
Assim, para os que creem, a fé não é uma negação das dificuldades da vida, mas uma promessa de transcendência além delas. Enquanto enfrentamos o enigma da morte, somos convidados a contemplar não apenas o sofrimento presente, mas também a esperança futura, onde cada lágrima será enxugada e cada injustiça será retificada.
Assim, o “problema” do céu, embora possa parecer insuperável à luz da mortalidade, revela-se, na verdade, como o ponto de partida para uma realidade de plenitude e redenção. Na promessa do céu, encontramos não apenas consolo para o presente, mas também esperança para o porvir, transcendendo as limitações da vida terrena para abraçar a eternidade ao lado do Deus eterno.
Se não levarmos em consideração a promessa de um céu para onde vão algumas pessoas quando morrem, então, se tornaria extremamente difícil encontrar alento para a perda de pessoas queridas, ou, até mesmo, um sentido válido para toda e qualquer existência. Mas, se guardamos a esperança da existência de um céu, que é, em essência, a melhor coisa concebível para aqueles que creem na religião cristã, então, a morte, por mais dolorosa e injusta que seja, deve ser vista como a passagem de um mundo de dor e sofrimento, um mundo caído, mau e corrompido, para uma realidade considerada a melhor localidade existente: o céu, local para se desfrutar completamente da presença de Deus, onde todos aqueles que creem na religião cristã almejam habitar, e desfrutar daquilo que o apóstolo João nos apresenta no final do livro do Apocalipse:
“E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe.
E eu, João, vi a Santa Cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido.
E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus.
E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas.” (Apocalipse 21:1-4).
Diante dessa perspectiva, por mais dolorosa e injusta que seja, a morte terrena é só um meio pelo qual somos levados ao reino da eternidade, para podermos desfrutar da presença constante de Deus, assim como de todas as boas promessas que Ele preparou para aqueles que n’Ele creem. Assim como a mesma pode ser vista como uma libertação desse mundo cheio de maldade, perigos e injustiças, sendo a morte apenas o meio para nos levar até a eternidade, onde estaremos em perfeito relacionamento com Deus.