Ildecir A. Lessa
Advogado
A passagem de Jair Bolsonaro no primeiro turno das eleições foi alguma coisa extraordinária, como acontecimento do momento político que o Brasil atravessa. Esse acontecimento vai selando a longa e inexpressiva carreira na política de Bolsonaro, que conseguiu encarnar o espírito de renovação caro a muitos brasileiros.
Bolsonaro usou do discurso, interpretado como retórica autoritária, que ecoou como nenhuma outra, em um sistema devastado pela maior operação contra a corrupção do mundo. À evidência que, Bolsonaro navegou no discurso, de como a Lava Jato afetou as emoções, atitudes com relação à política e à corrupção. Com isso, apresentou com um perfil de preferência dos eleitores quanto a liderança desejada para o país.
O fenômeno Bolsonaro cresceu também com a grande aversão à política tradicional e uma afinidade de grande parte dos brasileiros a discursos populistas e antissistema. O discurso de Bolsonaro, ao longo de sua carreira política e especialmente desde o começo das eleições, soou com várias declarações que não caberiam a um político comprometido com o regime democrático, sendo essas declarações apenas de efeito de retórica, apenas isto.
Os dois campos da disputa, (PT e Bolsonaro) usam uma retórica que pode ser interpretada como de risco para a democracia. Contudo, numa visão mais profunda e imparcial, isto somente fica no campo da retórica. A própria eleição trata de moderar essas posições. Dentro deste contexto, deve destacar que, as instituições do Brasil já deram provas mais que suficientes de que são muito sólidas, e que não toleram qualquer tipo de agressão à constitucionalidade. Devido a polarização exacerbada, geram as bravatas. E, bravata por bravata, o PT também as faz. A diferença é que a sociedade já se acostumou com o discurso da esquerda sobre a (ausência) de democracia no país. Lembramos aqui, quando o Lula vai ao (jornal) The New York Times e diz (em 14 de agosto deste ano) que não existe democracia no Brasil, que está em curso um golpe de Estado, não reconhece a Justiça, não reconhece julgamentos do Judiciário, ele também desafia as instituições. Os brasileiros, já estão habituados com esta retórica (da esquerda) e ainda, não estão habituados com a retórica da direita. Os brasileiros já acostumaram a dar a devida interpretação para a retórica da esquerda. Porque é apenas uma retórica. O PT ficou 13 anos no poder e não ameaçou a democracia.
A retórica do Bolsonaro é chocante, mas gradativamente ele vai sendo ‘domesticado’, e não representa risco nenhum à democracia. Essa é a boa estrutura do regime democrático, que tem um componente pedagógico: políticos e cidadãos aprendem conforme fazem escolhas – e sofrem as consequências. Veja-se, como exemplo, saraivada de críticas que Bolsonaro recebeu após a fala sobre não aceitar o resultado das eleições, no fim de setembro. Sabe-se de comezinho que, qualquer tentativa de ruptura de um algum princípio democrático e constitucional, vindo de onde vier, seja do campo do Bolsonaro, seja do campo do Haddad, será imediatamente rechaçado pelas instituições, pelo Congresso. Não teria nenhum tipo de suporte nas Forças Armadas, que já deram demonstrações exaustivas de que cumprem seu papel constitucional.
Por tudo isso, aliado a consolidação da democracia no Brasil, que não dá para confundir retórica de um parlamentar polêmico, ou mesmo retóricas de campanha, com uma ameaça real à regra do jogo no Brasil. Essa é a realidade da democracia, que se apresenta como uma grande máquina moderadora de posições. A democracia é uma máquina inclusiva. Mesmo agora na campanha do 2º turno, as duas candidaturas já moderaram vários pontos de vista. Ambos abandonaram as propostas de Constituinte (que foram negadas por ambos os candidatos logo após a votação do 1º turno). O Haddad recuou na questão do aborto, por exemplo; Bolsonaro recuou no tema das privatizações. Ao procurar desconstruir com a narrativa sobre o “risco à democracia“, a esquerda e o PT estariam levando o jogo eleitoral para um campo onde Bolsonaro leva vantagem – e evitando a discussão focada em propostas para os problemas do país. Mas tudo isso, fica apenas no fomento do campo do império da retórica.