Com cerca de 1.500 fotos em seu arquivo, o colecionador José Brisce é o maior guardião da história de Caratinga. Ver esse acervo é uma viagem ao ‘túnel do tempo’
CARATINGA – Memória, faculdade psíquica através da qual se consegue reter e (re)lembrar o passado. E se essa memória é ativada através de fotos, ela se torna mais nítida. E para quem viveu aquela época, a sensação mais associada é a saudade, sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar. Para quem não viveu, é uma viagem ao ‘túnel do tempo’. Assim podemos descrever o arquivo do colecionador José Brisce Filho, 57 anos. Ele guarda como um tesouro cerca de 1.500 fotos que mostram a história e o crescimento de Caratinga, além de objetos raros. As fotos mais antigas de Caratinga nos remetem ao verso de Guimarães Rosa, “… só quase lugar, mas tão de repente bonita…”.
Com muito zelo, José Brisce é o maior guardador de memórias de Caratinga, um verdadeiro guardião da história da Cidade das Palmeiras.
TÚNEL DO TEMPO
A sala da casa de José Brisce mostra que ele também tem verdadeiramente apreço por objetos antigos. Um gramofone em cima de uma estante, teodolito e uma máquina fotográfica antiga ornamentam um móvel, na parede, quadros com fotos mostrando Caratinga de épocas passadas. José Brisce nos faz lembrar os personagens da série ‘Túnel do Tempo’, realizada nos anos 60. Nos episódios, os cientistas Doug Phillips e Tony Newman, interpretados respectivamente por Robert Colbert e James Darren, faziam uma viagem ao passado e reviam acontecimentos históricos. E justamente foi esse seriado que impulsionou o lado colecionador/historiador de José Brisce. “Comecei minha coleção ainda criança, quando estudava na escola Polivalente. Lembro que na época passava o seriado ‘Túnel do Tempo’. Daí veio a inspiração, pois ficava fascinado com as histórias”, recorda José Brisce. “Comecei colecionando selos, depois passei para os outros objetos. Para muitos não tem valor comercial, é algo sentimental mesmo. Geralmente não pago por isso, a troca é melhor para os dois lados”, completa.
José Brisce já foi colunista do DIÁRIO e ao lado do jornalista Carlos Alberto Fontainha, era o responsável pela ‘Lentes do Passado’, onde uma foto antiga era publicada e eram explicadas as circunstâncias dessa foto, caso do tempo, lugar e pessoas ali presentes. “Tem muita gente que não dá valor à cultura, fotografia ou documento. Muitas vezes encontrei fotos no lixo. Todo mês eu ia ao Moviso (Movimento Social São João Batista), o pessoal separava para mim as fotografias. Dois anos atrás peguei uma sacola lá com 408 fotos. Certa vez, era um domingo, em frente à Vila Hott, passei e tinha uma foto no chão. Peguei. Lá na frente peguei outra. Vi um latão e encontrei 89 fotos. Tem gente que tem vergonha de pegar, eu não. Fui lá e peguei. Por isso a nossa história está acabando”, adverte.
Para o colecionador, falta conscientização. “Muitas fotografias estão guardadas dentro da gaveta, não dão valor, esqueceram lá. E a própria família deixa a foto e atrás está em branco, não tem data. Toda pessoa tem que anotar, fazer o registro”, ensina Brisce, mostrando sempre seu lado colecionador.
OUTRAS PEÇAS
Além de fotos, Brisce possui muitas peças. “Tenho um gramofone, que deve ter uns 100 anos. O disco é de carvão. Guardo jornais também e tenho essa peça rara da Proclamação da República, o jornal de 16 de novembro de 1889, com a notícia quentinha da Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. Tenho também a escritura compra e venda de escravos e uma carta de alforria de uma escrava em Caratinga, o original. Todo documento da minha coleção é original, não aceito cópia. Fotografia pode ser a cópia”, explica. “Outra peça bastante rara que possuo é a carta de luto de Afonso Pena, assinada por Afonso Pena Júnior”, acrescenta, pegando cuidadosamente o importante documento emitido em 1909, que está devidamente envolto em um plástico.
O PERSONAGEM
Dentre tantos itens, José Brisce tem certa predileção por fotos de Agenor Ludgero Alves. Personagem histórico de Caratinga nascido em 29 de setembro de 1891 no distrito de São José do Barroso (MG), hoje cidade de Paula Cândido, Zona da Mata mineira. “Ele chegou à Caratinga em 1917. Era promotor de justiça, homem dinâmico, que em pouco tempo foi reconhecido pela sua competência. Com amigos e companheiros, Dr. Agenor empenhou-se na política, corajoso e respeitoso, venceu várias lutas. Foi presidente da Câmara Municipal de Caratinga na década de 20. Depois se elegeu deputado federal”, conta Brisce.
E a casa onde viveu Agenor Ludgero Alves hoje é ponto da cultura em Caratinga. “Dr. Agenor adquiriu um imóvel para sua residência. Durante muitos anos viveu junto de sua família, a esposa Ada Moreztson (Dona Dazinha) e os filhos José, Fábio, Maria da Conceição e Neli. A casa foi um lugar de muito trabalho, escritório de advocacia. Nessa casa aconteceram reuniões com pessoas ilustres, entre elas, João Pinheiro, Arthur Bernardes, Benedito Valadares, Juscelino Kubitschek”, lista o colecionador.
“Hoje, na mesma casa a história continua, expondo e adquirindo conhecimentos culturais, como o teatro, música, pintura e cinema. Essas obras realizadas no Casarão das Artes”, pondera Brisce.
E a admiração por Agenor Ludgero Alves levou Brisce a ter contato com seus familiares. “Conheci o senhor Ney Alves, sobrinho do Dr. Agenor. Senhor Ney foi prefeito de Paula Cândido na gestão 1993/1996. O pai dele, senhor Raimundo Alves, era irmão do Dr. Agenor. Inclusive tenho a foto da casa onde nasceu o Dr. Agenor”, relata José Brisce.
Algumas fotos pertencentes ao arquivo de José Brisce estão expostas no Casarão da Artes.
PRECIOSIDADE
José Brisce, que no início desse ano se tornou pai, costuma dizer que sua coleção não terá fim, pois colecionador nunca se dá por satisfeito e sempre quer algo mais. Outra frase que gosta de usar é “a esperança é a penúltima que morre, pois o último sou eu”.
Perguntado sobre o que tem mais apreço, algo por que tem mais carinho em sua vasta coleção, Brisce se inclina levemente, sorri e aponta para o sofá da sala, onde está a esposa Josilene, que acalenta a filhinha recém-nascida Esther. “Tenho muito amor por minha esposa e minha menina. Essa é a minha preciosidade”, afirma categoricamente.
Nesse momento, Josilene participa da entrevista e mostra todo seu orgulho por Brisce. “Ajudo na organização do arquivo. Quero que ela (Esther) dê continuidade ao trabalho dele. É algo muito importante que não pode ser deixado de lado. Tenho isso comigo e sei que ela o fará”, assegura Josilene.
E assim termina essa matéria, com a certeza que o legado do guardador de memórias irá se perpetuar.
Um comentário
Amédis Germano dos Santos
Parabéns ao Diário pela reportagem com o José Brice, uma das maiores figuras da memória de Caratinga. A mídia local – que sempre adotou a prática nefasta de dourar a pílula de pilantras e políticos detestáveis – estava em débito com uma matéria deste porte, envolvendo uma pessoa de tão grande importância para a nossa história.