Ildecir A.Lessa
Advogado
A tese é uma afirmação, a antítese é a negação da tese, afirmação contrária e, a síntese que, o próprio nome indica, concilia as duas primeiras ideias em um meio termo. A tese concluiu que, o princípio ou garantia da presunção de inocência tem a extensão dada pelo inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, qual seja, até o trânsito em julgado da sentença condenatória. A execução da pena antes disso viola gravemente a Constituição Federal. A antítese, em contraponto, diz que o pressuposto para a decretação da prisão no Direito brasileiro, não é o esgotamento de qualquer possibilidade em face a decisão condenatória, sendo a regra a reserva de jurisdição para a decretação da prisão e não, o trânsito em julgado. A síntese, conciliou as duas ideias, pugnando, no sentido de que, a condicionante constitucional ao “trânsito em julgado”, vai até o julgamento de segundo grau, não até o trânsito em julgado de todos os recursos, afastando a presunção de inocência.
Em resumo: foi isso que aconteceu no julgamento do Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (4). E agora, veio o decreto de prisão do ex-presidente Lula, nesta sexta feira. Isso caiu no seio do Brasil e, um novo julgamento estranho começou. Pergunta-se: a sociedade enlouqueceu? A política empacou? A Justiça perdeu a bússola? Impera o veneno da irracionalidade? O Brasil parece hoje à beira de uma loucura. Presente um cardápio, de ódio, confronto, acusações e até mesmo, agressões físicas. Parece a conjunção de um terremoto e um incêndio. Tudo treme e tudo arde, enquanto a sensatez, a reflexão, o diálogo, o respeito pela diversidade e a empatia pelas ideias alheias se escondem envergonhados. É difícil, em meio às chamas, manter a cabeça fria antes de tomar uma decisão sensata. Ora, os brasileiros, todos, de qualquer ideologia ou credo religioso, entendem que o que se precisa é de um tempo de serenidade, de lucidez humana e política, sob pena de vingar a irritação e o desassossego.
Como entender, ao mesmo tempo que Lula e seu partido, que chegaram ao poder embalados pelo mantra de “paz e amor”, diálogo e a reconciliação, dividam a sociedade entre “nós e eles”, bons e maus. Lula tinha necessidade de, no meio de um processo judicial, condenado por corrupção, ameaçar os juízes de levá-los à prisão se voltasse ao poder? Da mesma forma tinham necessidades, os personagens que gozam do prestígio da sociedade por sua luta contra a corrupção, como o procurador Deltan Dallagnol ou o juiz do Rio, Marcello Bretas, lançar mão de suas crenças religiosas, do temor a Deus, e anunciar jejuns espirituais para pedir a prisão de Lula? Tinha necessidade, o Supremo, que deveria ser o fulcro da segurança constitucional, abrir entre seus magistrados uma guerra pessoal, dividir-se em bandos políticos e transformar um simples e legal habeas corpus como o de Lula em uma batalha e em uma desculpa para tentar reabrir a discussão sobre a possibilidade de começar a cumprir pena depois da condenação em segunda instância? É impossível que a sociedade, também, ela envenenada, não veja na manobra, a mão negra para dar um golpe na Lava Jato, o ogro dos grandes corruptos que sonham “estancar a sangria”? Como também é verdade que a sociedade não pode querer impor sua vontade a um tribunal supremo cuja liberdade de decisão deve ser sagrada e goza do direito constitucional de emitir, em liberdade, vereditos que devem ser respeitados pelos outros poderes.
Lula é o primeiro ex-presidente do Brasil ser condenado por corrupção pela Justiça – Fernando Collor, apesar de ter sofrido impeachment em 1992, foi absolvido pelo STF em 2014. Mas a lista de líderes e ex-líderes mundiais investigados, processados e até condenados por suspeita de corrupção não se limita ao Brasil. Pelo menos outros 11 países contabilizam políticos que, nos últimos anos, perderam o cargo, foram convocados a prestar depoimento, estão se defendendo em cortes criminais ou estão até mesmo presos por acusações de terem se aproveitado do cargo público para benefício pessoal. São políticos da Europa, América Latina, África e Ásia que passaram a serem alvos de mecanismos de controle e de instituições anticorrupção em seus respectivos países. Enquanto a agenda de combate à corrupção toma conta do noticiário, porém, ela é insuficiente para pôr o Brasil na rota de crescimento desejável para erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade e aumentar a produtividade. Não se pode, naturalmente, diminuir a relevância das iniciativas contra a corrupção, em especial da Operação Lava Jato. A Petrobras reconheceu em seu balanço perdas de R$ 6 bilhões, desviados por corruptos. Ao todo, a Lava Jato recuperou um recorde de R$ 11,5 bilhões que haviam sido roubados. Mas, apesar desses números superlativos, a corrupção é apenas um entre tantos outros fatores que drenam recursos do governo e prejudicam nossa economia. Os desvios vão de 1% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Basta comparar tais números com o total do Orçamento da União para entender que, em termos econômicos, os recursos sugados da sociedade dentro da lei são bem mais significativos que aqueles desviados fora da lei.
Não é uma coincidência que, desde 2014, o país tenha registrado déficit primário em suas contas, nem que a dívida pública tenha chegado a assombrosos 74% do PIB, percentual que põe em risco nossa credibilidade no mercado internacional. A corrupção é como um parasita que se aproveita da fraqueza do Estado para sugá-lo. Portanto, por mais que a agenda anticorrupção tome conta da campanha eleitoral e que seja essencial para o país, será insuficiente para garantir o bem-estar da população. Esses dados, fazem o Gigante Brasil tremer, como um terremoto, mas mesmo após um grande terremoto as coisas se ajustam, vamos aguardar o Gigante parar de tremer!