Walber Gonçalves de Souza
A propriedade era grande, num enorme terreiro era possível observar uma bela casa, cuidadosamente decorada, tudo simples, mas de muito bom gosto; nos arredores da casa via-se um canil que mesmo sem portão abrigava os cães; uma horta com seus canteiros geometricamente enfileirados; um lindo pomar com indizíveis árvores frutíferas; e em todos os cantos e recantos muitas outras árvores e flores que insistentemente eram frequentadas pelos pássaros.
O que chamava a atenção também, além de toda a beleza do lugar, era a existência de um galinheiro, muito bem cuidado e com várias aves. E praticamente todos os dias a cena se repetia e era mais ou menos assim.
Ainda era noite, e em especial aquela estava muito estrelada, no meio do silêncio ouvia-se um galo cantando, parecia sinalizar que o sol estava por chegar. Aos poucos entre o cantar do galo outros sons também apareciam, eram os pássaros dando as boas-vindas aos raios solares.
Molusco, como era conhecido o dono daquela propriedade, parecia entender o canto daqueles singelos animais. Acordava, fazia a sua higiene pessoal, aproximava-se do fogão e preparara a sua refeição matinal, uma grande caneca de leite com flocos de milho. Depois caminhava até ao paiol, enchia uma vasilha de milho e outra de canjiquinha. A última para os pássaros e a primeira para as aves do galinheiro.
O engraçado é que os moradores do galinheiro pareciam conhecer o caminhar do Molusco, as galinhas e o galo vendo que a cada passo ele se aproximava cada vez mais, também se aproximavam de onde, todos dos dias, eram jogados as centenas de caroços de milho. E a cada mão de milho que era lançada no galinheiro uma confusão instantânea acontecia. Era uma correria, um bica daqui, um bica de lá, às vezes um som esquisito, tudo fruto daquela briga momentânea pelos grãos.
Depois que não era mais possível visualizar nenhum grão de milho no chão a vida no galinheiro parecia voltar ao normal. Algumas iam para os seus ninhos, outras para os poleiros e tantas outras ficavam ciscando o chão a procura de uma pequena criatura que pudesse ser devorada.
Por volta do meio dia a cena se repetia, agora consequência dos restos das refeições dos humanos. E faltando umas três horas para o entardecer, o Molusco abria as portas do galinheiro permitindo que todos que lá estivessem pudessem passear pela propriedade livremente.
Entretanto as aves não iam muito longe, ficavam rodeando a casa e o próprio galinheiro. Vez ou outra alguma passava em galope, mas no comum elas ficavam sempre onde as vistas do Molusco pudessem alcançar.
As galinhas e o galo pareciam tão treinadas, que poucos minutos antes que a escuridão se fizesse presente, todas elas, vagarosamente caminhavam rumo ao galinheiro e procuravam o seu lugar no poleiro. Assim, cabia ao Molusco o trabalho de fechar a porta do galinheiro e dar a sensação de segurança a todos aqueles ávidos e penosos habitantes.
Seguindo este ritual as aves se desenvolviam da melhor maneira possível, botavam ovos deliciosos, com aquela cor amarelada e grandes; ficavam com aparência saudável, bonitas e aos olhos do Molusco, apetitosas.
Entre poucos intervalos de tempo, mais ou menos de cinco em cinco dias, uma era escolhida pelo Molusco para servir de prato principal na hora da sua refeição. Se recebesse visitas o número das penosas escolhidas aumentava. O importante era o banquete ser bem servido. A escolha nem sempre era uma tarefa fácil, mas o Molusco tinha sempre uma estratégia infalível; todas as vezes que ele queria pegar uma galinha, entrava no galinheiro com as mãos cheias de milho, jogava os grãos próximo aos seus pés e quando a bicharada se aproximava, ele, de uma forma rápida, pegava uma delas. Assim, nunca as demais percebiam o que estava acontecendo e ficavam ainda mais agradecidas pela bondade do Molusco. Pois além de alimentá-las demonstrava querer ficar de tempos em tempos próximo delas.
O galinheiro periodicamente estava passando por reparos, dentro dele sempre havia um galo que acreditava ser o dono do pedaço e algumas dezenas de galinhas que botavam, ciscavam e ficavam ansiosas à espera dos passos do Molusco. O passo daquele que estava com as mãos sempre cheias de milho.
Walber Gonçalves de Souza é professor.