A análise dos direitos sucessórios no concernente à filiação afetiva, também chamada de posse de estado de filho, bem como do direito dos descendentes herdeiros e a igualdade perante os filhos consanguíneos ou adotivos, passa primeiro pelo conceito e aceitação do que seria filiação socioafetiva.
O conceito de família sofreu significativas mudanças com o passar dos anos, e já não pode ser considerado o mesmo de décadas atrás. Utilizando-se de um pensamento mais retrógrado, apenas se considera família a entidade formada por um pai, uma mãe e seus filhos. Porém, o desenvolvimento da sociedade demonstra a existência de diversas formações de família, como as monoparentais, anaparentais ou pluriparentais, formadas por diversas formas de união entre pessoas.
Assim, além das possibilidades de filiação consanguínea e adotiva, uma nova forma de paternidade vem sendo admitida como legítima, e, deste modo, podendo ser regulada pelo Direito: A socioafetividade. Para este modelo de paternidade, o laço consanguíneo que ata duas pessoas não é relevante, tampouco a lei que os define como pais e filhos. O que importa neste caso é a afeição mútua e o sentimento de “ser pai” ou “ser filho” que uma pessoa sente pela outra.
Para dar normatividade ao que já existia na prática, o Conselho Nacional de Justiça publicou o provimento 63através do qual, dentre outros temas, disciplinou o procedimento de reconhecimento de filiação socioafetiva, perante os Ofícios do Registro Civil das Pessoas Naturais. Apesar de alguns estados já estarem realizando o reconhecimento extrajudicial da “paternidade” socioafetiva mediante a edição de normativos próprios, o Provimento 63/2017 do CNJ vem para consolidar a possibilidade de que o reconhecimento da filiação socioafetiva seja efetivado nos cartórios do registo civil de qualquer unidade federativa, uniformizando o seu procedimento.
É possível notar que o laço consanguíneo, que antes era fator determinante para se caracterizar a paternidade, não é mais relevante. Valoriza-se mais o laço afetivo que une duas pessoas. O parentesco psicológico tem maior importância, nesses casos, do que a verdade biológica.
Obviamente, o procedimento não se pode confundir com a adoção. Apenas da legitimidade às situações de fato. Exemplos mais clássicos são dos padrastos ou madrastas que criam os filhos de seus companheiros como se seus fossem. Ou tios, avós, que exercem o poder familiar, como se fossem pais, sobre a criança na falta ou impossibilidade dos pais biológicos. O provimento citado permite que essas pessoas façam constar no registro de nascimento do “filho” sua paternidade socioafetiva.
A implicação mais importante, sem dúvida, vem no campo da sucessão. Do direito do filho socioafetivo figurar entre os herdeiros em igualdade de condições com os filhos biológicos. Sendo os descendentes os primeiros aptos a receberem a herança, deve se analisar novamente o princípio da igualdade entre os filhos. Como já dito, não se admite diferenciação entre os filhos, sejam eles consanguíneos, adotivos, ou que possuam posse de estado de filho.
Uma resolução do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) acerca deste assunto, enunciado 6, diz quedo reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental. A posse de estado regulamenta realidades fáticas não existentes na realidade natural, mas que adquirem suporte e relevância jurídica. O filho afetivo não poderá ser impedido de ter o reconhecimento de um direito apenas pela falta de formalização.
A Professora, e grande Jurista, Maria Berenice Dias afirma que o direito sucessório é um dos relacionados à filiação, sendo assim, o reconhecimento dos direitos sucessórios ao filho afetivo é visível. Este reconhecimento está baseado nos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, quando o filho é menor de idade; ou, se ele for maior, no princípio da dignidade da pessoa humana, pois, segundo Maria Berenice, geraria um parentesco de “segunda classe”, o que não é admitido.
Desta forma, conclui-se que a filiação afetiva, garante todos os direitos e deveres que uma filiação consanguínea ou adotiva garantiria. Não há dúvidas que qualquer discriminação violaria um dos princípios básicos do direito de família: o da igualdade jurídica dos filhos.
Aldair Oliveira
Advogado – pós graduado em Direito Civil e Processo Civil
33-3321.7581