“O contato com a música muda a existência humana”
Frederico Pedrosa fala sobre os efeitos da musicoterapia
DA REDAÇÃO- A música faz parte do cotidiano. O ser humano, por natureza é musical. Se não desenvolve a aptidão para o canto, a dança ou o aprendizado de algum instrumento musical, nem que seja despretensiosamente, escuta o seu cantor preferido ou dança a música da sua vida. Para falar sobre os efeitos da musicoterapia na vida das pessoas, conversamos com Frederico Pedrosa, docente da Graduação em Música com Habilitação em Musicoterapia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Frederico é doutorando em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em Música pela Universidade Federal do Paraná (2018) e Bacharel em Musicoterapia pela Faculdade de Artes do Paraná (2010). Tem experiência com atuação profissional e supervisão de estágios nas áreas de Saúde Mental, Dependência Química e Educação Especial.
O que é musicoterapia?
Eu gosto muito de uma definição que diz que a musicoterapia é uma profissão que utiliza de técnicas musicais para atingir objetivos não musicais. De uma forma mais ampla, o órgão que representa a classe, União Brasileira de Musicoterapia, a define como “um campo de conhecimento que estuda os efeitos da música e da utilização de experiências musicais, resultantes do encontro entre o/a musicoterapeuta e as pessoas assistidas. A prática da Musicoterapia objetiva favorecer o aumento das possibilidades de existir e agir, seja no trabalho individual, com grupos, nas comunidades, organizações, instituições de saúde e sociedade, nos âmbitos da promoção, prevenção, reabilitação da saúde e de transformação de contextos sociais e comunitários; evitando dessa forma, que haja danos ou diminuição dos processos de desenvolvimento do potencial das pessoas e/ ou comunidades”.
Como campo de estudo, surge nos Estados Unidos da América, no período pós-segunda grande guerra mundial. Inicialmente foi desenvolvida por enfermeiros nos cuidados dos “neuróticos de guerra” – pessoas que retornavam aos EUA com transtornos psicopatológicos. A formação, no Brasil, começou no final da década de 60, ou seja, é um campo profissional e de estudos que – no que pese não ser tão novo assim – ainda é recente.
Em quais casos a musicoterapia é indicada?
De uma forma geral musicoterapia apresenta poucas contraindicações. No entanto, existem algumas áreas em que a ação musicoterapêutica já reúne comprovada eficácia, ou tradição em atuação. Pessoas com autismo são tratadas no mundo inteiro, bem como no Brasil já há muito tempo. Objetivos terapêuticos comuns a este público são o desenvolvimento da fala, da socialização e melhorias em qualidade de vida geral.
Na geriatria/gerontologia, as ações musicoterapêuticas costumam ter objetivos como melhora do humor e de aspectos cognitivos como memória, atenção e planejamento são muito frequentes. Existe um documentário muito interessante, disponível no YouTube, chamado Alive Inside, que trata o quanto músicas que marcam a história de pessoas idosas as ajudam.
Também é muito estabelecida a prática da musicoterapia em contextos de cuidados em saúde mental pública. O primeiro contrato de uma profissional como musicoterapeuta, no Brasil, se deu em 1955, antes da primeira formação! De fato, neste momento estou em fase de conclusão do doutorado onde produzo um instrumento para avaliação de musicoterapia em grupo na dependência química, e os resultados têm sido muito positivos.
Na Covid-19, a musicoterapia também pode ser aplicada?
Algo que marcou a todos, no mundo inteiro, foram pessoas tocando e cantando em sacadas de prédios a fim de se conectarem. As numerosas lives também expressaram o quanto a música ajudou no alívio de sintomas negativos devido ao isolamento. Uma informação interessante é que, no ano de 2020, das 10 lives com maior número de pessoas assistindo de forma síncrona, 8 eram brasileiras: isto diz muito sobre como brasileiros utilizam músicas como estratégia de enfrentamento ao sofrimento psíquico!
Em ressonância a isto, pesquisas feitas em lugares tão diversos como Himalaia, Itália e EUA indicam, em uníssono, que as pessoas escolheram com mais frequência a música como a melhor atividade para lidar com o sofrimento psicológico, durante o isolamento social.
Assim, penso que o maior auxílio da musicoterapia, relacionada ao COVID-19, diz respeito à melhora da qualidade de vida das pessoas. Aqui na UFMG, tivemos um projeto muito bonito, que chamava Música para Quem Cuida (@musicoterapiaUFMG), onde fazíamos dedicatórias músicas, em vídeos pelo Instagram e Facebook, direcionados às pessoas que trabalhavam no enfrentamento ao Covid-19 ou que estavam em recuperação desta doença. Alcançamos resultados muito significativos e bonitos.
O que muda no cérebro do paciente que resulta nessa sensação de bem-estar e reflete no tratamento?
O contato com a música de fato muda a existência humana. Um importante pesquisador, chamado Robert Zatorre, indica que o circuito de recompensa neurológico responde à música de forma similar à comida ou ao sexo. De forma análoga, é muito possível que experiências musicais, bem como técnicas musicoterapêuticas, conduzam pessoas a um bem-estar e isso se reflita no tratamento. Porém, não podemos indicar este fato como regra.
De forma geral, músicas nos atingem sempre de forma afetiva, incluídos aí os afetos negativos. Uma alta exposição a uma música que não nos é do gosto pode se tornar algo completamente danoso; técnicas musicoterapêuticas não executadas de forma correta podem levar a uma piora do quadro clínico! Daí a relevância de uma boa formação em musicoterapia, a fim de que o profissional adquirir os conhecimentos necessários para utilizar das músicas e das técnicas musicoterapêuticas de forma assertiva e eficaz.
A musicoterapia faz parte do tratamento psicológico ou eles são trabalhados separadamente?
A musicoterapia é uma profissão diferente da psicologia. A musicoterapia pode possuir objetos terapêuticos voltadas aos aspectos psicológicos, mas isso não é regra. Existem muitas atividades musicoterapêuticas, com comprovada eficácia, em casos de reabilitação neurológica! Sobre este aspecto, também indico um filme, de nome The Music never Stopped.
Por outro lado, nada impede que psicólogos e psicólogas trabalhem com músicas. Por fim, em muitos casos, alianças terapêuticas entre profissionais da psicologia e da musicoterapia.
Pode nos relatar um caso interessante dentro de sua experiência de trabalho com a musicoterapia e seus efeitos sobre um paciente?
Um amigo pediu que eu atendesse o seu avô, que teve um súbito AVC e estava há 10 dias na UTI. Neste décimo dia, o senhor parou de reconhecer este meu amigo. A partir de técnicas de reminiscências e evocações musicais, cantando músicas caipiras acompanhado de viola caipira, este senhor recuperou, em apenas uma sessão, a consciência. Saiu da UTI dois dias depois.
O filósofo romeno Emil Cioran, que tem sua obra marcada pelo pessimismo, disse que a ‘música é o refúgio das almas feridas pela felicidade’. Como provar que Cioran estava errado?
Não tenho qualquer intenção em provar o erro do Cioran. Em outra perspectiva, um linguista chamado Steven Pinker diz que a música é um “cheesecake auditivo”, como se dissesse que, apesar de ser gostosa aos ouvidos, não significa nada mais do que isso. Em consonância com Cioran, a musicoterapia tem se comprovado cada vez mais eficiente no tratamento às pessoas com sofrimentos psíquicos, bem como doenças orgânicas. O papel da musicoterapia têm sido sistematizar técnicas de utilização clínica da música e mostrar evidências de que a música não é apenas um “cheesecake auditivo”, mas que suas ações podem ser muito benéficas em várias dimensões da existência humana – ou também muito destrutivas.
É possível deixar para nossos leitores indicações de músicas ou ritmos para que eles comecem o dia felizes?
Todas as evidências atuais apontam para o fato de que músicas do nosso gosto são as mais indicadas e aconselháveis para sentirmos uma sensação de recompensa. Isso é importante ser dito: não existe a possibilidade de criar generalizações a priori em relação a utilização pessoal de músicas! Neste sentido, as músicas não funcionam como remédios, ou seja, a escuta de uma sinfonia de Mozart, ou uma canção de Mc Fioti, vai gerar efeitos diferentes no humor de diferentes pessoas. Isto sinaliza, mais uma vez, sobre a necessidade de pessoas que querem aprender sobre a utilização da música em ambientes de saúde fazerem uma graduação (ou uma pós-graduação nesta área), bem como a importância de pacientes procurarem profissionais com uma boa formação na área.