Prof. Walber Gonçalves de Souza
Aquela turma se reunia com frequência. Início da década de 90 do milênio passado, eram jovens e adolescentes discutindo a realidade da nação, os rumos do Brasil. Com a distância do tempo, vejo como aquelas conversas eram sonhadoras, politicamente românticas e, provavelmente, inaplicáveis. Aquelas utopias eram o combustível na luta por dias melhores, da perseverança da convicção que é possível construir um país com mais justiça, com dignidade.
O tempo foi passando, a maturidade e realidade fazendo-se cada vez mais presentes e enraizando-se no ser. Mostrando a complexidade de se viver em comunidade e que nem sempre o que tem que ser feito é feito. Acima de tudo há sempre o interesse de alguns prevalecendo, fortificando o cerne dos nossos problemas, desenvolvendo o individualismo doentio.
Aos poucos, cada um foi trilhando em outras direções, consequência da própria vida, proporcionando o desmembramento daquela coletividade. Neste período aconteceu um fato inusitado: um dos companheiros do grupo, o mais velho da turma, aquele que acabava dando a pitada adulta de maturidade nos diálogos, viveu um momento pessoal de profunda angústia. Um dos seus entes queridos passou a conviver com uma doença séria, de extrema preocupação. E como pai ele se pôs a encontrar uma solução. Procurou um hospital aqui, outro ali e nada. Um médico aqui outro ali e nada. Procurou os companheiros que ele sempre defendeu e nada. E tomado pelo desespero encontrou nas mãos daqueles que ele sempre criticou a ajuda que ele mais precisava. O final desta particular história é feliz, pois a então menina encontrou novamente a sua saúde; mas coletivamente um desastre. Depois de muito tempo refletindo sobre este acontecimento é que eu passei a atender o quão cruel é o ciclo vicioso da miséria.
Vivemos em um país onde praticamente tudo que é público funciona muito pouco ou quase nada. Com raríssimas exceções observamos que tudo é exercido de modo precário, sem a qualidade propagandeada. Criando assim um ciclo interminável de benesses politiqueiras.
Imaginemos uma pessoa, simplesmente considerada um nada, excluída praticamente de todos os seus direitos, vivendo de uma maneira que beira a miséria, envolto pela pobreza financeira, cultural… desprovida de uma identidade social. Tudo que ela mais quer e precisa é ser vista, enxergada. Pois o que menos falta a ela são problemas sedentos de soluções; o prato cheio para o “pilantra” travestido de político.
Voltando aos sonhos da década de 90, se o Estado, verdadeiramente atuasse de acordo com suas prerrogativas. Muito do que vivenciamos na nossa história política seria totalmente diferente. Vários casos de extrema indignação não existiram. As características da vida pública mostrar-se-iam totalmente adversas das atuais.
Quando uma pessoa com alguma enfermidade procura os locais apropriados para tratá-la e não consegue atendimento e voltando para casa, busca por ajuda e a encontra justamente nas mãos dos “políticos” pilantras, só podemos chegar a uma conclusão: não falta vaga para tratamento, não falta medicamento, pois com a mencionada ajuda se consegue. Aí o ciclo da miséria humana se fecha. Criando uma roda viva de corrupção, onde o que está em jogo não é um voto, mas sim uma das coisas mais importantes na vida de uma pessoa, sua saúde.
Por um lado, o renegado cidadão não vê outra saída, ou pede e aceita a ajuda ou correrá o risco de morrer. Já por outro lado, o maior beneficiado do esquema, que é o político vigarista, vira o herói da humanidade; engessando, criando limbo, fortificando a cada dia esta relação desumana e cruel com ares de amor ao próximo.
Este exemplo vale para todas as outras situações: conquistar uma vaga em creche e escola, ser cadastrado nos diversos programas governamentais de políticas públicas, transferências e permutas de local de trabalho… Enfim, em todos os lugares em que o direito é transformado em moeda de troca.
Como é sempre mais fácil culpar aqueles que vivem à margem da vida… Vamos cultuando e aceitando passivamente este modelo cruel, injusto e desumano de viver.
Walber Gonçalves de Souza é professor.