IldecirA.Lessa
Advogado
Estamos vivendo, ao que parece, um início de uma epidemia da febre amarela silvestre, com um número considerado de óbitos já confirmados na nossa região. Buscando no ciclo do tempo, os relatos apontam que, as epidemias estiveram sempre presentes na História do homem na Terra, intensificando-se nas épocas de transição entre os modos de produção e nos momentos de crise social. As práticas de intervenção utilizadas para o combate às epidemias refletem, de um lado o conhecimento que se tem do fenômeno e de outro lado, as formas de atuação do Estado em cada período histórico.
Os registros de epidemias durante a Antiguidade e a Idade Média, tem seu período de transição entre o modo de produção feudal e o modo de produção capitalista (mercantilismo) que as “pestes” assumem proporções devastadoras. As palavras latinas “pestes” e “pestilentia” são usadas para indicar qualquer doença com mortalidade elevada que acomete um grande número de pessoas ao mesmo tempo.
A Peste Negra, pandemia de Peste Bubônica, do século XIV, provocou grande impacto na população dos países europeus. As medidas profiláticas recomendadas pela Faculdade de Paris, em 1348, compreendiam a fumigação dos domicílios com incenso de flores de camomila bem como as praças e lugares públicos. As pessoas deveriam abster-se de comer galinha ou carnes gordas e azeite. Não deveriam dormir após a aurora, os banhos eram considerados perigosos e as relações sexuais, fatais. O quarto dos doentes deveria ser lavado com vinagre e água de rosas.Ainda no século XIV foi instituída, em alguns portos italianos, a quarentena que consistia no isolamento de marinheiros provenientes de áreas endêmicas ou epidêmicas, durante 40 dias, antes de poderem penetrar nas cidades.(Arturo Castiglione,in História da Medicina).
No século XVII a teoria miasmática é apresentada de forma mais elaborada por Boyle e Sydehan. Para explicar o aparecimento das epidemias Sydehan utilizou o conceito de constituição epidêmica: “Há diferentes constituições em diferentes anos. Elas se originam, nem do calor nem do frio, nem da umidade nem da secura, mas elas dependem de certas misteriosas e inexplicáveis alterações nas entranhas da Terra. Pelos seus eflúvios, a atmosfera torna-se contaminada e os organismos dos homens são predispostos e determinados.” As medidas profiláticas sempre estarão voltadas para a higiene e o saneamento ambiental. A obrigatoriedade do sepultamento, por exemplo, evitaria a contaminação da atmosfera pelas partículas provenientes da decomposição dos corpos. No século XIX, como um desdobramento das ideias desenvolvidas durante a Revolução Francesa a respeito das relações entre condições socioeconômicas e saúde, consolida-se a concepção de Medicina Social, principalmente na França e na Alemanha, por influência do próprio desenvolvimento das ciências humanas nesses países.
Diante de tal concepção, a prática de intervenção não poderia continuar sendo a da “Polícia Médica”. Os defensores da Medicina Social atribuíam ao Estado o cuidado à saúde. No final do século XIX e início do século XX as epidemias aparecem relacionadas, inicialmente, à expansão imperialista das potências europeias e dos Estados Unidos e, posteriormente, nos países do Terceiro Mundo. As dificuldades encontradas pelos conquistadores no desbravamento das colônias tornaram prioritários os estudos das “moléstias tropicais”. O enfoque dado a essas pesquisas visava tornar claro que as agressões sofridas pelos homens eram provenientes de causas naturais e totalmente desvinculadas da forma de organização social dominante.
No final dos anos 60 e início da década de 70 a noção de contenção é substituída pela “Vigilância Epidemiológica” que pressupõe o alerta constante e o desencadeamento de ações de controle imediatas a fim de circunscrever o problema em sua fase inicial. As sucessivas alterações da estrutura social, principalmente nos países não desenvolvidos, propiciaram a reinstalação de muitos problemas cujo controle era tido como satisfatório. Nessa condição, inclui-se as recentes epidemias de malária, febre amarela silvestre e dengue, que vêm acometendo vários países da América Latina.
No presente, em Minas Gerais, as imediações das cidades de Ladainha, Malacacheta, Frei Gaspar, Caratinga, Imbé de Minas, Entre Folhas, Ubaporanga, Ipanema e Inhapim, são as localidades notificadas do surto da febre amarela. O grupo de risco de contrair a febre amarela silvestre está na população rural e silvestre, agricultores, extrativistas e adeptos do turismo ecológico. Nesses municípios, existe uma ação constante do governo. Foi decretado estado de calamidade. Os postos de saúde estarão de plantão neste final de semana, para vacinação. O certo é que, a questão das epidemias torna-se mais uma vez presente, pondo em cheque, a maneira habitual de concebê-las. A melhor vacina é a vigilância. “… o preço da liberdade é a eterna vigilância, sejam os mosquitos a ameaça, ou as vis intenções do homem.” (Jaime Breilh, Relatório de Epidemiologia).