O choque do futuro e do medo no Brasil

*Ildecir A. Lessa

O livro Choque do Futuro, de Alvin Toffler, (4ª ed. Tradução de Marcos Aurélio Moura Matos, Editora Arte Nova, 1972) estabelece uma abordagem sobre as tendências futuristas, o seu autor descreveu o que ele acreditava poder acontecer no futuro, analisando as tendências através do método histórico-comparativo. O autor estabeleceu uma corrente evolucionista do homem, apreendido pelas suas caracterizações do futuro, em termos tecnológicos, institucionais, organizacionais e sociais. Por esta abordagem humanística tão global e generalizante e ao mesmo tempo tão singular e específica, é que foi considerado este livro como um clássico da literatura mundial. Narra ainda o livro que, o caos de adaptabilidade vem se iniciar quando convergimos à diversidade para a transitoriedade e a novidade, “criando uma ambiência tão efêmera, tão estranha e tão complexa que passa a ameaçar milhões de seres humanos com um fracasso de adaptação: Este colapso é o choque do futuro” (p.268).  E arremata o escritor futurístico: “Os que puderem adaptar-se, o farão, os que não puderem adaptar-se continuarão a sobreviver de algum modo, a um nível mais baixo de desenvolvimento ou morrerão atirados na vastidão das praias” (p.271).

Passados quase 43 anos da publicação da obra, esse choque chegou na vida dos brasileiros, nas grandes cidades provocando um sintoma: o medo. Esta é a constatação de Zygmunt Bauman, em Confiança e medo na cidade (Jorge Zahar, 2009), onde  Bauman salienta que nas cidades se tornam perceptíveis os problemas “criados e não resolvidos pelo espaço global” (p. 78).  A prevalência do medo da iniquidade humana e dos malfeitores humanos –segundo Bauman – o traço distintivo da insegurança contemporânea. Tendemos a viver em constante estado de alerta, desconfiados das intenções perversas latentes em certos grupos ou categorias específicas de pessoas. A nova tônica do medo está essencialmente atrelada à liquefação de premissas, estruturas e instituições sociais modernas. Isto conduz a uma sensação de insegurança e medo, constantes nas cidades. Nas cidades do Brasil, depois da eleição de 2014, instalou-se um período de  radicalização do enfrentamento da verdadeira e secular corrupção brasileira.

A luta contra a corrupção que está nas ruas hoje, tem uma bandeira: “o governo está tirando de mim para dar para os outros”, isso provoca o trauma de Toffler e o medo de Bauman. A contestação à corrupção é, antes de mais nada, a contestação da continuidade da distribuição de renda em uma conjuntura de estagnação. Talvez seja isso,  que a classe média está percebendo como corrupção. A arena de enfrentamento foi instalada, tanto no caso dos escândalos do mensalão, quanto no petrolão. O mensalão foi uma briga do andar de cima, onde seus protagonistas  queriam colocar o PT no seu devido lugar. Houve acordo com  Lula: vamos manter o padrão tradicional de (co) gestão da “coisa” pública. Neste padrão, os partidos dividem os ministérios e estatais como feudos de “porteira fechada”. Cada um se locupleta ao seu jeito. E todos (a começar pela mídia) fazem de conta que não sabem o que está rolando dentro das fronteiras de cada feudo.  Dilma, a inflexível, entrou em cena no lugar de Dirceu, essa, parece ter sido a resposta clara de Lula ao quadro proposto, o que não houve consenso possível. Agora, o Estado deixa de ser o agente da concentração de renda para ser o agente da distribuição. A despeito de manter o Plano Real a redistribuição de renda impôs-se de forma acelerada. A inversão de sinais imposta por Lula-Dilma nas funções do Estado não foi perdoada, provocou o choque na nação. A mídia chafurdou e fustigou com o vazamento dos escândalos. Mas, como constatado, as críticas não conseguiam abalar a popularidade, de Lula e Dilma, enquanto o país vinha crescendo. A partir de 2011, a economia entrou em “compasso de espera”. E estagnou em 2014. Percebeu que, quando se faz redistribuição de renda com crescimento da mesma, todos podem ganhar em termos absolutos. Mas quando a renda está estagnada, não pode haver redistribuição sem que alguém perca. Informações econômicas disponíveis dão conta que, as políticas redistributivas não foram alteradas com o decréscimo da taxa de crescimento da economia, ela está se realizando, crescentemente, às custas da classe média e média alta. E ela sente e começa a ser moralista e reacionária. A única forma de enfrentar esta crise política, portanto, é pelo crescimento econômico. É preciso, urgentemente, voltar a crescer, todos sabem disso. Mas não é possível crescer sem desvalorizar o real. Não se pode mais segurar a inflação no câmbio. O país está morrendo aos poucos e será totalmente desindustrializado – com a ajuda dos amigos chineses – se não for feito algo. E este algo, na visão dos entendidos, passa por rever a política industrial em direção ao modelo asiático: desvalorizando e fortalecendo o mercado interno e a competitividade da indústria nacional. O problema – evidente – é que a população não pode tolerar o retorno da inflação! E não há dúvida que a desvalorização irá pressionar os preços internos, o que não é salutar nem tolerável. Quem ganha com a inflação são sempre os mesmos. A inflação resulta da ampliação do grau de monopólio. O grau de monopólio é a síntese entre o poder econômico, o poder financeiro e o poder político. É o poder de determinar (e ampliar) o preço. Só os monopolistas impõem preço. E em qualquer disputa inflacionária ganha quem tem maior facilidade de impor (e refazer, re-impor) preço. Ao longo do tempo, só os setores proprietários têm a ganhar com a inflação.  O quadro é desalentador, e os cidadãos brasileiros assistem todos os dias, através dos meios eletrônicos, o viés de comunicação que permite a todos, indistintamente, ter acesso a todo e qualquer tipo de informação instantaneamente e de qualquer lugar, tudo que se passa nas esferas dos poderes governantes, envolvidos num quadro de uma aguda crise ética e moral, que denegri a nação. Todo esse quadro denota a insegurança que tanto atormenta a sociedade, provocando o choque de um futuro incerto, vinculado ao medo constante, levando os cidadãos a viverem em um dos crônicos problemas que fazem a população perder as esperanças de algum dia ter a dádiva de poder viver dignamente, sem sobressaltos e invadida, real e psicologicamente, pela constante presença do medo, que pode comprometer o futuro.

*Ildecir A. Lessa é advogado

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