Mons. Raul Motta de Oliveira
Historiando
Dia 30 de abril, a convite do Pe. Moacir, participei da audiência com o Meritíssimo Juiz de Direito, Dr. Consuelo Silveira Neto, que insistiu conosco sobre a importância do diálogo entre as partes, a saber, a Catedral e o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural de Caratinga. Procurei logo o contato com o seu Presidente, Sr. Lysias Leitão e com Dr. Humberto Luiz Salustiano Costa Júnior. Estive com ambos, conversando sobre o angustiante problema do Adro da Catedral São João Batista e suas possíveis soluções.
Lysias Leitão passou-me um documento de 13-12-2017, no qual, em cinco páginas ele apresenta as Diretrizes de uso e preservação do “Conjunto Arquitetônico e Urbanístico da Praça Cesário Alvim”. Nele, nada encontrei sobre a parte histórica, o que seria justo esperar, tendo em vista o nome de “Patrimônio Histórico” dado a este Conselho Municipal.
O Histórico local, foi por mim apresentado (Cf. “O Diário de Caratinga” de 7-3-2018), onde mostrei, segundo nossos historiadores, que os fundadores de Caratinga, João Caetano do Nascimento e companheiros, doaram para o Patrimônio de São João Batista duas sesmarias, ou seja, mais de 80 alqueires de terras, onde hoje se erguem a cidade de Caratinga e arredores.
Pretendo hoje com vocês olhar esse tema com visão mais ampla, ou seja, em um documento da Igreja no Brasil colonial, no século XVIII.
“Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”
No século XVIII, o Brasil era colônia de Portugal, quando, até a proclamação da República (15-11-1889), a Igreja era unida ao Estado. As leis e orientações da Igreja eram assumidas pelo Reino de Portugal e, depois de 7-9-1822, pelo Império do Brasil; e vice-versa.
Aquelas “Primeiras Constituições” foram o primeiro livro, em Português, editado nas Américas (Castelnovo, 39). Suas orientações e mandamentos foram seguidos por toda a Igreja no Brasil. Vejamos algumas de suas determinações: “A Igreja é cidade fabricada sobre o monte, patente a todos; é candeia posta sobre o castiçal, que alumia a todos” (Cf. Mt 5, 14). Por isso, as “Constituições”, nº 687, determinam: “As igrejas se devem fundar e edificar em lugares decentes e acomodados; pelo que mandamos, havendo de edificar de novo alguma igreja paroquial em nosso Arcebispado, se edifique em sítio alto e lugar decente”.
A primeira igreja de Caratinga, a Capelinha de São João, edificada nos princípios da década de 1870, era em um local elevado, dominando a Praça São João, como a vi, em 1941, quando eu era menino, estudando no Colégio da Dona Isabel. Posteriormente, a Praça foi toda loteada, e seus lotes vendidos ou doados pela Prefeitura, deixando a Capela como é hoje, apertada em meio aos edifícios.
Sabemos pela nossa História que, estando a nossa igrejinha muito pequena para abrigar os fiéis da crescente localidade, Pe. Maximiano João da Cruz, nosso primeiro Vigário, programou construir nova Matriz, no Largo da Barreira, mais próximo do centro de Caratinga, na época a Praça da Câmara, hoje Praça Getúlio Vargas. Embora não fosse elevação, o Largo da Barreira, hoje Praça Cesário Alvim, era amplo, o que daria grande destaque ao novo Templo. E, aos 20 de junho de 1880, a Comissão constituída, chamada Mesa Deliberadora, já assinava o contrato de sua construção, no valor de 6 contos de réis, “com 140 palmos de comprimento e 50 palmos de largura, com duas torres, em ponto de telha, e o corpo da Matriz coberto, assoalhado todo” (Lázaro Denizart do Val, Cronologia da Região do Caratinga, página 66).
Outra determinação das “Constituições Primeiras” (687): quando uma concentração de casas já fosse avantajada e mais densamente ocupada, as igrejas paroquiais deveriam estar livres também da proximidade de casas particulares, em distância que possam andar as procissões ao redor dela. O arraial passava a contar com a sua valorização pelo espaço livre em volta. Esboçou-se assim a presença do vazio, do espaço aberto fluido, por vezes mais elaborado, que vai muito além do simples realce, “que torne condigna a frontaria de uma igreja católica, proporcionando-lhe mais uma área livre, de forma a criar um conjunto articulado de vazio e construção”, a exemplo da igreja de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto, área essa que chamamos de “adro” da igreja (Cf. Murillo Marx, em “Cidade no Brasil, Terra de Quem?”, página 23).
À semelhança das cidades-refúgio do Antigo Testamento (cf. Nm 35, 6-28; Deut 19, 1-13), o Templo de Jerusalém era também local de refúgio de pessoas perseguidas (cf. 2Rs 11, 3). Segundo as Constituições da Bahia (Título 32), também as igrejas católicas, com seus adros, se constituíam igualmente como locais de refúgio de pessoas perseguidas pela justiça. Portanto, o adro de uma igreja, ao menos o adro fronteiriço, foi sempre considerado como parte integrante do templo católico.
O adro da Catedral São João Batista
Afinal, o que é um adro? Segundo os dicionários portugueses, adro é “Terreiro descoberto em frente e, às vezes, em volta da igreja” (Dic. Prático Ilustrado”); “Terreno em frente e/ou em volta da igreja, plano ou escalonado, aberto ou murado”. O mesmo que períbolo: “Terreno, geralmente arborizado, que, na antiguidade, rodeava um templo” (Dicionário Aurélio). “Pátio externo descoberto e por vezes murado, localizado em frente ou em torno a uma igreja; períbolo, átrio (Houaiss). Portanto, chama-se adro à área em frente e ao redor de uma igreja católica.
Aplicando à Catedral de São João Batista, de Caratinga, o adro de nossa Catedral é um espaço de terreno livre de construção, na sua frente, desde as escadarias até o busto de Monsenhor Rocha, inclusive; e também, em torno da Catedral, espaço que dê ao menos para passar uma procissão, com um ou mais andores, talvez quatro ou cinco metros da largura.
Ao ser arborizada a Praça Cesário Alvim, sem nenhuma má intenção, a Prefeitura Municipal colocou canteiros nos lados direito e esquerdo da Catedral, ocupando aquela área do adro, que daria “para passar uma procissão”. Na sua frente, porém, desde a reforma da Catedral (1991), conservou-se o adro, ou seja, a área onde estão suas escadarias até o busto do Monsenhor Rocha.
A Catedral, com seu adro, não é Praça Cesário Alvim
Após estas considerações, fica bem claro que a Catedral de São João Batista, com seu adro, está na Praça Cesário Alvim, mas não é Praça Cesário Alvim. Está incrustada na Praça Cesário Alvim, mas é área particular, pertencente à Igreja Católica, ou seja, à Diocese de Caratinga. Mesmo que dela não tenhamos ainda a Escritura. Mas o sabemos pela nossa História.
Por isso, não se aplicam à Catedral, nem ao seu adro, as sábias “Diretrizes” do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural de Caratinga, para a Praça Cesário Alvim, a mim passadas pelo seu Presidente, o já muito amigo Sr. Lysias Leitão.
Anexamos fotos de várias igrejas, com seus adros, inclusive servindo de estacionamento de carros.
Ao Juiz de Direito, ao Prefeito e aos Vereadores
Faço aqui, pois, um apelo ao Meritíssimo Juiz de Direito, Dr. José Antônio de Oliveira Cordeiro, para que, feitas estas distinções, reconhecendo esta realidade, suspenda suas proibições a respeito dos atos religiosos e do estacionamento de carros no Adro da Catedral de São João Batista. Aliás, ele havia proibido o estacionamento era na “Praça Cesário Alvim”.
Ao DD. Prefeito Municipal, Dr. Welington Moreira de Oliveira, que, após mandar medir todo o adro da Catedral, até o busto de Monsenhor Rocha, inclusive, faça um documento doando à Mitra Diocesana de Caratinga a Escritura do terreno onde está construída, há mais de cem anos, a Catedral de São João Batista, com seu respectivo adro.
E aos nossos ilustres Vereadores atuais, solicitamos o ato histórico de aprovarem esse Documento assinado pelo Sr. Prefeito Municipal.
E que o Senhor Jesus, por intercessão de São João Batista, abençoe a todos nós e à sua e nossa querida Caratinga.