*Eugênio Maria Gomes
Era uma vez, um menino que contava estrelas. Tão logo a noite caía, no céu enluarado de São Francisco, ele se deitava na relva, apoiava a cabeça nas mãos, fixava o olhar na imensidão de pontos luminosos e, enquanto os contava, sonhava com as coisas boas que faria quando crescesse.
Quando começou essa história de contar estrelas – e ele contava todas as estrelas do céu -, aos seis anos de idade, sonhava em ser um mago. Queria ser capaz de alterar o destino das pessoas para que todas, no mundo inteiro, tivessem muito dinheiro, muita comida, muita água e muita saúde. Queria ser capaz de desenhar quadros que, após ficarem prontos, ganhassem vida. E, enquanto pensava tudo isso, imaginava cenas em que as pessoas viajavam, compravam muitas coisas, sorriam e viviam felizes para sempre.
Aos dez anos, não queria mais ser um mago… Entendeu que magos, assim como desejava, não existiam. Pensou, então, em ser rei. E passava as noites, contando a metade das estrelas do céu e criando regras rígidas de felicidade para os seus súditos. Ninguém poderia chorar, adoecer, ser infeliz. As pessoas deveriam cantar, sonhar e serem felizes por muitos e muitos anos.
Parou de pensar em ser rei aos doze anos. Sabia que isso era impossível, até porque em seu país não havia monarquia e, mesmo que houvesse, jamais poderia ocupar o posto sem pertencer à linhagem dos que tinham o “sangue azul”. Continuou a contar algumas poucas estrelas e desejou ser presidente do seu país. Baixaria decretos e adotaria ações voltadas, exclusivamente, para o bem dos cidadãos. Todo mundo teria acesso ao que de melhor existisse no mundo em termos de Educação, Saúde, Moradia e Transporte. As pessoas seriam livres, amadas e felizes.
Aos catorze anos não quis mais ser presidente. Muito chato fazer campanha, pedir votos, entender de leis, fazer coligações partidárias, debater com o adversário. Também, parou de contar estrelas, mas ainda se deitava na relva. Seu pensamento agora estava mais voltado para as meninas do bairro, não obstante não abrisse mão de se tornar uma pessoa capaz de ajudar ao próximo. Decidiu que iria estudar, ganhar muito dinheiro, ocupar algum cargo importante em uma empresa ou, quem sabe, no setor público. O importante é que conseguisse ajudar as pessoas a serem felizes.
Em pouco tempo, o menino também parou de se deitar na relva. Cresceu, estudou em bons colégios, cursou uma das melhores universidades do país e se tornou um bem sucedido homem de negócios. Empreendedor, em pouco tempo tornou-se empresário e abriu empresas em várias localidades. Ganhou prestígio e reconhecimento por seu trabalho e por seu espírito inovador, chegando a ocupar importantes cargos públicos no município onde nasceu e, depois, no estado e no País.
Casou-se com uma moça formosa e de família muito rica. Viajou o mundo, conheceu lugares e pessoas e construiu uma bonita e numerosa família.
Por onde esteve, desde os primeiros anos de formado até o gozo da aposentadoria, viu o belo e o feio, a saúde e a doença, a fartura e a pobreza, a riqueza e a miséria, a alegria e a tristeza, a felicidade e a dor. Que bom – e ele era agradecido por isso – que apenas viveu a melhor parte da vida…
“Dê o poder ao homem, e descobrirá quem ele realmente é!”. Esta frase, dita por Maquiavel e, mais tarde, repetida pelo presidente americano Abraham Lincoln, se refere à verdadeira face do caráter de uma pessoa, que só se manifesta quando esta pessoa passa a deter poder. Essa observação de Maquiavel, feita há quase quinhentos anos, nunca pareceu tão contemporânea. Basta olharmos ao nosso redor, que veremos inúmeras pessoas que se apresentam de um modo, aparentemente compromissadas, honestas, cândidas e altruístas, e se deixam seduzir pelo poder, político ou econômico, quando então, mostram a verdadeira face de seu caráter.
Que pena que este menino jamais voltou a se deitar na relva, a cruzar as mãos sob a cabeça, para olhar o céu… Uma pena o menino ter deixado de contar estrelas!
Ao deixar de contar estrelas, esqueceu-se o menino de seus sonhos, do desejo de ser mago, rei, presidente ou de desempenhar qualquer outro papel importante que fosse capaz de materializar a sua vontade de ajudar os outros, de fazer com que fossem felizes… Para sempre! Esqueceu-se que nada somos sem o outro, e que a dor de um de nós é, na verdade, a dor de toda humanidade.
E você?
Você tem contado estrelas?
*Eugênio Maria Gomes é escritor, professor e pró-reitor de Administração do Centro Universitário de Caratinga. Membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni e Grande Secretário de Educação e Cultura do Grande Oriente do Brasil – Minas Gerais.
Mais informações sobre o autor(a),acesse: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4592143U0